A feira Arte Lisboa no Expresso em 2006, nas vésperas da edição de 2007. Seguir-se-á a reedição das notícias, reportagens e comentários sobre os anos anteriores.
1.
Arte do mercado
A edição de 2006 da feira Arte Lisboa é inaugurada na quarta-feira, a
desafiar a crise com a participação de mais galerias e com um programa
mais bem organizado
Expresso Actual de 04-11-2006
Nuno Viegas, «A Adoração do Homem-tinta» (Arte Periférica)
Quantos se aventuram a passar a porta de uma galeria ou, pior, a tocar
à campainha e a esperar que venham abrir? O tempo das exposições no
fundo de livrarias vai longe - acontecia nos anos 60/70, com a Diário
de Notícias, a Divulgação, Buchholz, 111, Quadrante e Opinião, mas então a
pequenez do mercado relegava os artistas para o amadorismo ou a
emigração. Não são muitos (talvez sejam agora menos) os que fazem o circuito
urbano das galerias, mesmo com inaugurações simultâneas. A feira
tornou-se uma ocasião ímpar para em escassos seis dias se ampliar o
número anual dos interessados ou curiosos, estabelecendo malhas que
cruzam públicos. Com um mercado
globalizado, mas sem perder as referências locais e nacionais
(elas continuam a ser determinantes em Londres ou Nova Iorque), as feiras
são também elos duma rede mundial, a que se acede com relações e
talento ou escoando excedentes das capitais. (revisto)
Ângelo Encarnação, sem título (Artfit)
Os tempos de crise não parecem favoráveis, mas a austeridade é diversamente partilhada e os mais abonados gostam agora de se apresentar como coleccionadores de arte contemporânea, seguindo exemplos de empresários e ministros. Já foi uma palavra que se evitava, separando coleccionadores que faziam investimentos e amadores verdadeiros, mas os tempos mudaram. O exemplo das colecções institucionais e de empresa, ou as particulares que se expõem logo que começam, bem como as de fundos de investimentos e coleccionadores profissionais, têm alterado a relação com a arte, associando-a mais com o lucro, o luxo e as modas do que com o gosto pessoal. Alguns retiram-se dum mundo que não compreendem ou não aceitam, mas está sempre mais gente a começar a comprar.
Também há sempre novas galerias a surgir, num mercado de rotações rápidas e onde os artistas são descartáveis se não passam depressa de emergentes a consagrados (?) - as escolas produzem todos os anos inúmeras «revelações», com a vantagem de terem preços baixos.
As novas galerias da Arte Lisboa 2006 são a Antiks Design, peso pesado do segundo mercado, que trará os seus históricos mais recentes, e a Art Lounge, com serviços de novo tipo («art renting»); do Porto vêm a MCO e a Plumba, e de Coimbra a Sete, todas interessadas em jovens artistas; e ainda a Sacramento, de Aveiro.
Se às seis se somarem as oito estreias de 2005 (em especial, Baginsky, J. Esteves Oliveira, Vera Cortês, 24b e VPF Cream Art), vê-se a mobilidade do mercado em tempo de crise.
Note-se, também, a recente extensão a Lisboa das galerias Fernando Santos, Graça Brandão, Presença e Quadrado Azul, para acompanhar as centralidades institucionais - percebe-se que o efeito Serralves não se repercute no mercado e há até gestos hostis como a abertura dos «Anos 80», com programa de visitas de artistas internacionais e colóquios, em coincidência com a feira.
Após algumas convulsões que passaram pelo risco de cisão na feira e uma oferta de compra por parte de um coleccionador, chegou-se a um consenso alargado quanto à abrangência da selecção das 64 galerias presentes, por uma comissão consultiva que incluiu os principais «separatistas». No total são 45 portuguesas e 19 estrangeiras, com um contingente de 13 espanholas.
Às representações singulares do México, Cuba e Hungria, junta-se a estreia da alemã Renate Schröder, de Mönchengladbach, e o regresso de duas brasileiras que já tiveram presenças notadas (Bolsa de Arte e Celma Albuquerque).
Com uma direcção mais enérgica, a feira aperfeiçoou a promoção, alargou o ciclo de debates (sete, dias 9-11) organizado pela Artecapital.com e consolidou um Clube de Coleccionadores que vai aplicar um total de cem mil euros (30 mil da sociedade de advogados PMLJ; 20 mil da Câmara de Lisboa, AIP e Liberty Seguros; 10 mil da ANA Aeroportos). Um programa para coleccionadores convidados, alguns estrangeiros, propõe visitas culturais (BES, Ellipse, PMLJ, CAM, Culturgest e Museu Berardo de Sintra), várias galerias de Lisboa vão promover eventos paralelos e espera-se que o acréscimo de público em 2005 (mais 42%) permita agora passar a meta dos 20 mil visitantes. A animação à volta da feira começa hoje com as inaugurações simultâneas das galerias de Lisboa e Porto.
outras fotos
José Maria Gusmão/Pedro Paiva, «A Mola Paleolítica», fotografia (Gal. Graça Brandão)
Daniel Malhão, «Campo Electromagnético - Alta Frequência», fotografia (Agência Vera Cortês)
João Leonardo, «Funeral», vídeo (111)
Cho Eun Hee, «Oceano» (Gal. Jorge Shirley)
Augusto Alves da Silva, fotografia sem título da série «Die Schönste Fahne der Welt» (Gal. Pedro Oliveira)
Franz West, «Lemur» (Gal. Mário Sequeira)
3
Primeiro plano
"As artes no labirinto da feira"
Expresso / Actual de 11-11-2006
Uma vez por ano, a Arte Lisboa é o palco onde se juntam as galerias que, em geral, raramente temos oportunidade ou disposição para visitar ao longo de todos os outros fins-de-semana, e mesmo as de que desconhecíamos a existência. Concentram-se na capital as que se dispersam por outros centros e periferias, e chegam de fora, à experiência, algumas vindas de perto ou mais de longe, de Espanha ou, este ano, do México e do Brasil. Talvez não voltem, que os orçamentos são pequenos, mas as que persistem fazem sempre falta para assegurar a vocação internacional do projecto.
A feira tem sobrevivido aos anos de crise (são todos?), tem apurado as condições de espaço e de montagem, tem inventado programas complementares para crianças e para coleccionadores especializados, atraídos como convidados VIP, e tem mantido um figurino democrático em que convivem os vários segmentos do mercado e as várias hierarquias possíveis de notoriedade, sem deixar de ser adequadamente exigente nas condições de admissão.
De facto, o mercado é só um e tanto serve os museus como os espaços domésticos, às vezes só com diferenças de dimensão das obras para ocuparem muito espaço disponível ou, pelo contrário, caberem nos quartos em que vivemos. E uma vez por ano percebe-se que os artistas vivem do que fazem, como qualquer outro trabalhador, e que o público, nós todos, temos a possibilidade de escolher (ou só de apreciar), no labirinto ordenado que é a feira, aquilo que mais nos seduz. A oferta é variada, mais anedótica ou discreta, com nomes firmados e muitos jovens sempre emergentes. Até à noite de segunda-feira, na FIL.
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