Nuno Viegas, Pintura, Arte Periférica, de 3 a 29 Nov. SÓ ATÉ 29/5ª E A NÃO PERDER
"A birra do homem bomba", 2007, 220 x 180 cm
É
desde há cerca de uma década um dos mais interessantes jovens pintores,
e como tal se confirma nesta quinta mostra individual, como sucedeu nas quatro anteriores (Gal. Arte Periférica e Centro Cultural de Cascais) e nas presenças
anuais na feira de Lisboa e até 2005 na de Madrid. Uma carreira
imediatamente correspondida como êxito de vendas e a correspondente
reserva (distância, alheamento) dos agentes institucionais, que preferem o que tutelam e só
administram pequenas coisas.
Nuno Viegas é perturbador (ou incómodo) nos riscos que
enfrenta, na enorme ambição dos seus trabalhos (mesmo quando essa mesma grande ambição adia necessariamente para mais tarde a solução possível das dificuldades a que arremete), com a sua figuração atenta às narrativas ou aos desafios do quotidiano, entre a observação e a sua ficcionação, feita de matérias picturais com vida própria, oferecidas aos acidentes
ou acasos de lavagens, escorrências, acumulações. Uma exposições com
surpresas, portanto. Com excessos e desafios que valem a pena. Certamente num momento de viragem, numa primeira mostra sem título.
Aparentemente, a ausência de um título corresponde a um recentramento destes quadros sobre quem os pinta, como se revelou mais sem reservas na obra que N.V. concluiu a tempo da Arte-Lisboa, uma obra particularmente importante, evidente auto-retrato do artista embora sem a retórica do género. As exposições e as séries anteriores pareceram centrar-se primeiro sobre os processos de trabalho e sobre a análise que o próprio artista faz àcerca da sua pintura - as questões estarão agora a mudar, ou à procura de um novo sentido.
Primeiro, tratou-se de observação e testemunho do mundo, fortemente caricatural ou mediado pela ficção, mas em especial testemunho da acção de pintar ("mas, sendo testemunhos, as pinturas não podem constituir documentos, (...)" - "testemunham a acção do pintor, como um sismógrafo anuncia um tremor de terra" - escreveu o artista na exp. "Captura").
Em "Lava" é a própria matéria da pintura que explicitamente se refere, "potencial de transformação... que gera e regenera a imagem, (...) trazendo-a para um estado de permanente iminência, que não permita que a ideia se consolide ou se mantenha na aparência e que a forma se feche ou acabe".
O grande cacto, 2007, 220 x 180 cm
A acção do pintor (captura), a matéria da pintura (lava); a seguir, a reflexão sobre o sentido, o destino, a função da pintura em "A tinta envenenada", deixando as exp. de galeria para um espaço de certo modo já institucional, mas periférico em relação à norma oficial : era a declaração calculada de um problemático diálogo com os outros e um momento de auto-interrogação. O título era o de um quadro que se desdobrava num auto-retrato do artista diante de um quadro seu - adiante também exposto e reproduzido - não por acaso, a cena de um desastre de automóvel.
Diante da cena pintada, o pintor envenena-se com a lata de tinta que bebe (e podia ver-se aí a estrutura móvel que lhe permite pintar horizontalmente, no chão, as suas telas, deixando actuarem entre si as matérias usadas - pastas de esmaltes, colas, vernizes, etc). A figuração tornava-se mais explícita, mais próxima de um quotidiano que era antes invadido pelo fantástico ou a fantasia. O desenho, a narração gráfica a preto e branco, mais imediata e sintética tinha então uma presença mais forte (ou voltava a ter, lembrando uma das duas partes de "Lava"): inventário aleatório de misérias do mundo, colecção de "disparates", juntando um humor mais ou menos ácido ao gosto/talendo do retrato.
"A Ascensão do Homem Comum", 2007, 220 x 180 cm (com memórias do Greco?)
Com a actual exposição sem título NV parece querer enfrentar a questão de uma possível dispersão de temas ou conteúdos que se vinha notando, e que ameaçava fazer de cada exposição uma soma de experiências, uma junção fortuita de observações, um leque de possibilidades mais esboçado que trabalhado. Qualquer pintor figurativo sério, que não faça apenas adaptações de processos em voga, enfrenta a questão decisiva: o que pintar, para além da questão do como pintar. Para além das fixações em géneros predefinidos como a natureza morta ou a paisagem, com a sua radical diversidade possível, a constituição de séries temáticas e a explícita referência literária, mais ou menos ilustrativa, são hipóteses de estruturar uma sequência de trabalho, nas condições actuais em que a encomenda é muito rara. O apego de NV ao real é demasiado grande para que os seus acidentes do quotidiano, com alcance crítico-social em muitos casos, evoluam numa direcção fantasista. A concentração sobre núcleos definidos pode ser uma fase necessária de evolução.
Nesta último exposição, as pinturas sobre papel de cunho abstracto (com ou sem títulos referenciais), as pinturas sem figura humana e depois as complexas situações narrativas onde o próprio artista aparece implicado não se avaliam já como efeito de dispersão. Sem uma clara aparência diarística ou confessional, parecem envolver o pintor de um modo mais pessoal, para além da experimentação de modos de fazer e de um exercício de observação do mundo que correria o risco de uma certa proximidade à ilustração ou ao cartoon. Assumir a reflexão sobre a ficção em si mesma, passar de uma ficcionação pontual à construção de um argumento, intensificar um imaginário pessoal, podem ser passos seguintes necessários, num caminho que precisa da disciplina de um programa, de um sentido.
Outras imagens a ver aqui
já vi e gostei.
Posted by: Luisa | 11/26/2007 at 12:58