1995 - 1º Forum Atlântico de Arte Contemporânea, Santiago de Compostela
1996 - 2ª FAC (FAC'96) + 2º Forum - Exponor, Matosinhos
1 - A Norte
Expresso Revista de 7-12-96
Matosinhos, Exponorte, 2ª Feira de Arte Contemporânea (FAC'96)
em simultâneo com o 2º Forum Atlântico (Forum'96)
Chama-se «Galicia Arte Contemporánea» e é um «guia de exposicións» da Asociación Profesional de Galerías de Arte de Galicia, patrocinado pela Xunta. Ao abrir o desdobrável, encontram-se os mapas e programas das galerias de Ferrol, Ourense, Porto, Vigo, A Coruña, Santiago e Lugo. O grafismo é sóbrio e competente (ao contrário do «dépliant» que promove a «Lisboarte Contemporânea»). Com mais atenção, nota-se que em todas as cidades espanholas o número de salas institucionais iguala ou excede o das galerias comerciais — até ao extremo de Santiago, com cinco e três referências, respectivamente — enquanto o Porto conta com 12 galerias e uma única instituição (Serralves).
Pode servir este «caso» para alertar alguns lisboetas de que a regionalização está no terreno e que as especulações sobre o centralismo de Bruxelas são apenas uma conversa alimentícia de publicistas da capital. O País já mudou.
Só filisteus ou distraídos se escandalizarão com a inclusão do Porto no
roteiro galego. O que é grave é a ausência, a par do Porto, de cidades
como Braga e Guimarães, ultrapassadas pelas localidades mais a Norte.
Porque a falta de galerias de arte, em si mesmo talvez pouco relevante,
deve ver-se como um índice do seu mais atrasado desenvolvimento
cultural e este é, hoje, na Europa, a condição necessária à
competitividade económica. O textil e a moda, o mobiliário e o
«design», por exemplo, são alianças que condicionam a sobrevivência de
sectores produtivos tradicionais — e Serralves nunca conseguiu ser mais
do que um «ghetto» culturalista, sem pontes operativas com os seus
mecenas fundadores.
O que é grave, igualmente, é a desproporção entre os investimentos
públicos na Cultura feitos na Galiza do popular Fraga Iribarne e
ausência de iniciativa regional do lado português ou a desorientação
das câmaras, socialistas ou não. O que é grave, ainda, é a inexistência
de orgãos próprios da região, como a Xunta, que se constituam como
interlocutores e protagonistas.
É neste quadro que decorre, até terça-feira, em Matosinhos, na
Exponorte, a 2ª Feira de Arte Contemporânea (FAC'96) em simultâneo com
o 2º Forum Atlântico (Forum'96), reunindo perto de meia centena de
galerias dos dois países: 14 de Lisboa, 12 do Porto e também de Almada,
Setúbal, Guimarães, Braga, Aveiro e Tavira; e 13 galerias espanholas,
de Vigo, Corunha, San Sebastian, Santander, Ourense, Santiago,
Victória, Bilbao, Las Palmas e Tenerife.
A FAC teve a sua primeira edição em 1995, na FIL, retomando a
experiência dos «Foruns» que decorreram em 1988-9, antes das convulsões
do mercado de arte e do regime sub-cultural de Santana Lopes.
Organizada como uma feira de galerias tradicional, por iniciativa da
Associação Portuguesa de Galerias de Arte, a feira anterior já foi (e
esta sê-lo-á mais ainda) o espelho de um panorama artístico
profundamente modificado, onde a reanimação do sector passa por novas
condições da circulação e pelo estilhaçar das fronteiras anteriores
entre os níveis ditos culturais e os agentes «meramente» comerciais,
sobre um fundo geral de descredibilização dos circuitos institucionais
O Forum'96, por sua vez, sucede a uma estreia em Santiago de Compostela, também há um ano, e tem por desígnio «a criação de um ponto de encontro das culturas atlânticas, na perspectiva luso-galaica», com carácter itinerante que o fará a alternar entre a Galiza e o Norte de Portugal. Marcado pelo forte voluntarismo galego, que se antecipa à dinâmica de um mercado de arte ainda débil, o Forum tem «características iminentemente culturais» e é simultaneamente um espaço aberto a instituições e fundações, que aí apresentam as suas iniciativas no campo das artes plásticas. Seis instituições espanholas estão representadas em Matosinhos, ao lado de 15 portuguesas anunciadas, municipais, associativas e outras, como Serralves e a EXPO.
