"Do Natural", Módulo
Um título que aponta várias direcções e sentidos, artísticos e também ecológicos, e uma imagem inicial que de imediato nos esclarece que a ironia está muito presente: diante de um telão de estúdio ou de cenário, onde se reconhece uma paisagem ampla, dispõem-se para o retrato um cadeirão, uma jarra com flores e um tapete. O natural é falso ou artificioso, é instrumental e é cultural, sempre mediado e distante.
Pode ser uma máscara de argila que se aplica num rosto (um retrato). Um vaso de bambu presente noutro retrato de mulher ou os animais de peluche em mais um retrato ainda, de uma criança, mais acidental que em pose. Pode ser uma outra paisagem do papel de parede ou cartaz envelhecido, por onde passa um fio eléctrico. E quando se trata de facto de uma natureza viva, a imagem "autêntica" converte-se numa variação da Ophelia de John Everett Millais (1851-2, Tate Gallery), com o estranho colchão que flutua vazio sobre a água - é um encontro e não uma imagem construida . O lagarto – é uma iguana - vê-se num chão vermelho e será um bicho amestrado, ou deslocado do seu habitat. Outra paisagem, entre rochas miniaturais e árvores envolventes, num interior, será um cenário kitsch à entrada de um qualquer restaurante, talvez japonês – há lugares e datas a referenciar as fotografias.
Diferentes imagens, de vários lugares e momentos, reorganizam-se em
torno de um tópico que lhes condiciona a leitura e as integra num
discurso conceptualmente unificado. Retrato, natureza morta, encontro
ocasional, fotografia íntima ou de viagem, todas elas mudam de condição
para serem peças de um puzzle que é também um ensaio sobre o mundo, e
não só um exercício formal-conceptual.
Uma forma clássica de fotografia de viagem parecia terminar na
exposição de 2004, "We Can’t Go Home Again", onde o roteiro dos
acontecimentos fotográficos, com uma forte dimensão auto-biográfica, parecia competir com uma anterior itinerância
aventurosamente curiosa. Era a
questão do regresso que se impunha ao fotógrafo viajante, mas talvez mais porque é sempre o mesmo que se vê nos diferentes lugares por onde viaja. Em 2005, no
Prémio BES, eram programas documentais que se somavam para tornar mais
eficaz a observação microscópica do nosso presente próximo. (Querer ver, decifrar e manifestar o mundo é mal aceite no meio da arte, onde impera o gosto pela cegueira, o culto formalista da inutilidade.)
Aqui, as fotografias tornam-se mais abstractas e intemporais como peças de um programa que ironiza com a construção do sentido das imagens, com o trânsito entre géneros, com o diálogo entre a fotografia directa e a tradição da pintura, com o balanço indiscernível entre natural e artificial - a natureza convertida em paisagem, os objectos fabricados vistos como literal natureza morta.
Horário: terça a sábado, excepto feriados, das 15h às 20 horas, até 9/10/07
Comments