arquivo, fotografia em Moçambique
in EXPRESSO/Cartaz de 09-08-97
SERGIO SANTIMANO
"Moçambique e Índia", Arquivo Fotográfico de Lisboa, 29 Jul.- 6 Set. 1997
"Um olhar próximo"
Sérgio Santimano recusa que as fotografias de África mostrem apenas a guerra e a fome. Revolta-se com a facilidade com que muitos fotojornalistas, confrontados com um mundo que apenas conhecem de passagem, ou os distantes editores fotográficos à procura do exotismo da violência, reduzem o seu país à imagem das vítimas indefesas. Essa é apenas outra variedade, actual, do conformismo das fotografias que se esperam de África, depois dos tempos dedicados ao mito do «bom selvagem» e às paisagens paradisíacas.
As suas fotografias rejeitam o miserabilismo e não querem ser, nem são, «imagens negativas». Por isso, existe no seu trabalho a marca de uma determinação que faz coincidir a procura da eficácia significante das fotografias«de autor» com a implicação no destino do seu povo. É a tradição humanista da reportagem fotográfica que ele persegue, optando pelo ensaio contra a imagem de choque, num trabalho que se desenvolve em projectos de longo fôlego, em torno de temas precisos e conceptualmente pré-definidos, onde se conta uma história através de imagens.
As fotografias podem ser «duras», quando descrevem um universo devastado pela guerra, mas não são «pessimistas», porque revelam a dignidade que persiste ainda no rosto das pessoas que se confrontam com as condições mais degradadas. Aliás, ele próprio refere que as mesmas imagens podem ser entendidas como mais ou menos «duras», se são vistas, por exemplo, na Suécia (onde agora reside), ou em Maputo — onde nasceu em 1956, de pais goeses.
O que lhe importa, mais ainda quando Moçambique entrou no fututo do pós-guerra, é mostrar que, se em África existem terríveis problemas de desenvolvimento, «as pessoas são capazes de uma vida normal». É o que sugerem, por exemplo, as imagens da menina que salta à corda num cenário de pobreza, ou o grupo que brinca com bonecas (brancas), no quadro de uma reportagem sobre os mercados informais do Maputo, onde tentavam sobreviver as populações em fuga para a capital.
A exposição do Arquivo, reune sob o título «Moçambique e Índia» duas séries de trabalhos. O primeiro, «Caminhos», constitui a junção numa sequência única de dois projectos inicialmente distintos, sobre os mercados do Maputo («The Informal Market», realizado em 1992) e sobre o regresso de uma mulher desalojada, Luisa Macuácua, aí primeiro fotografada, à sua região de origem, Inhambane, depois do acordo geral de paz («Return of a Family», de 1993). Parte da segunda série tinha sido apresentada nos últimos encontros de Coimbra, mas numa sequência errada, e ambas eram já conhecidas através da presença regular do trabalho de Sérgio Santimano na revista «Grande Reportagem».
«Índia» é o resultado de uma deslocação à Índia, por ocasião de uma exposição onde apresentou esse mesmo trabalho. São fotografias de viagem, portanto, sensíveis apontamentos de observação de lugares e ambientes, onde já nascem, no entanto, outros possíveis embriões de histórias a desenvolver, uma centrada na figura do taxista que o conduziu em Bombaím, outra, em Goa, projectada a partir do encontro com distantes familiares. As suas imagens são sempre construídas na aproximação aos modelos fotografados, no «contacto com o motivo», que nasce de um conhecimento atento da realidade observada e se continua numa relação onde o olhar sobre o outro é a descoberta de uma humanidade comum.
Sérgio Santimano, convém recordá-lo, começou por ser, na revista «Domingo», em 1982, um dos discípulos de um fotógrafo moçambicano que é reconhecido como um dos pioneiros da reportagem africana, Ricardo Rangel, autor de uma notável série sobre a Rua Araújo e os bares de soldados, «O nosso pão de cada dia», incluida no grande panorama da fotografia africana mostrado em 1996 pelo museu Guggenheim de Nova Iorque («In/Sight. African Photographers, 1940 to the Present»). Rangel é também o director do Centro de Formação Fotográfica de Moçambique, onde se afirmaram ou trabalharam outros jovens fotógrafos como Rui Assubuji, Alé Junior, Kok Nam, José Cabral e outros, contando com o apoio da cooperação italiana.
Com apoio de uma bolsa do governo sueco, Santimano está agora a realizar um trabalho de longa duração sobre Cabo Delgado. Poderia acontecer que a passagem actual das suas fotografias pelo Arquivo servissem também de abertura a outras imagens de uma África esquecida.
(Cat. c/ tx de João Soares, Luiz Carvalho, Calame da Silva, MIguel Silva. Biografia)
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