Não surpreende, por tudo isto, que se intitule «Arte Ibérica» a nova
revista que José Sousa Machado lançará durante a feira, para ocupar o
espaço deixado vago pela «Artes & Leilões». Pensada para intervir
num mercado mais vasto que o nacional, a revista será lançada em versão
conjunta portuguesa e galega, prevendo-se uma versão em castelhano a
partir de Fevereiro.
O «Arco Atlântico», de que o desdobrável, o Forum e a revista são
sucessivas expressões, é um eixo de cumplicidades estratégicas e
competitividades inter-regionais que amplia os dinamismos locais e que
é capaz de alterar positivamente as relações entre o Porto e Lisboa,
entre a Galiza e Madrid, entre Portugal e Espanha, entre Lisboa e
Bruxelas, etc. O que se passa no terreno da arte e da cultura é sempre
sintoma ou antecipação de outros fenómenos profundos.
Entretanto, recomenda-se vivamente, como complemento da visita à
FAC/Forum, uma passagem mesmo rápida pelas galerias do Porto. A cidade
vai mudando, mais depressa que Lisboa.
Nenhuma ordem ou regra permite sistematizar o panorama. A Zen deu lugar
à nova 111, em espaços luxuosamente reconstruídos, estreados por Graça
Morais, mas adiante deve visitar-se a exposição inaugural da Galeria
André Viana, aberta por um jovem de 20 anos e juntando Sarmento,
Gaetan, Albuquerque Mendes e Helena Almeida. A Gal. Pedro Oliveira
apresenta Francisco Leiro, um escultor galego instalado em Nova Iorque
e representado pela Marlborough, e ao lado instalou-se a Gal. Por Amor
à Arte, animada pelo pintor Augusto Canedo, onde se acolhem duas
artistas de Valência.
A Módulo só vai às feiras de Basileia e Bruxelas e inaugura hoje José
Loureiro, depois de mostrar a nova-iorquina Sue Williams. A Gal.
Fernando Santos apresenta a pintura de Isabel Pavão, vinda também de
Nova Iorque. Mas o 10º aniversário da Quadrado Azul, reunindo Tàpies,
Susana Solano, Clavé, Garcia Sevilla e mais espanhois a Ângelo, Lapa,
Guimarães, Lanhas, Manuel Baptista, Casimiro ou Leonel Moura, entre
outros, é um índice seguro de que todas as fronteiras, geográficas e
culturais, já cairam. E na Afinsa-Trindade, associada a uma rede
espanhola, cultiva-se o coleccionismo nas áreas da filatelia, da
numismática e da arte, promovendo nomes jovens, como José Miguel
Gervásio. A antiquíssima Alvarez tem agora dois espaços e a Canvas
& Ca. ainda não fez um ano de actividade, tal como sucede com a
Presença. E o circuito fica incompleto e telegráfico.
No Museu Soares dos Reis, também renovado, mostra-se Koudelka e Mário
Eloy, e na Cadeia da Relação, nas enxovias «húmidas, escuras e
frigidíssimas» que alguém considerou adequadas ao Centro de Fotografia,
a pintura de Jorge Pinheiro sucedeu à arquitectura de Viana de Lima.
