1 - A arte na feira
Mais uma edição da Arte Lisboa
Expresso/Actual de 15-11-2003
(Foto: FIL, 2002: o mercado resistiu ao pessimismo)
As galerias voltam à feira. Por cinco dias, os itinerários pela cidade e os que se dividem entre Lisboa e Porto (com raras excepções periféricas, a Braga, a Ponta Delgada) concentram-se no espaço único da FIL e o ritmo lento das individuais dá lugar à apresentação conjunta dos seus vários artistas. É uma síntese do país galerístico, um panorama selectivo das galerias mais destacadas e dos artistas mais afirmativos, uma oportunidade única para surpreender transferências de artistas, o aparecimento de novas galerias (em estreia, este ano, a Lisboa 20 e a Sala Maior, do Porto), de novos autores e de obras inéditas, reservadas para a ocasião.
A presença de 19 galerias estrangeiras (16 serão espanholas) acrescenta-lhe uma aparência cosmopolita. Não é a internacionalização da feira, porque o mercado interno não tem sustentado a presença das galerias de maior relevo que tentaram a viagem a Lisboa (nem os organizadores apostam em subverter a realidade do mercado com uma política artificiosa de prémios de comparência), mas um convívio peninsular, que se alarga de Madrid a Vigo, Sevilha, Cáceres, Oviedo, Santander, etc. De mais longe chegam este ano uma galeria italiana de Pescaro (Rizziero Arte), uma alemã de Stuttgart (Walter Bishoff) e outra de Berlim-Madrid (Vostell).
No total serão 48 pavilhões, mantendo-se as opções de restringir a admissão segundo critérios de qualidade mais ou menos inteligíveis e de assegurar uma quota visível para as candidaturas de fora.
Há um ano, já numa conjuntura de crise, a feira contrariou o pessimismo, e as vendas satisfizeram grande parte das galerias portuguesas e as espanholas com preços e gostos mais acessíveis. Falhou, contudo, o projecto de alargar o público (cerca de 15 mil visitantes) para fora do círculo dos frequentadores habituais de galerias, projectando a feira como um acontecimento no calendário cultural da cidade. As mesmas deficiências de promoção e informação antecedem a edição deste ano, sem que a FIL entenda que a gestão de uma feira de arte requer competências diferentes das dos outros certames. Importa ganhar novos públicos e romper o fechamento entre iniciados. A Arte Lisboa seria uma boa oportunidade.
2 - Uma feira depressiva
A crise económica não é a única responsável pelos problemas da Arte Lisboa
29-11-2003
Os múltiplos agentes com intervenção na feira de arte de Lisboa pareceram ter interiorizado o cenário da crise e o resultado só poderia ter sido globalmente depressivo. A promoção do certame como uma data do ano cultural não existiu, por inoperância dos seus responsáveis, e o uso de uma casca de banana como imagem publicitária só poderia significar que o comércio da arte é um terreno escorregadio. A feira abriu sem ser inaugurada, já com alguns coleccionadores compulsivos em acção, mas sem que esse fosse um momento de concentração de presenças oficiais, figuras públicas, profissionais e curiosos e, neste caso, de artistas também, o que, aprecie-se ou não esse tipo de eventos sociais, seria indispensável para que de um acontecimento se pudesse falar (a discreta visita do ministro da Cultura foi anunciada como uma inauguração oficial, mas decorreu já na tarde de domingo). O número dos visitantes desceu dos anteriores 15 mil.
As galerias optaram, em muitos casos, por uma oferta defensiva, sustentada em pequenos formatos e suportes mais económicos ou no mais acessível mercado dos jovens artistas, ao qual corresponderá um estrangulamento autofágico do panorama artístico. E talvez também para os próprios artistas a sensibilidade ao recuo do mercado de arte não tenha favorecido, este ano, a originalidade e a qualidade da oferta. Idênticas obras ocupavam, por vezes, as mesmas paredes de há um ano. Noutros casos, os nomes internacionais tidos por seguros não são os mais credíveis. As vendas foram inferiores a 2002, situando-se - com algumas excepções - em valores que um galerista definia como de gama média baixa.
O espaço da FIL é excelente, a montagem dos pavilhões é ampla e cuidada, a oferta é «seleccionada», mas a feira, na sua desejada vocação internacional, não tem o futuro assegurado. Quem compra «estrangeiro» prefere, com toda a razão, fazê-lo lá fora, com uma escolha mais ampla. As galerias que vêm de outros países raramente repetem a experiência (além de meia dúzia de espanholas periféricas, em especial, quando trabalham com dois ou três artistas portugueses). Entretanto, para manter uma relação estatisticamente aceitável entre galerias nacionais e de fora (28-18, este ano), o leque das presenças portuguesas restringe-se com um notório imobilismo.
Se não se pode fazer mudar a conjuntura económica, os vários intervenientes concordam que a dinâmica da feira tem de ser relançada. Não se tratando de uma feira política como a Arco de Madrid, a solução não virá dos subsídios públicos (que têm outros destinos necessários), mas a conjunção com outros segmentos institucionais - a cidade, o turismo, as empresas - pode ser melhor explorada. Sem se ignorar que para lá da arte-investimento e do coleccionismo institucional há um relacionamento com o público anónimo que tem de recuperar credibilidade e confiança.
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