"O relevo das políticas públicas da Cultura é de indesmentível menoridade no quadro do actual governo – com todas as consequências que se verificam na gestão corrente e, mais grave ainda, nas que a prazo serão decorrentes de uma situação de maioria absoluta que garante um governo de legislatura" - escreve Augusto M. Seabra em "ICONOLOGIA OFICIAL" na sua segunda coluna mensal de opinião no site artecapital.net "O estado da arte".
Discordo absolutamente. À Cultura cabe neste governo uma atenção maior, ou pelo menos dupla. De facto, nenhuma outra área aparece tutelada por dois ministros dois - a ministra oficial e o ministro da Cultura bis, ou BES, o qual nos serve a arte que aprecia a partir de um outro ministério mais central, o da Economia "e Inovação", justificando os seus gostos com um braço ministerial que trata do turismo e nos faz lembrar o antigo SNI. Sem contar com um assessor que é um dos poucos ou mesmo o único de que se conhece o nome por acumular a assessoria em São Bento com o aconselhamento das compras de objectos de arte do elíptico banqueiro de Alcoitão e mais alguns miúdos comissariados cosmopolitas.
As políticas públicas de Cultura estarão bem servidas por este triângulo irregular, e quanto às políticas privadas não temos nada que ser curiosos. Mas outros pontos do comentário de AMS merecem a maior atenção.
O Augusto M. Seabra chocou-se com a operação Vik Muniz que se exibe na Central Tejo e que já merecera a justa atenção crítica de Luisa Soares de Oliveira, no Público, num leitura desassombrada que é raríssima em matéria de cultura e/ou arte - zona de silêncios, promoções e temores
De facto, raramente se viu uma tão ostentosa produção de tão nulos resultados estéticos, ou uma tão chocante relação custo-benefício, já que é a economia que está em questão. Mas convém chamar os envolvidos pelos nomes e lembrar, além do suposto artista famoso, os muitos prefaciadores que se esmeraram para conseguir ensanduichar as dez pedestres imagens (6 retratos e 4 "vistas" desenhadas em terra portuguesa) entre as páginas necessárias à encadernação - fabricar uma lombada tem que se lhe diga. São eles, do fim para o princípio, Delfim Sardo, por sinal o coveiro dos últimos Encontros de Coimbra em 2000 (os de "Mnemosyne"), Shelley Rice, Filipa Oliveira, Clara Ferreira Alves, Régis Durand, o produtor Albano Silva Pereira, do Centro de Artes Visuais, António Mexia (EDP) e Ricardo Espírito Santo (BES).
Nunca tanto se prefaciou, contando apresentações e "ensaios", para esforçadamente caberem dez cromos entre capas duras, num grande formato incómodo de 39 x 32 cm. Contando com o pagamento das provas enviadas contra-reembolso, mais mupis e jantares no Gambrinus, tudo incluído, ter-se-á gasto no evento a módica quantia de 650 mil euros (ao que consta).
Já aqui se tinham comparado estes luxos com, por exemplo, a verba anual paga à Fundação Vieira da Silva (ordenados, luz e limpezas) que se fica pelos 416 mil euros (para os doze meses do ano), e uma exposição com a dimensão e a importância excepcional de "Um Teatro sem Teatro" pouco terá ultrapassado os 400 mil. Não colhe dizer que foi ao mecenato empresarial que se recorreu, porque para tanto foi necessário o telefonema do ministro ou de alguém por ele para que a EDP e o BES alinhassem no desaforo, desviando verbas de outros destinos. O mesmo que sucedeu em maior escala ainda pelas bandas da Ajuda para a ministra conviver com as mobílias douradas de ex-Leninegrado.
O mesmo AMS lembra a operação Candida Hoffer, que já não tivera "inovação" nenhuma mas cumpria neo-objectivamente o seu papel, e também a primeira iniciativa de uma insólita exposição de fotografia nas instalações do já referido ministério. Não me desagrada por si mesmo o facto de se produzir arte oficial, categoria que preencherá mais de 90 (?) por cento das história geral das artes (passando por Bach e Velazquez...), o que pelo contrário coloca sob suspeita a vontade de autonomia que em geral acompanha o desejo do reconhecimento oficial. Não é por serem oficiais que os cromos do Vic Muniz são criticáveis, mas sim por serem obras desinteressantes ou nulas.
Também não me interessa discutir as compras para a colecção de fotografias do BES ou os prémios BES de fotografia, cujas vicissitudes são públicas. Já mais preocupante foi o processo oculto do programa "Allgarve", durante o passado Verão, no qual a oferta turístico-cultural desejada e paga pelo mesmo ministério milionário, supostamente de uma ambição cosmopolita, se sobrepôs a programações ancoradas nos lugares e inseridas em dinâmicas próprias. Tratava-se em geral de oferecer ao turista internacional como atracção o mesmo que por todo o lado ele encontra. E aí esteve em acção o mesmo CAV, com as suas tão choradas (ou chorudas?) faltas de meios próprios, e o prestável dinamismo triunfante de Serralves, com as suas colecções prontas-a-servir - parceiros de uma mesma operação em que fazem de rolo compressor das realidades locais e ao mesmo tempo concorrentes desiguais na gestão de equipamentos artísticos de Coimbra. As línguas vão-se desatando e Raquel Henriques da Silva criticava há dias num colóquio da Arte Lisboa a voragem com que Serralves ocupa terreno alheio e engole agentes regionais.
O próximo Allgarve está a entrar em preparação e os gostos do ministro da Cultura bis, ou BES, têm de ser escrutinados.
NOTA (em tempo): O ministro Manuel Pinho é um apreciador de fotrografia, interessado na dinamização do coleccionismo e da divulgação da fotografia em Portugal. É pena que não tenha sido melhor aconselhado quanto a alguns projectos fotográficos que tem promovido ou patrocinado.
Nulo e desinteressante foi esse comentário.
Posted by: Guylherme Alves | 12/04/2007 at 15:36