RRangel 1
EXPRESSO/Cartaz de 07 de Março de 1998
Ricardo Rangel
"Um fotógrafo de África"
DESCOBRI-O em Nova Iorque, numa exposição que o Museu Guggenheim dedicou aos fotógrafos africanos («In/Sight. African Photographers, 1940 to the Present», 1996 <apresentada por Orkwui Enwezor, mais tarde director da Documenta>). Ricardo Rangel estava representado com a série «O Pão Nosso de Cada Noite» (<Our Nightly Bread, 8 fotos>, fotografias de uma outra guerra que se travava nas noites da Rua Araújo, ao longo dos anos 60 de Lourenço Marques.
Aquele amplo panorama, que depois entrou em alargada digressão, situava-o como uma das grandes vozes de África e, mais do que de relações fotográficas portuguesas, parecia aproximá-lo do foto-jornalismo de formação documental e humanista da África do Sul (o magazine «Drum» dos anos 50).
Mais tarde, voltei a encontrá-lo num número da «Revue Noire», de Paris, dedicado à fotografia de Moçambique – datado de Dezembro de 94. Apresentado como um precursor africano da «fotografia de actualidade de autor» (comparado a Doisneau e Strand...), era também o fundador e patrono do Centro de Formação Fotográfica de Moçambique, Maputo, apoiado pela cooperação italiana, de que nascera uma nova geração de fotógrafos que contava, entre outros, com Rui Assubuji, José Cabral, Ale Junior, Kok Nam <Nascido em 1939, trabalha na imprensa desde 1066; é um colega e não um discípulo de RR> e Sérgio Santimano (este também já exposto no Arquivo Municipal).
A cooperação francesa – muito mais atenta que a de Lisboa – levara-o aos Encontros de Bamako (Senegal, 1994) e patrocinou um álbum com o seu nome (ed. Findakly). O Pão Nosso de Cada Noite, com as suas fotografias nocturnas e furtivas, de rua ou no interior dos bares, que são também uma fortíssima memória colonial, fora publicado com textos de José Craveirinha e Rui Nogar. Recentemente, Ricardo Rangel expôs em Paris com Sebastião Salgado, outro dos que o reconhecem como mestre.
da série O Pão nosso de cada noite, 1960-70
É este fotógrafo que agora se apresenta no Arquivo com uma pequena mas admirável selecção de imagens que vêm de 1958 até 93. Ao retrato pontual da África «portuguesa» observada nos princípios de 60 – o criado negro (?) que passeia os cães de luxo, a «Pensão Transmontana (Knorr Suíça - sopas e caldos para o paladar português)», o pescador branco que descasca batatas, mas uma só foto da Rua Araújo –, seguem-se imagens feitas nos primeiros anos da independência e fotografias já dos anos 90. Sempre à distância dos «factos» jornalísticos e das proclamações retóricas, recortando a digna monumentalidade das figuras isoladas (há notáveis retratos urbanos e de populações rurais) ou movimentando os grupos com a certeza de que são instáveis as diferenças que separam o desamparo da epopeia – por exemplo, Fogo na Cidade do Caniço (L.M., 1961) ou Estivadores, Domingo (L.M., 1962), com o charco servindo de espelho na barbearia ao ar livre.
Ricardo Rangel nasceu em 1924 e chegou à fotografia trabalhando como assistente de laboratório e depois impressor; foi o primeiro repórter não-branco do «Notícias da Tarde», em 1952, e participou de 1960 a 64 na breve aventura do jornal «Tribuna», durante a qual foi possível experimentar direcções de trabalho independentes. Uma vez disse que começou a tomar consciência da importância das suas fotografias pelo facto de a censura as cortar (Luís Carlos Patraquim, «Público», 30-6-91).
A antologia exposta sob o título «Histórias de Moçambique», infelizmente sem catálogo, não é apenas a apresentação de um repórter que documentou o seu tempo, é a confirmação de um grande fotógrafo de África e de uma história comum.
«Histórias de Moçambique»
Arquivo Fotográfico Municipal, Lisboa
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