e uma 2ª exposição em 1999, depois de uma outra presença colectiva na Expo'98
título: "Mensagens de longe"
EXPRESSO/Cartaz de 11 de Setembro de 1999
exposição: ARTE(S) DE MOÇAMBIQUE
José Forjaz e «Outras Plasticidades»
Instituto Camões
O ÚLTIMO dos palacetes da Praça Marquês de Pombal reabriu as portas sob o nome de Casa da Lusofonia*, à qual caberá assegurar uma maior visibilidade das acções do Instituto Camões num momento em que, finalmente, parece verificar-se um claro reforço da sua operacionalidade. Ocupam-no um conjunto de exposições oriundas de Moçambique, que se instalaram nos espaços improvisados de um edifício ainda não adaptado às novas funções, embora, neste caso, essa precaridade das condições de montagem não deixe de se adequar quer à urgência de dinamizar uma política de efectivo relacionamento cultural do mundo lusófono quer à estranheza ou à diferença intrínseca de muitos dos objectos expostos.
Representação bíblica, xilogravura de Matias Ntuendo, 1997
Todo o primeiro piso é ocupado por uma vasta mostra de obras recentes do pintor Malangatana, invadindo com toda a estridência das suas cores os corredores e as salas uniformemente pintadas de negro. Ao centro, a escadaria que dá acesso ao piso superior ostenta um painel desenhado pelo artista moçambicano expressamente para o local, apropriando-se com o seu vocabulário gráfico de motivos da respectiva decoração. Segue-se uma mostra retrospectiva da obra do arquitecto luso-moçambicano José Forjaz e, em diferentes espaços, esculturas, cerâmicas, desenhos e xilogravuras de seis outros artistas africanos reunidos numa colectiva intitulada «Outras Plasticidades», em que participa igualmente o fotógrafo Ricardo Rangel.
A retrospectiva de José Forjaz constitui a revelação de uma obra desconhecida em Portugal, embora divulgada noutros países e distinguida em 1989 com o Prémio Ralph Erskine, de Estocolmo. Nascido em Coimbra em 1936 e desde cedo ligado a Moçambique, José Forjaz formou-se em Arquitectura no Porto, fixou-se na Suazilândia e instalou-se em Maputo logo depois da independência, tendo desempenhado funções governativas. Desde 1988, é director da Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico daquela capital.
Apresentada em painéis fotográficos e algumas maquetas, através de projectos que vêm de 1962 até 1999 - com localização inicial em Portugal (Casa da Malveira, de 1960-62) e depois em África - , a exposição é acompanhada pela publicação de um volume intitulado Do Adobe ao Aço Inox - Ideias e Projectos: 1962-1998 (ed. Caminho). Com textos de apresentação de Giovanni Ferracuti e Raul Hestnes Ferreira, nele se incluem também artigos e conferências de José Forjaz, que, tal como a sua obra construída, dão conta de uma actividade intensamente implicada numa reflexão original sobre a especificidade dos problemas da arquitectura e do urbanismo no contexto africano.
Quanto a Ricardo Rangel, há muito que é reconhecido como um dos grandes nomes da fotografia africana e um pioneiro do fotojornalismo em Moçambique. O Arquivo Fotográfico de Lisboa já lhe dedicou uma mostra individual e a sua série «Pão Nosso de Cada Noite», realizada nos anos 60 nas ruas da prostituição de Lourenço Marques, tem tido presença obrigatória em todas as antologias da fotografia realizada por africanos. Nascido em 1924, repórter fotográfico desde os anos 50, já foi também o responsável pela formação de uma nova geração de notáveis fotógrafos moçambicanos, que o Instituto Camões faria bem em divulgar (e falta ainda editar condignamente a obra de Rangel).
Malangatana ocupa com as suas obras uma posição conforme com a notoriedade há muito tempo assegurada, que continua a sustentar sem perda de energia. A sua pintura é um caso quase único, em África, de adequação original entre um imaginário profundamente associado a tradições culturais locais e o domínio de meios expressivos de matriz ocidental.
Entretanto, a escolha de mais outros seis artistas moçambicanos, que terá resultado de uma ponderada pesquisa no terreno, tem o mérito de indiciar uma produtiva interrogação (que se prolonga nos textos do catálogo) sobre o sentido e o destino de práticas que se situam num alargado terreno criativo onde são incertas as fronteiras entre a arte tradicional e popular, o artesanato e a aproximação muitas vezes ingénua a modelos artísticos ocidentais - sem esquecer os efeitos exercidos pelo mercado dos estereótipos culturais e do exotismo que alimenta a procura da «arte africana».
As cerâmicas de Reinata, de origem maconde, as xilogravuras de Matias Ntundo, também de Cabo Delgado, e as esculturas de Domingos Muando, de Maputo, encontram-se com outras produções que se qualificam como «populares» ou ingénuas quando se situam no contexto ocidental. Todas elas configuram com felicidade um espaço poético que é alimentado pelo sonho ou as vozes de «espíritos» pessoais, permanecendo alheias aos códigos formais da produção erudita, sem contudo se tratar de artistas que prossigam directamente tradições culturais indígenas.
( - até 30 de Outubro)
*Nome que entretanto se terá perdido, para ser só Instituto Camões
**Catálogo:
"Outras Plasticidades - Reinata, Ricardo Rangel, Matias Ntundo, Valingue, Ídasse, Muando, Ndlozy"
Ed. Instituto Camões, Lisboa 1999. "Pontes Lusófonas"
Coord. Maria Armandina Maia
Coord. editorial: Feliciano de Mira (comissário) e Mário Filipe
Conselho consultivo (Moçambique) da exp.: José Forjaz, Júlio Carrilho, Miguel M'Kaima
Textos:
Feliciano de Mira - Introdução
João Pinharanda - Relações marginais
António Sopa - "Artes plásticas em Moçambique: para uma percepção das práticas culturais (1975-1999)
Júlio Carrilho - O espírito da arte ou a arte dos Espíritos. A propósito de Miguel Valingue, Reinata Sadimba e Matias Ntundo
e tb de Teresa Sá Nogueira - Reinata; Calane da Silva - R. Rangel; J. Carrilho - Matias Ntundo; Armando Chavana - Valingu; Marcelo Panguane - Ídasse; Marcelo Moss - Muando; Fernando Manuel - Ndlozy.
Fotografias documentais e retratos de Kok Nam, José Cabral, Naita Ussene.
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