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"Vanguardas realistas"
in EXPRESSO / Actual de 15-03-2003, pag. 17.
(versão extensa de um artigo incluído num dossier sobre a morte de Stalin)
A condenação do Stalin jovem e enérgico desenhado por Picasso para a capa das «Lettres Françaises» de 12 de Março de 1953 foi só um episódio risível do controle partidário sobre a arte de intenção e conteúdo políticos. Picasso era o comunista mais conhecido, depois de Stalin e Mao, era vigiado pelo FBI e estava presente, em pessoa ou no cartaz da pomba, em todas os encontros pela paz ao tempo da guerra fria, mas era tratado como repugnante modernista por Guerassimov, presidente da Academia das Artes da URSS, diante da qual se desculpou por lhe ter apertado a mão na tribuna de um congresso.
Em 1952, Alfred Barr, ex-director do MoMA, publicara no «New York Times Magazine» o artigo «Is Modern Art Comunistic?», abrindo caminho à consagração do expressionismo abstracto da Escola de Nova Iorque como a primeira vanguarda norte-americana. Ao responder ao discurso de George Dondero na Câmara dos Representantes, em 1949, «A subordinação da arte moderna ao comunismo» («O cubismo visa destruir por uma desordem estudada; o futurismo visa destruir pelo mito da máquina», etc), Barr e o MoMA, com o apoio financeiro do fundo Rockfeller, roubavam a Paris a ideia de arte moderna (como escreveu Serge Guilbaut), enquanto decorria a operação repressiva que desmarxizou os intelectuais e artistas do mundo livre.
O Plano Marshall (1948) e as audições do House Un-American Activities Committee sobre a penetração comunista em Hollywood (desde 47), o «maccarthismo» e o Congresso Internacional pela Liberdade da Cultura (Berlim, 1950) fazem parte do mesmo processo de contensão do expansionismo soviético. Depois da vitória breve da pintura «pura», a arte Pop viria substituir, já na década de 60, a sedução do realismo capitalista às lutas do realismo social e socialista que marcaram, com a imaginação surrealista, as décadas de 30 a 50.
Na URSS, a imposição de uma tradição académica mobilizável para o culto da personalidade fez-se por decreto, em 1932-34, e a exposição que celebrou em Moscovo os 15 anos do regime (1933) exibiu em espaço separado os artistas «infectados pelas doenças formalistas, influenciados pelos vestígios burgueses», antecipando a condenação da «arte degenerada» pelo nazismo. O realismo socialista seria depois exportado com maior ou menor rigor ideológico e terror policial conforme os interesses conjunturais das alianças antifascistas.
Em 1933, o «New Deal» de Roosevelt respondia ao «krash» de 29 e à Grande Depressão com encomendas aos artistas que, seguindo o exemplo dos muralistas mexicanos, cobririam os Estados Unidos com 2500 frescos, alinhados pelo regionalismo conservador de Thomas Hart Benton (a «American Scene») ou pelo realismo social de Ben Shahn e Philip Hervergood. Naquele ano, Rivera pintava a fresco um hall do Rockfeller Center, que só acabou destruído por causa de um inesperado retrato de Lenine.
O realismo social e socialista dos países ocidentais, que vai da mobilização antifascista dos anos 30 à reconstrução do pós-guerra, não é redutível ao modelo soviético (e nem sempre é melhor por isso), mas nos finais da década de 50 sofreu o mesmo apagamento. Fougeron e Taslitzky (de quem a Tate Modern comprou várias obras nos últimos anos e colocou em exposição) eram os seus intérpretes mais fiéis, enquanto Dewasne e Herbin, também membros do PC francês, defendiam o caracter progressista da abstracção geométrica.
A batalha pelo realismo em Inglaterra, nos anos 50, era tudo menos monolítica, incluindo o modernismo individualista e existencial de Bacon ou Freud e a direcção militante promovida por John Berger (John Bratby, Derrick Greaves, Edward Middleditch e Jack Smith, os «Kitchen Sink»), à distância do naturalismo fotográfico soviético e apontando o italiano Guttuso como exemplo.
Em Portugal, o neo-realismo foi uma afirmação geracional e um braço artístico do PC, mas seguiu mais a informação americana (Portinari, os mexicanos, Benton e Jack Levine, conhecidos através do que chegava a Lisboa entre a propaganda de guerra) do que a inspiração soviética. Oposto a um conservadorismo totalitário, foi quase sempre um movimento modernizador, em associação, como comprovavam os 366 projectos mostrados nas Exposições Gerais de 1946 até 1956, com uma nada ortodoxa defesa do Movimento Moderno em arquitectura.
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