Se for possível um salto a Santiago Compostela, deve ir ver-se no
Centro Galego de Arte Contemporânea construído por Álvaro Siza o
italiano Medardo Rosso (1858-1928), com 40 obras em bronze, gesso e
cera que demonstrarão que o passado, como o presente, é sempre um
território a desbravar.
Feira de arte: nova geografia da arte
Tema da semana
Expresso de 14-12-96
Apesar de tudo, foi um êxito a primeira feira de arte do Porto — ou de Matosinhos, sede dos pavilhões da Exponor.
Interessa esclarecer, logo de início, que é mais difícil, mais caro, uma galeria nacional estar presente numa feira em Lisboa ou Porto do que em Madrid. A explicação do aparente paradoxo não é complexa: a ida à Arco é fortemente subsidiada pelo acordo tripartido que envolve, desde há anos, a SEC/Ministério da Cultura e as Fundações Gulbenkian e Luso-Americana. Acrescente-se que essa subsidiação é legítima (o mesmo se passa noutros sectores económicos e se pratica noutros países) e constituiu um meio barato de assegurar uma certa projecção cultural portuguesa no exterior, quando faltam os meios e a vontade para outras políticas continuadas de afirmação externa.
Como prova do êxito da feira basta referir o aparecimento para venda de uma pequena natureza morta pré-cubista de Picasso, datada de 1908 e avaliada em 35 mil contos, na Galeria São Bento, e de uma tela do norte-americano Basquiat, de 1984, na Galeria 1991 — ambas reproduzidas em catálogos autorizados. Claro que outras peças, de maior vulto ainda, circularam nos anos do «boom» e continuam a transacionar-se no presente, mas o que importa agora é a sua vinda à superfície e a público, a marcar as novas realidades da circulação de arte e, em especial, a redistribuição de lugares no seu mercado.
Se ambas as galerias, vindas de Lisboa, não venderam até domingo essas peças maiores, transacionaram, entre outras obras, uma uma tela de Sonia Delaunay, outra uma fotografia de Nam Goldin (que terá uma mostra individual em Março) e pequenos trabalhos de Barceló e Keith Haring. Várias galerias cobriram, e ultrapassaram, os investimentos feitos, e esse é outro imediato índice do êxito da feira.
Para ajudar a desfazer alguns equívocos, deve dizer-se que uma feira de arte é uma feira de galerias de arte e mesmo uma feira de arte de feira. Não se lhe exija demais, portanto, confundindo o plano de actuação das galerias — o mercado, mesmo se se trata de um mercado cultural — com os terrenos próprios das instituições museológicas ou de divulgação artística e, por outro lado ainda, com as dinâmicas eventualmente mais próximas da experimentação e da procura, associativa ou individual, de alternativas à lógica comercial que naturalmente preside, ou sustenta, o mercado de arte. Em tempos de expansão económica, ao longo dos anos 80, essas várias instâncias e dinâmicas puderam surgir estreitamente associadas e identificar-se como segmentos mais ou menos concêntricos de um mesmo mundo da arte, mas a situação actual já não é a mesma nem se prevê que uma eventual retoma económica venha a reconstituir o anterior sistema.
Uma feira, portanto, não é, nem deve ser julgada como se fosse uma exposição comissariada, uma bienal, uma intervenção organizada de artistas ou um metódico panorama da criação actual. Mas é, através dos múltiplos sintomas que aí se manifestam, mais ou menos evidentes ou ocultos, um retrato fiel do estado do mercado de arte.
Notar-se-ão, em primeiro lugar, as ausências. A Módulo segue um percurso individualizado e opta pelas feiras de Basileia e Bruxelas, onde é o livre jogo do mercado que conta e não o voluntarismo institucional. Já a não-comparência das galerias Luis Serpa, Alda Cortez e Monumental, ou da Novo Século, da São Mamede ou da ZDB, todas de Lisboa, tem outras motivações, basicamente económicas, e representa, quanto a algumas delas, a perda de competitividade comercial de um segmento galerístico que se caracterizou, em linhas gerais e em termos imprecisos, pela ambição cultural, sendo de notar a sua proximididade em relação às instituições públicas (ou seja, ao conglomerado SEC/MC-Gulbenkian-FLAD/Ar.Co-CGD) e a alguma crítica tida por influente. Num quadro em que as instituições já não podem manter os anteriores investimentos e perderam o seu diminuto valor de referência, as consequências não se fazem esperar.
