A Pop erudita
Expresso/Cartaz 04-10-1997 (Actual)
Roy Lichtenstein foi, com Andy Warhol, falecido em 1987, o artista que mais estreitamente ficou associado às imagens de marca da arte Pop. As suas ampliações de «quadradinhos» de banda desenhada, mostradas pela primeira vez em Fevereiro de 1962, na galeria Leo Castelli de Nova Iorque, asseguraram-lhe um lugar fixo entre os fundadores do movimento, e no momento da sua morte, aos 73 anos, são ainda essas imagens que mais insistentemente se recordam. No entanto, foi apenas durante os primeiros quatro anos da sua carreira como artista Pop que Lichtenstein praticou a apropriação directa de imagens de BD, passando a seguir, desde 1965 e durante mais três décadas, a desenvolver uma obra muito mais complexa e sofistificada.
Essa persistência emblemática dos primeiros quadros pode avaliar-se com
alguma perplexidade, se se considerar que é o carácter impessoal do
estilo de Lichtenstein que lhe assegura a notoriedade e, mais ainda, a
surpresa causada pela passagem à condição de arte de imagens
apropriadas a um género popular e considerado como exterior à cultura.
De certo modo, o que lhes assegura um lugar destacado na história da
arte das últimas décadas é uma invenção destituída de originalidade (a
apropriação de uma imagem banal produzida por alguém que não é
considerado um artista), cujos atributos de simplicidade, impacto
visual e reprodutibilidade a identificam mais com as necessidades da
comunicação de massas — o cartaz, a publicidade e o design dos
produtos de consumo — do que com os atributos da pintura.
São essas qualidades, partilhadas com outros objectos que não se
reconhecem como arte, que asseguram aos primeiros quadros de
Lichtenstein ou de Warhol o estatuto de ícones do século XX, mas também
é possível, entretanto, procurar estabelecer diferenças entre essa
dimensão de emblema, sintético e mediático, associável a um ponto de
vista estritamente sociológico, e a natureza mais sensível e
problemática da arte.
Não é exactamente da apropriação de uma imagem trivial de BD que se
trata nas primeiras obras de Lichtenstein, mas sempre de um exercício
rigoroso de depuração das imagens prévias e mesmo de composição ou
invenção. Lichtenstein tinha já mais de dez anos de trabalho e de
exposições, com uma passagem final pelo expressionismo abstracto, antes
de surgir como artista Pop. E é no quadro de uma pesquisa
essencialmente formal e mesmo de uma atitude formalista que surgem as
suas primeiras obras marcantes, como um exercício de afirmação do
carácter inteiramente plano do quadro que não procede por redução ou
eliminação dos seus elementos representativos, mas, pelo contrário, faz
coexistir os temas «figurativos» e a estrutura «abstracta» de
organização da superfície. Lichtenstein diria que «o facto de se
reconhecer o Rato Mickey numa tela não significa que se compreenda essa
tela» ou que «a tensão entre a aparência do objecto e a maneira de o
transformar em superfície plana é o que faz a força da arte Pop».
Toda a sua obra a partir de 1965, e, em paralelo com a BD, desde 1962,
desenvolve-se como uma relação interrogativa e irónica (e
particularmente auto-irónica) com toda a história da arte, sucedendo-se
as variações sobre as obras de Cézanne, Picasso, Mondrian, Léger,
Monet, etc. Menos «popular», por vezes marcada pela academização do seu
formulário gráfico (como sucedeu na última exposição, em Junho, no
Museu de Boston, onde «adaptou» pinturas chinesas), é essa a obra mais
marcante de Lichtenstein.
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