1 - (Des)fazar a feira
África e Brasil são os pólos propostos para reanimar a Arte Lisboa
EXPRESSO/Actual 20-11-2004
Resistirá a feira de arte de Lisboa à incompetência da AIP-FIL? A sua direcção fecha-se sobre si mesma, não dialoga com as galerias nem com os parceiros da cidade e do sector, não sabe promover a Arte Lisboa como um acontecimento marcante do calendário artístico, beneficiando da grande visibilidade mediática e dos êxitos de público que têm tido algumas recentes iniciativas institucionais. Há razões para evitar cair sob a alçada dos «suspeitos do costume», mas não se vende arte da mesma maneira que se publicitam materiais de construção ou electrodomésticos.
A participação espanhola (12 galerias, num total de 51) dá-lhe uma aparência cosmopolita, mas a verdade é que os nomes sonantes do mercado já não regressam a Lisboa. Tal como desistiram as galerias de Praga, de Paris, da Bélgica ou da Alemanha, que vieram uma vez à experiência. Em 2000, o Brasil já foi país convidado - quem se lembra ainda? Mais do que as limitações do mercado interno, que são reais, é a ausência de imaginação e de iniciativa que tem condenado a feira da FIL ao marasmo.
Entretanto, numa edição em que as galerias estiveram à beira de boicotar a sua participação, a FIL ensaia o projecto de afirmar a Arte Lisboa como plataforma de contactos com a arte oriunda dos países africanos lusófonos e do Brasil, contando para isso com a experiência de António Pinto Ribeiro, ex-director da Culturgest.
Duas galerias de Moçambique (Muvart e AMF - Associação Moçambicana de Fotografia), quatro do Brasil (Laura Marsiaj, Mercedes Viegas, Thomas Cohn, Celma Albuquerque) e outras presenças africanas nas galerias Novo Século e Perve irão trazer um novo fôlego ao certame? Os colóquios anunciados para hoje e amanhã («Crítica de arte e mercado» e «Colecções e coleccionadores», sempre às 15h) e os filmes de arte que se exibem a partir das 17h darão uma nova dinâmica à feira? As expectativas são poucas, mas importa ir lá ver.
Atenção às iniciativas paralelas, que vêm confirmar, à revelia da FIL, o dinamismo do mercado de arte: o «Salon d’un Refusé» apresentado pela Galeria João Esteves de Oliveira (Rua Ivens, 38 - hoje, 11h-19h30; domingo e segunda, 15h-19h30) e os novos espaços inaugurados por Vítor Pinto da Fonseca.
Expresso/Actual de 27-11-2004
2 - Nas curvas do mercado
A feira de Lisboa volta a repensar a sua estratégia
Resposta à pergunta que abria o artigo sobre a Arte Lisboa no passado sábado: não, a feira não resistiu à incompetência da AIP-FIL. Está agora em causa, como já sucedeu no passado, a ambição internacional e até a sobrevivência. De Espanha, de onde já quase só vieram galerias excluídas da Arco, quem se arriscará a voltar, se não chegam compradores espanhóis e as vendas não pagam a deslocação? Do Brasil e da África lusófona, sem outras plataformas que assegurem uma circulação cultural continuada e uma cooperação efectiva, quem poderá acreditar que esta seja uma porta para a Europa?
O chamado grande público só se desloca quando os acontecimentos são mediáticos - a feira foi um evento clandestino, porque a AIP não a soube organizar e promover (podem dar-se pormenores, se necessário). O número de visitantes, estagnado ao longo das quatro edições da sua responsabilidade, diminuiu. Aliás, apesar do êxito de certas exposições muito mediatizadas e de qualidade segura, o público interessado em arte tem vindo a reduzir-se ao longo dos anos, em grande parte devido a uma gestão dos espaços institucionais em circuito fechado, cujo alcance (privado) ele não pode entender e que legitimamente só lhe merece desconfiança. Há, em geral, mais equipamentos culturais e menos cultura.
A crise económica à espera da retoma e a recessão do mercado de arte (que também se verifica no resto do mundo, apesar de alguns recordes no topo da pirâmide) explicam parte do insucesso de muitas galerias presentes, mas outros factores menos aleatórios são mais determinantes. O pequeno e médio mercado alimentado por amadores de arte e coleccionadores eventuais foi sendo sacrificado, pelas próprias galerias, à estratégia de um também escasso mercado institucional, mecenático e profissionalizado a actuar conjugadamente numa lógica de rotação de valores (ou interesses) que despreza qualquer credibilização de processos e critérios, e que, naturalmente, não precisa da feira para nada. Sem museus sérios e um trânsito regular de exposições que sedimentem uma bagagem cultural exigente, a arte torna-se um produto dispensável.
Já mudaram, entretanto, os responsáveis pela feira, que de imediato abriram conversações com a Associação de Galerias. Vão agora confrontar-se duas possibilidades de evolução.
Alguns defenderão uma feira muito selectiva sustentada em apoios públicos e políticos, de preferência com um director estrangeiro, para virar a página. Reduzir-se-ia a uma dúzia de galerias nacionais ditas de ponta, mais dez espanholas com notoriedade e outras tantas algo mais internacionais, todas estas convidadas com garantias de êxito (compras prometidas) na companhia de um vistoso cortejo de coleccionadores e «especialistas» a quem se pagariam estadias, colóquios e divertimentos. É o modelo de algumas periferias espanholas que adaptam à sua escala a estratégia governamental para o êxito da Arco (a sua contribuição para o reforço da centralidade e a afirmação internacional de Madrid é inquestionável, mas a arte espanhola não está de boa saúde). Sairá caro e servirá a muito poucos.
Outros aceitarão a perda da componente internacional da feira em nome da estreiteza do mercado interno e vão apoiar uma maior liberalidade na admissão das galerias. Quererão um certame de figurino menos elitista, capaz de seduzir um público potencialmente comprador que se foi crescentemente intimidando perante uma oferta que não lhe interessa nem se faz respeitar. Nesta alternativa, as tais dez galerias de «ponta» abandonarão a feira ao destino nacional e mais transparentemente mercantil - mas far-se-ão pagar pelos responsáveis ditos culturais para «nos» representarem nos grandes centros.
Não haverá caminhos intermédios se os interessados não debaterem o curso dos acontecimentos e os problemas de fundo que lhe estão associados.
E, no entanto, algumas poucas galerias atingiram vendas muito satisfatórias e asseguraram a visibilidade de momentos criativos prometedores - por exemplo, de Ricardo Valentim (Gal. Pedro Cera), Rui Ferreira (Módulo), Inês Botelho (Gal. Filomena Soares), Joana Pimentel (Gal. Pedro Oliveira). E Thomas Cohn e Laura Marsiaj trouxeram do Brasil representações apreciáveis que gostaríamos de poder seguir.
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