Robert Indiana e Vik Muniz, a mesma gente
Começamos a ser, em Lisboa, como Nova Iorque, Valência, Madrid, Bilbau e outras capitais (já sei que não...). Apareceram-nos umas toneladas de bronze pelas ruas ("Love & Numbers"). Não é da melhor arte, nem sequer da média, mas por que haveria de ser?
Também comecei por me irritar com as letras do Robert Indiana, mas passou-me depressa. O essencial é notar que isto (o panorama das artes) está a mudar, isto é, está a normalizar-se: manda quem pode e a gente depois premeia-os. Já não são os críticos encartados ou não, com a impunidade que eles próprios se atribuem, que decidem, mas sim os vereadores, e está bem assim. Até porque aquilo que os críticos-comissários-directores escolhem é igualmente mau (ou pior), embora passe por ser recomendável e poucos ousem pô-lo em questão - torna-se tudo muito mais confuso. Também os coleccionadores deveriam decidir pela sua cabeça - ler e ver muito, ouvir uns especialistas, mas decidirem pela sua cabeça (e pela sua carteira), mal ou bem, depois se verá.
Aliás, o que valem as legitimações, se compararmos a indigência caucionada dos retratos portugueses de Vik Muniz e a insignificância criticada do Indiana? Faltaram prefácios ao segundo? Porque há sempre um prefaciador disponível, ou vários, para patrocinar o que quer que seja.
Nunca achei que o "Love" histórico do Indiana fosse mais do que uma feliz coincidência, entre muitos outros casos de invenção gráfica dos anos 60, muitas vezes anónimos. O Indiana nunca foi um grande artista, não é de agora. E outros casos de publicitários e desenhadores comerciais bem sucedidos (mesmo o Warhol na generalidade da sua produção) nunca me entusiasmaram, ou deixaram há muito de me interessar. Também os escritos meta-artísticos de um Lawrence Weiner que por aí tem circulado são habilidades sustentadas à margem do que importa. Não é por ter uma máquina comercial bem oleada, por multiplicar em cartaz e em escultura pública uma fórmula que teve êxito, êxito fácil, que aquilo é mais desprezível.
No Verão, as ruas do Porto de Rui Rio estiveram cheias de cartazes do pior Dalí no Palácio do Freixo (um grande êxito de público, também para visitar a casa restaurada), de um espanhol de pouca monta no Soares dos Reis, na Reitoria e à volta, pelos Leões e o Piolho, com enormes monos escultóricos ao ar livre, e de um tal Dufrêne, cartazista, que Serralves nos servia como (anti)artista de nomeada. Estavam todos bem uns para os outros, e o que importava era, por um lado, entender a abertura de novos canais de circulação e de captação de públicos (a "animação" cultural da cidade, coisa de "engenharia social"), fora de um controle supostamente autorizado (a crítica, o museu que deixou de ser ou de querer parecer museu); por outro, reconhecer que a generalidade da arte que se faz e que circula por aí com muitas legitimações académicas é, de facto, quase sempre, má e muito má arte (ou ordinária, desinteressante, inútil). O que reintroduz a questão decisiva de como distinguir, como apreciar, como aprender a ver.
Antes do Indiana, estiveram por cá os gordos do Botero, trazidos pelo João Soares, e dois tiveram de cá ficar por exigências do contrato - lá se arranjou umas empresas camarárias para pagar a factura. Não fazem mal a ninguém e são mais resistentes à indiferença do que a generalidade da escultura pública, recomendada ou não. Depois, sem ordem nem exaustividade, vieram o Folon, desenhador belga promovido a escultor, e um caso mais erudito, o jugoslavo depois croata Dusan Dzamonja, e não sei se mais.
São coisas que acontecem por todo o lado, geralmente sem uma qualidade por aí além: eu preferia Anthony Caro, Chillida, Mark di Suvero, mas esses (que também desagradariam aos supostos especialistas, por opostas razões) não estariam facilmente disponíveis, que este é um jogo da segunda e terceira divisão.
Não vem daqui mal ao mundo, se houver, noutros lugares, coisas importantes para ver, e para aprender. O pior é que agora esvaziam os museus do que lá deveria estar - e isso motiva poucos protestos. O pior é que as exposições de "arte credenciada" são, talvez mais entre nós de que noutras cidades (onde a irresponsabilidade é mais duramente escrutinada), igualmente muito pouco interessantes. O pior é que os críticos e directores andaram muito tempo a sustentar a indiferenciação da qualidade e da importância dos objectos, ao mesmo tempo que as doutrinas modernistas dissociavam a arte dos especialistas e as artes de massas. Têm tido grande êxito alguns esforços para as reunificar: na via da pop de Warhol e Indiana, esse é agora o papel histórico dos diamantes de Jeff Koons e Damien Hirst.
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