Bin Laden - 11 de Setembro, de Hazra Chitrakar, pormenor de uma pintura narrativa e cantada
"Pinturas Cantadas - arte e performance das mulheres de Naya" (Estado de Bengala, Índia), no Museu de Etnologia, até final do ano - sem website (IPM) - mas atenção ao óptimo site da exposição original indicado abaixo (comentários).
É arte contemporânea, de certeza (embora não procure ser "deceptiva", pelo contrário, e não use as "novas
linguagens" que entraram em vigor c. 1968, segundo Serralves e a
Sotheby's - mas o critério decisivo de classificação deve ser a data de produção actual e, por
acréscimo, a abordagem de questões do presente). E é também arte
popular, o que tem vindo a interessar cada vez mais este museu, antes
mais dado a rigores etnográficos. Já se falou, noutros sítios, em "arte autóctone
contemporânea", mas não sei se a designação será "pós-colonial", ou neo-colonial.
É arte
popular, mas (em grande parte) não tradicional, porque esta era uma
produção masculina e as mulheres destas comunidades indianas não pintavam..., o que põe curiosos
problemas. Outra questão muito curiosa é a condição abertamente
comercial desta actividade artística feminina, organizada numa
associação e destinada à venda em feiras de artesanato, a
patrocinadores estatais e a um público internacional, o que também é,
entretanto, indistrinçavel dos novos conteúdos destas obras, que têm a ver com a
actualidade internacional (Bin Laden e o 11/9, o Tsunani) e com a vida das mulheres e da comunidade (a sida), para além das antigas mitologias locais.
O facro de não se tratar de uma actividade "ancestral", e de ser de certo modo inovadora (acompanhando a afirmação de novos papéis na fanólia por parte das mulheres), altera a relação habitual (tradicional?) com as artes ditas primitivas, aparentemente legitimadas por uma atemporalidade primordial e por uma funcionalidade ritualizada. A produção em série com origem recente e intuítos comerciais "dessacraliza" a hipotética tradição assim como os conteúdos simbólicos dos objectos, convertendo o possível carácter ritual num simples repertório de temas narrativos e de motivos figurativos.
Encontramos aqui a repetição de um mesmo tema pela mesma artista e por várias artistas diferentes, o que também permite identificar a diversidade das linguagens figurativas, ou estilos. As artistas são, aliás, identificadas à entrada pelos respectivos nomes e em especial por fotografias de grande formato. No caso das artes ditas primitivas (aqui trata-se em grande medida de primitivos contemporâneos) o anonimato é quase geral e tende a valorizar-se a ideia de estilo colectivo, ou seja, de uma determinada linguagem ou padrão que seria própria de uma certa comunidade.
Se o século XX foi marcado pelo interesse pelo primitivismo (em várias direcções relacionadas: a recusa da academia, a que se pode associar ou não a ideia de anti-arte; a procura de uma pureza ou verdade iniciais - ou ingénuas, anterior à aprendizagem e às codificações estilísticas; a apropriação de diferentes linguagens representativas e simbólicas, ou o alargamento dos modos, dos referentes e dos conteúdos), o exemplo dos primitivos contemporâneos continua a ter uma grande importância teórica e a ser altamente refrescante.
Esta pintura é muito mais interessante que os inúmeros restos e fins da pintura (e da arte) que preenchem os rituais e as ambições do actual "mundo da arte".
Esta é uma extraordinária (invulgar e fascinante) exposição, com um bom catálogo muito acessível (10€) e para ver com vagar, porque algumas das pinturas são expostas juntamente com auscultadores (as pinturas são cantadas...) e porque há um documentário filmado em projecção constantem, feito sobre e com as mulheres artistas indianas, a respeito das obras e das suas vidas.
Exposição da autoria de Lina Fruzzetti e Ákos Ostor. Também autores do filme Singing Paintings. The Women Painters of Naya (2001-2005) que vem insuficientemente referido no catálogo.
(15-07-2007, actualizado)
Vale a pena deixar o link: http://learningobjects.wesleyan.edu/naya/
Posted by: Rosa Pomar | 08/12/2007 at 11:06