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Expresso/Cartaz de 25-1-97 (Actual)
Morreu no passado sábado, com 84 anos, o pintor Joaquim Rodrigo. Nascera em Lisboa, em 1912, e foi agronómo de formação e profissão, durante cerca de 40 anos. No início dos anos 50 começou a dedicar-se à pintura como amador, expondo logo regularmente nos salões da Sociedade Nacional de Belas Artes /EGAP/, e prosseguiu até data recente, com uma última mostra individual em 1994, uma carreira sempre reconhecida pela generalidade da crítica nacional.
Efectivamente, a obra do pintor Joaquim Rodrigo esteve associada em três momentos sucessivos a situações conjunturais de revisão de orientações críticas ou foi considerada como representativa de novos entendimentos formais e estéticos.
Presente, desde 1951, nas mostras colectivas da Sociedade Nacional de
Belas Artes, primeiro com uma figuração auto-didacta, Rodrigo
participou, em 1954, no I Salão de Arte Abstracta, organizado por
José-Augusto França na sua Galeria de Março, num contexto então
polémico de divulgação do abstraccionismo parisiense, ao lado de outros
abstracto-geométricos como Fernando Lanhas, Jorge de Oliveira e, então,
Vespeira. Segundo escreveu Rui Mário Gonçalves, Joaquim Rodrigo tomara
contacto com o abstraccionismo durante uma visita a Paris, onde visitou
a Galeria Denise René, interessando-se então pelas obras de Vasarely,
Magnelli e Mondrian.
Já no início da década de 60, a sua pintura viria a ser identificada
com a emergência de uma «nova figuração», onde a representação,
esquemática ou fragmentada, se deveria inscrever num espaço
indeterminado ou impreciso (dito não-naturalista).
José Augusto França considerou então as suas «composições figurativas
de imediato parentesco 'pop'», mas atribuindo-lhe dimensão pioneira
(«antes, porém, que a corrente anglo-saxónica se estendesse à Europa»).
Entretanto, o mesmo autor considerava que as imagens de Rodrigo eram
«tratadas num processo empenhadamente 'naif'», por uma linguagem
«inspirada na arte dos aborígenes da Austrália» — o que significava
atribuir à arte Pop um sentido muito lato ou heterodoxo. Outras fontes
(João Pinharanda, por exemplo), referiram que Rodrigo tivera por
referência pinturas da zona da Lunda, divulgadas nos anos 50 pelo
antropólogo José Redinha.
Nessas primeiras pinturas figurativas tiveram particular significado
algumas encobertas referências políticas — por exemplo, em Santa Maria,
1961 (então designado S-M), da Colecção ex-SEC, com depósito em
Serralves. A seguir, as telas de J.R. converteram-se em repositório de
«recordações e notas pessoais» (França), descrições crípticas de
viagens e lugares, numa prática de cariz ingenuista que ao mesmo tempo
se procurava sistematizar como descoberta de uma «ciência da arte».
Essa reflexão deu origem a um famoso curso ministrado na SNBA em
1977-79, propondo a generalização do seu sistema, e à publicação do
livro O Complementarismo em Pintura. Contribuição para a Ciência da
Arte (ed. Livros Horizonte, 1982), prolongado num outro texto incluido
na monografia Joaquim Rodrigo ou o Pintar Certo, de J.-A. França (Ed.
Galeria Nasoni, 1988).
O pintor apresentou em 1972, na SNBA, uma retrospectiva que foi também
a sua primeira exposição individual e que justificou a atribuição do
Prémio Soquil da Crítica de Arte, seguindo-se-lhe apenas mais duas
mostras, na Quadrum, em 1982 (distinguida com o Prémio AICA/SEC do
mesmo ano), e na Galeria Valentim de Carvalho, em 1994. Entretanto,
fora incluido na representação portuguesa à Bienal de São Paulo de 1989
(com Álvaro Lapa e Manuel Rosa) e em 1991 figurou na exposição de arte
contemporânea portuguesa apresentada na Europalia.
Na década de 80, o tema do «regresso à pintura» permitiria que outros
desígnios críticos revalorizassem a dimensão figurativa e o carácter
memorialista e narrativo da pintura de Joaquim Rodrigo.
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Joaquim Rodrigo
Museu do Chiado
Expresso Cartaz de 18-03-00 (nota)
Aproxima-se do termo a retrospectiva que o Museu dedicou ao pintor, nela envolvendo um trabalho de inventário, investigação e interpretação de dimensões entre nós inéditas. Tal operação, aliás, conduziria à publicação do respectivo catálogo «raisonné», numa iniciativa sem precedentes. Ficou assim situada uma obra iniciada por um metódico exercício de abstracção geométrica, que então já só poderia ser de improvável êxito, e que tem depois o seu momento mais destacado no início dos anos 60, no contexto interrogativo de uma figuração renovada, com a qual Rodrigo se propôs uma crítica e críptica intervenção política no difícil contexto nacional. A partir de 1962, porém, logo outro ciclo se abriria, conjugando a «descoberta» de um método de «pintar certo» com um discurso narrativo muito idiossincrático e autocentrado, dedicado à anotação de viagens, em que o pintor se encerrou na posse de uma fórmula algo «naïve». É provável que a retrospectiva tenha ambicionado sobrevalorizar a obra de J.R. no seu curso integral, dificultando uma reapreciação diferentemente valorativa dos seus melhores e piores feitos. (Até 26)
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