1 - Quando começou a decadência (a palavra é demasiado pesada, talvez só a auto-repetição, a banalização, a diminuição) de Rauschenberg. Ou, mais delicadamente, quando terminou "o período da sua maior criatividade"? - como lhe chama Arthur Danto, numa crítica de 1997, onde comenta o que são (para ele e para outros) as duas metades da sua vida. É provável que a curva descendente, pelo menos a estabilização depois do período ascendente, tenha começado por volta de 1963, ou 64, no exacto momento da consagração da Bienal de Veneza, por ironia do destino, e precisamente quando tomava a corajosa decisão de não passar a repetir-se - terá então mandado destruir as matrizes serigráficas que se encontravam no atelier, segundo conta João Fernandes no seu texto do catálogo.
A segunda parte da sua vida e obra começa logo depois, portanto, a seguir às pinturas serigrafadas, como Kite, onde o Vietname é uma referência bem reconhecível.
Monogram, 1955-59. "Freestanding combine" (Col. Moderna Museum de Estocolmo © Robert Rauschenberg ) - veio a Lisboa, ao CAM, em 1985
Tratando-se de um grande artista, essa decadência (risco de repetição, perda de poder de invenção ou de surpresa) pode continuar a ser interessante, mas convém manter alguma lucidez face às obras. E a "contemplação passiva", a consagração beata, o coro unânime quanto à excelência das obras não são atitudes saudáveis.
Os cartões, cardboards, mostrados em 1972, são uma série limite no
seu percurso criativo, e aí é já a elegância que impera, mesmo se a
partir do uso das caixas de cartão, visíveis como restos ou lixo (um "belo" lixo, em comparação com a junk art do tempo). Era a elegância da
composição aparentemente ocasional e não composta, usando caixas ou
pedaços de cartão dispostos sobre a parede, com uma grande economia de
meios e um sentido da grande escala herdado do expressionismo abstracto
norte-americano. Depois das imagens mediáticas associadas ou
depositadas como apropriações materiais do mundo, há um silêncio ou
vazio denso e (quase) monócromo, da cor do cartão, que se instala. Zen?
A
dimensão iconográfica dos trabalhos anteriores desaparece - é já outro
(e certamente residual) o sentido do mapa americano que por vezes ainda
se vê nas caixas utilizadas por R. Os trabalhos seguintes vão deixar de
ter a importância das primeiras obras. Rauschenberg não terá um
"período tardio". O seu lugar na história foi sendo abalado?
National Spinning / Red / Spring, 1971, Thr Menil Collection, Houston
2 - Esta é a grande exposição do ano em Serralves - de um ano
particularmente austero quanto a nomes mediáticos. Rauschenberg não é
tão popular como Warhol, longe disso, mas, para quem sabe quem ele é,
goza (ou gozava - para os que ainda se lembram dos anos 60) de uma
consideração mais geral ou incondicional. Foi com ele que a arte
moderna se transferiu para Nova Iorque, na Bienal de Veneza de 1964
(apesar de R. ser um parisiense, um artista de gostos europeus, e em
particular italianos, antes de se tornar o mais itinerante dos
artistas).
Como é hábito, Serralves não quis fazer uma antologia de carreira,
sumariando os quase 60 anos de percurso. Optou por um projecto parcelar
e menos conhecido, centrando-se num período menos conhecido (por ter
sido absorvido pela grande retrospectiva de 1977?, por ser menos
comunicativo ou menos feliz?).
E já não seria inédito nem possível trazer um número significativo de
"combines" de 1ª escolha, como aconteceu em Paris em 2006 (no Centro Pompidou) .
Terá de supor-se que os espectadores já conhecem aquilo que é mais
relevante na obra de R. ("combines", ilustrações de Dante e quadros
serigrafados dos primeiros anos 60), mas a verdade é que mesmo que o
conheçam das estampas, é muito diferente, muito mais forte e decisivo,
confrontarem-se com elas "ao vivo". A história da reprodutibilidade
técnica não se aplica aqui, como o Benjamin sabia quando falava da
aura. Mas esta é uma exp. só possível num museu com grandes créditos
internacionais, por onde pode passar a revalorização de uma parte menos
considerada da obra de um grande artista.
Que lugar têm estas peças na obra e na importância da obra de R.? E no
seu tempo? Como envelhece, ou continua, um grande artista? São questões
significativas.
3 - Em Madrid, já nos anos 80 que costumam dizer-se da movida, a
obra de Rauschenberg terá começado por ver-se numa mostra antológica da
Fundação Juan March, em Fevereiro-Março de 1985, que contou, segundo o
catálogo, com 32 obras de 1951 a 1984. Eram 13 as peças até 1967,
incluindo o famosíssimo Monograma, 1955-59, do Moderna Museum
de Estocolmo, que também veio a Lisboa nesse ano. O período agora em causa estava representado por uma peça de
cada série (desde Volon, de 1971, a um "Jammer" de 1976). Era o bastante.
Em 1987-88 seguiu-se a apresentação da Colecção Sonnabend - da
galeriata Ileana S., agora falecida - no Centro Reina Sofia, numa
mostra comissariada por Jean-Louis Froment e vinda de Bordéus. R., com
Jasper Johns e Cy Twombly, mais Mario Schifano, abria a exposição com 4
"combine paintings", desde 1956, e mais duas telas serigrafadas
(incluindo Kite, de 1963, onde a águia americana e o helicópetro militar referiam explicitamente a guerra do Vietname). Era uma escolha excepcional.
Em
1988-89 foi a vez da colecção Leo Castelli, tb na Juan March, com 7
obras de R., sendo 5 dos anos 50 e 60, com a muito conhecida e
emblemática Cama, de 1955, e Caqui/Persimmon, importante óleo e serigrafia de 1964 onde utiliza a imagem da Vénus no Banho de Rubens ( ver ).
Em Portugal, na pouco lembrada "Exposição-Diálogo" que sucedeu em 1985 à inauguração do CAM, R. esteve representado tb pelo Monograma e por Diplomat, de 1960 (Museu de Viena).
Na exp. Pop do CCB em 1997 estiveram Spot e Kite, ambos óleos serigrafados de 1963.
... para gerações mais novas, como a minha, e sem grandes possibilidades para viajar, este tipo de iniciativas são boas mas perversas... continuam a faltar as visões retrospectivas, as obras-chave, o tal mainstream, seja lá o que isso for, para a sedimentação de uma sólida cultura visual que vá além do habitual Museu Imaginário, que no caso português é, geralmente, mal impresso...
Posted by: Pedro Faro | 11/10/2007 at 01:13