Por último, a falta da galeria ImagoLucis, do Porto, a única a trabalhar exclusivamente com a fotografia, deve ser associada à quase total ausência desta na feira. Excepções: a citada Nam Goldin e Jorge Molder, na Gal. Pedro Oliveira (mas trata-se de passagens da fotografia à arte «genérica») e a presença forte da colecção dos Encontros de Coimbra, no segmento não comercial da feira.
Observando as comparências, destaca-se a força numérica de galerias que não fazem parte dos circuitos ditos de «ponta» — com nomes como Ara, Calçada, Minimal, Miron-Trema, Moira, Por Amor à Arte, Símbolo ou Ygrego, por exemplo. Em termos geográficos, é nova a relação entre Lisboa (14 galerias) e Porto (12), desvalorizando os casos de presença nas duas cidades da mesma galeria (111 e Fernando Santos) e de concentração de dois espaços numa só representação (São Bento e António Prates, a Sul; Alvarez, a Norte). Mas são também muito significativas as presenças excêntricas de Almada, Setúbal e Tavira, de Guimarães, Braga e Aveiro.
Entretanto, é esta a ocasião para referir a coincidência da segunda edição da Feira de Arte Contemporânea (FAC'96), que prevê realizar-se alternadamente em Lisboa e no Porto, com o segundo Forum Atlântico de Arte Contemporânea, projecto de sentido mais cultural que comercial que se inaugurou em 95 em Santiago de Compostela e fará circular a sua sede entre a Galiza (em 97, na Corunha) e o Norte de Portugal.
Ao Porto vieram 13 galerias espanholas, da Galiza e também de San Sebastian, Bilbao, Tenerife e Las Palmas. É a dinâmica do «Arco Atlântico» a manifestar-se, para lá do estreitamento das relações directas entre o Norte e a Galiza, que tem já expressão organizada no Eixo Atlântico (do Noroeste Peninsular), associação de municípios dos dois lados da fronteira com espaço próprio na feira preenchido pela aquisição simbólica de duas obras de Pedro Proença e Berta Cáccamo, ambas escolhas acertadas pelos mil contos disponíveis.
É também curioso observar a abissal diferença de natureza entre as participações dos dois países, sempre abertamente regional mas não regionalista a espanhola (com as presenças discretas de Ruibal e Caruncho, Basallo e Pijuan, Lamazares, Menchu Lamas e Antón Patiño, Dário Basso, Leiro, este só com múltiplos em porcelana, e de numerosos jovens artistas), e muitas vezes cosmopolita a portuguesa. Não por acaso, eram só as «nossas» galerias que, além de artistas internacionais, mostravam os nomes de maior afirmação espanhola: Saura (ao lado de Penk, na Fernando Santos), uma edição em bronze de Miró, mais Lucio Muñoz, Manolo Valdez e Lopez Herrera (e também uma escultura de Botero, na Gal. Mário Sequeira, de Braga), Grau e Broto, com papéis de Miró, Chillida e Palazuelo (na Afinsa-Trindade, empresa com ligações a Madrid), Susana Solano e Garcia Sevilla de pequena escala (com Lindstrom e Corneille, na Quadrado Azul, do Porto), etc.
É a confirmação da entrada maciça da circulação espanhola no mercado e nas colecções portuguesas, como se pode também confirmar, por exemplo, na actual apresentação de cinco colecções privadas no Museu Arpad e Vieira, em Lisboa («La Chambre du Coleccioneur»). Será uma indicação representativa que quatro delas se localizam no Norte, duas com relações a Serralves e outras duas na área de São João da Madeira. Entretanto, sem confirmação, diz-se que a delegação de Madrid do empório Marlborough vende mais na área do Porto que em Espanha.
