«No mercado da arte»
EXPRESSO/Cartaz de 08-11-1997 (Actual, pág. 6)
A Feira de Arte Contemporânea na FIL: o retrato fiel de um universo em mudança
Em Espanha, a feira de galerias (Arco) é precedida e acompanhada por uma mobilização geral da imprensa, que se multiplica em suplementos, inquéritos e reportagens diárias, fazendo do estado da arte uma bandeira da afirmação nacional e da centralidade madrilena. Anuncia-se a feira a tempo e horas, divulga-se o programa, promove-se o acontecimento. Por cá, estas coisas emergem sempre de uma envergonhada clandestinidade, como se fosse todos os anos a primeira vez, desbaratando energias e afastando o público. Todos os esforços prévios para dispor de informação sobre a Feira de Arte Contemporânea (FAC) esbarraram com a ausência de resposta adequada.
E, no entanto, as galerias aparecem em maior número que nas edições anteriores e oferecem um amplo panorama da criação artística nacional que é um retrato fiel do seu mercado e que merece visita. Ocupando toda a primeira nave da FIL, a feira de arte dispõe de uma montagem digna e arejada, constituindo-se como o único sector efectivamente representado numa Feira Internacional das Indústrias da Cultura que ainda não conseguiu dar consistência ao seu ambicioso mas muito problemático título.
São 36 as galerias presentes e eram 27 em 1995, o que indicia um crescimento do sector e resulta também de uma estratégia menos selectiva quanto ao que se pode ou deve entender por galeria de arte e por arte contemporânea. A feira é por isso mais diversificada na sua composição geral — mais irregular ou menos elitista, se se quiser — , alargando o leque de uma oferta que vai dos nomes mais consagrados até às franjas de um mercado sem pergaminhos culturais. Algumas ausências lisboetas (a Módulo, a galeria Luis Serpa) traduzem a recusa a esse modelo inteiramente abrangente, mas o certo é que as galerias de primeira linha do Porto não deixaram de comparecer.
É um universo em mudança que está presente na FIL, um mundo onde se dissolveram as fronteiras antes estabelecidas entre as galerias que ostentam projectos «de ponta» ou representam hierarquias de valores definidas pelas consagrações institucionais e as outras que não vão às feiras internacionais e expõem artistas menos valorizados pela crítica dominante. Na realidade, o sector tem conhecido rápidas alterações da sua composição, com o encerramento de galerias que tiveram ambições de internacionalização e o crescimento de outras que nasceram em espaços periféricos ou centros comerciais mas se impuseram pela seriedade do seu trabalho, com a dissolução de laços tradicionais de exclusividade dos artistas e com a proliferação de novas «lojas» que benificiam da indefinição dos níveis de circulação.
Ao lado de galerias como a 111 e a Pedro Oliveira, Fernando Santos, Monumental ou Quadrado Azul, aparecem agora muitas outras com nomes exóticos como Arte & Mar, Arte em Voga, Artela, Paleta, Inter-Atrium ou Nova Imagem, e chegam também, da «província», outras galerias desconhecidas que se chamam, por exemplo, Cógito e Inquisição, ambas de Setúbal, ou Santa Joana, de Aveiro. A oferta não é de menor importância — é mais inesperada e mais diversificada, convidando a descobrir itinerários menos apadrinhados.
Este novo panorama, que a presente feira apenas vem tornar mais visível, não resulta de uma eventual crise do mercado — que os galeristas desmentem e seria contraditória com o aparecimento recente de tantas galerias. É mais provável que a nova configuração do sector galerístico resulte, em grande parte, de uma momentânea separação entre as práticas artísticas de vocação e protecção institucional, apoiadas por encomendas públicas e exposições oficiais, e, por outro lado, as produções mais orientadas para o mercado privado. Mais do que crise de mercado ou da criatividade artística, existirá antes uma crise de legitimidade dos critérios estéticos e opções críticas e também uma uma crise de modelos culturais, em consequência de políticas públicas fechadas sobre si mesmo e dedicadas à promoção de um restrito número de artistas.
A feira é um espaço de reencontros, de descobertas e em muitos casos de reavaliações. Na memória de uma primeira visita ficaram duas telas muito recentes de Batarda na 111, uma escultura desenhada de Carlos Cobra na Ygrego, um raro Alvarez de 1934 na Artela, uma pintura de Sá Nogueira datada de 1969 na Dário Ramos. Outros destaques, igualmente pessoais, Ara (Emerenciano, David de Almeida e Francisco Ariztia), a Arte Periférica (Fátima Mendonça, Rui Serra e Vanda Vilela), a Diferença (Ana Leonor e André Gomes), a Edicarte (na abertura com Manuel Vieira e Pedro Portugal), a Gilde (com rocha da Silva e João Motta), Mário Sequeira (com Frank Auerbach, Lucio Muñoz, Arroyo e Kitaj), a Monumental (com Mimi, Margarida Lagarto e Maria Ribeiro Telles), Por Amor à Arte (com Augusto Canedo e Pedro Oliver), a São Bento (José de Carvalho, 84). A 1991 dedica-se a estrangeiros de circulação recente. Pedro Oliveira, Fernando Santos, Canvas & Companhia, Presença, Quadrado Azul confirmam a importância da sua actividade.
A não perder, no espaço da Feira Internacional das Indústrias da Cultura, o stand do Instituto do Emprego e da Formação Profissional, dedicado às circulações entre artesanato e arte “erudita” (“O culto, a festa e o quotidiano – figuras e figurados”). Passam por aí algumas questões decisivas do presemte.
devo acrescentar que um dos problemas da fac começa com a forma perversa com que são selecionadas as galerias a estarem representadas.Como é possivel que a escolha seja feita não por uma comissão isenta, mas sim por uma comissão constituida por galeristas?
Posted by: pedro zamith | 10/31/2007 at 10:50