Naturalmente que esse mercado, tal como se sabe da distribuição de Ferraris e Rolls Royces, se associa estreitamente à localização geográfica de um certo tipo de sectores produtivos, mas também à distribuição predominante das economias paralelas. E esse seria outro tema a necessitar de aprofundamento, sabendo-se que por toda a parte (não só em Portugal) a arte é um dos mercados mais distantes da legalidade fiscal e um dos mecanismos essenciais da lavagem de dinheiro — de rendimentos não declarados, sem necessidade de ir mais longe. Só por razões desse tipo a crise internacional do mercado de arte internacional é desmentida em Portugal.
Voltando, até por razões de elementar prudência, ao Forum e ao Arco Atlântico, importa dizer que a própria realização da feira ficou a dever-se ao empenhamento directo da Comissão Coordenadora da Região Norte (CCRN) e da Comunidade de Trabalho Galicia/Norte de Portuga, bem como da Câmara de Matosinhos e da CaixaVigo. Se não surgisse, a menos de um mês da inauguração, um apoio do FEDER de 35 mil contos não tinha havido FAC'96 no Porto, e era imperioso, de facto, assegurar a reciprocidade nortenha, por razões simples de equilíbrio inter-regional, depois dos meios postos à disposição do Forum'95, em Santiago, pela Junta da Galiza.
Retome-se o tema da recomposição do mercado de arte.
À margem da estabilidade de galerias como a 111 e a Pedro Oliveira, quase únicas sobreviventes (e lugares centrais) do anterior mercado de arte, o que salta aos olhos é a nova importância de galerias de aparecimento recente como a Fernando Santos, ou de recente promoção como a Quadrado Azul, que acaba de festejar os seus dez anos, ainda num centro comercial periférico mas expondo aí peças de Tàpies, S. Solano, Clavé, Sevilla e de Lapa, Ângelo, Casimiro e Leonel Moura.
Casos como a Gal. 1991, que expôs também pequenas obras ou papéis de Blais, Favier, Combas, Boisrond (e pinturas de Pedro Portugal, igualmente presente em maior escala na Fernando Santos), ou como a Presença, no Porto, mostrando Croft, Calapez, Albuquerque Mendes e Cruzeiro Seixas, são exemplares de mutações rápidas do panorama. Ao lado de situações de persistência como o da Gal. Graça Fonseca, reorientando a sua imagem com a oferta mais sólida de Graça Pereira Coutinho e José Barrias, ou de coerência programática como o da nova Gal. Hugo Lapa, que apresentou uma boa série de papéis de Xana e pinturas de Bravo e Palolo. Sem esquecer a Canvas & Companhia, do Porto, com o regresso de José Mário Brandão após o desastre da Nasoni-Atlântica, ou a Arte Periférica, nascida em Massamá, que hoje apresenta os nomes mais interessantes de uma nova geração, os de Rui Serra e Fátima Mendonça. Geração que pode também emergir, ou não, a Norte, em galerias como a Alvarez ou a Afinsa-Trindade.
Entretanto, há que sublinhar a instabilização de fronteiras entre primeiro e segundo mercado, que acontece quando Fernando Santos expõe obras de Júlio Pomar e Paula Rego e a Gilde, de Guimarães, uma recentíssima «Dog Woman» da mesma artista — são artistas representados pela 111 e, se é normal comercializá-los no escritório, é inédito trazê-los assim à feira. Sabe-se, também, que vários artistas da maior nomeada (não os dois referidos, mas retêm-se os nomes...) adoptam a perigosa prática de encaminhar directamente para o segundo mercado, para a Giefarte, por exemplo (obviamente sem lugar na feira), parte da sua produção, explorando a quebra, por efeito da desagregação do mercado tradicional, do seu anterior sistema de regras e em especial a da exclusividade.
Menos notório, mas igualmente preocupante, é o desvanecimento de fronteiras entre as galerias que realizam com os seus artistas um trabalho exigente e em continuidade, apresentando obras inéditas, representando-os, editando-os e estimulando a sua produção, e outras galerias que, situadas no campo do primeiro mercado, distribuem obras de segunda escolha (especialmente em casos internacionais), exploram as facilidades de um meio inculto e benificiam do trabalho alheio.
Por último, o êxito social de galerias comercialmente poderosas — como Mário Sequeira, Dário Ramos ou Cordeiros (não presente na feira), expondo artistas da Marlborough, no primeiro caso; de Amadeo e Viana, ou de Sá Nogueira, com produção recente a que falta a longa maturação que assegurava o seu interesse anterior, no segundo caso; ou de Júlio Resende, no terceiro, em delicodoces «cores de Goa» com que se trai uma obra respeitável (máxima nos anos 50 e ainda de uma energia decorativa surpreendente na recente estação de Sete Rios) — pode surgir como último sintoma da normalização da nova geografia da arte.
Mais grave é que a mesma supremacia da incultura e até do disparate surja representada nos espaços das câmaras de Lisboa e Porto, ocupadas por grotescas «instalações». O confronto com Matosinhos não poderia ser mais vivo.
Levada a cabo pela Associação de Galerias, e em especial por Faria Paulino (Altamira), Pedro Oliveira e António Bacalhau (Gal. Palmira Suzo), a feira foi acompanhada por um programa de debates que permitiu aos seus reduzidos assistentes acompanhar um leque ambicioso de temas, da apresentação pública dos programas de três centros de arte ibéricos (CCB, por Margarida Veiga; Serralves, por Vicente Todoli; Museu de Badajoz, por António Franco) às questões da fiscalidade e do mecenato, com a apresentação da lenta evolução espanhola para a legalização do mercado de arte, por parte de Enrique Abella Poblet.
Mas, para lá das gripes próprias da quadra, é curioso observar como o culto da confidencialidade continua a manter-se entre nós, enquanto, por exemplo, no último «Journal des Arts» (Dezembro) se dá conta das preocupações que justificaram a comparência reivindicativa, em Tours, França, de perto de 900 participantes no 1º Congresso Interprofissional da Arte Contemporânea.
A presença de Fernando Calhau num painel dedicado ao coleccionismo institucional permitiu (ao signatário) questionar a compatibilidade, ou não, das suas funções oficiais no Instituto de Arte Contemporânea com a responsabilidade pelo coleccionismo da Caixa Geral de Depósitos, instituição que tem o mérito de ser a única a tornar público o respectivo acervo, mas que o mantém a níveis de investimento pouco compatíveis com a sua dimensão financeira. Foi igualmente comentada a coincidência dos diversos coleccionismos públicos num mesmo segmento do mercado, geracional e de gosto, mais envolvidos com um entendimento restritivo do «apoio à criação» do que com a responsabilidade museográfica — a escassez das verbas, que deixa ao mercado privado as produções mais qualificadas, não será a razão principal.
Importância decisiva tiveram as intervenções do presidente da CCRN, Luis Braga da Cruz, e do sociólogo António Figueiredo (Faculdade de Economia do Porto), a propósito da relação entre cultura, artes plásticas e desenvolvimento regional, no confronto entre a Galiza e o Norte de Portugal. Ficou dito por Braga da Cruz que o MC é, de todos os sectores, «aquele que tem uma concepção mais centralizada e verticalizada da organização administrativa da intervenção do Estado».
O «apesar de tudo» inicial refere-se apenas às deficientes condições de promoção, bem como à desatenção da generalidade dos meios de comunicação. O público foi crescendo com o desenrolar do certame e certamente será maior em próximas edições. Tratou-se de uma primeira feira.
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