Expresso/Actual de 20-01-2006
De longe e de perto
Fotógrafos estrangeiros em Portugal e portugueses do pós-guerra. Colecções CGD e Fundação PLMJ
«Olhares Estrangeiros», Chiado 8 Fidelidade-Mundial
"Em Foco", Fundação PLMJ/Assírio & Alvim
A história da colecção da CGD de fotografias realizadas por
estrangeiros em Portugal já foi contada várias vezes.
Abreviadamente,
recorde-se que esse foi um dos tópicos seguidos, em 1989, por Jorge
Calado ao criar a Colecção Nacional de Fotografia para a antiga SEC, a
qual a expôs no ano seguinte («1839- 1989 - Um Ano Depois») e logo a
esqueceu, sendo mais tarde integrada no Centro Português de Fotografia
(CPF). Quando, por ocasião da Europália’91, se apresentou na Bélgica,
pela primeira vez, um panorama da fotografia em Portugal, sob o
comissariado geral de António Sena, esse núcleo da colecção pública
teve de ser alargado com 26 imagens adquiridas pela CGD. Já em 2005,
quando a Gulbenkian quis exibir em Paris apenas essas fotografias
pertencentes à Caixa («Dedans-Dehors - Le Portugal em Photographies»),
foi outra vez necessário reforçar o acervo, para além de se incluírem
algumas imagens de «estrangeirados» que faziam parte da sua colecção de
arte contemporânea (Castello-Lopes, Nozolino, José M. Rodrigues,
Alberto Carneiro e o moçambicano Ricardo Rangel). E é já uma nova
versão que agora a Culturgest expõe em «Olhares Estrangeiros -
Fotografias de Portugal», aumentada com quatro obras de David
Stephenson, de 2003: a abóbada dos Jerónimos e três zimbórios de
Lisboa, como ainda os não tínhamos visto.
Com estes sucessivos estímulos, que, em vez de serem sobressaltos, muito ganhariam em constituir um projecto continuado ao longo dos anos (o que acontecerá quando se desmontar a exposição?), têm vindo a recuperar-se algumas das imagens com que observadores exteriores foram fazendo o retrato do país. Outras mais chegaram por intermédio ou iniciativa de Jorge Calado, com variados parceiros: as de Neal Slavin, de 1968, reunidas num famoso livro (Portugal, Lustrum Press, NY, 1970), expostas e editadas pela Ether no Fotoporto de 1990; Wolfgang Sievers, datadas de 1934-35, publicadas pelo Arquivo de Lisboa (Linha de Vida, Lisboa, 2000); Bill Perlmutter, 1958, sendo a maqueta do livro falhado «Retratos dos Portugueses» adquirida pelo CPF (Heróis do Mar, 2002).
Além de se alargar o que podemos saber de Portugal e de como somos vistos, somando o sentido alargado do documentário ao de escolha de obras de grandes fotógrafos, também assim se proporciona o confronto com os nossos olhares interiores, que foram por muito tempo poucos e pouco livres. Todos eles fazem parte da mesma história, ainda pouco conhecida, da fotografia em Portugal. Essa opção cosmopolita (bifocal, se assim se pode dizer, por ver de longe e de perto) foi já seguida com mérito em Variaciones en España - Fotografía y Arte 1900-1980, de Horacio Fernández (La Fabrica, Madrid, 2004).
Ao contrário do que precede, a exposição não segue um fio cronológico, não traça um mapa geográfico, não isola as obras de cada autor, nem alinha as fotografias (72, desde a missão de Cecil Beaton ao país neutral de Salazar, em 1942, até aos dias de hoje) com os habituais intervalos preguiçosamente regulares. A aparente desordem, feita de acordes e sintonias ou de contrastes desafiadores, de sequências e intervalos, é o fio de uma história visualmente contada (apoiada em breves extractos do catálogo) com que se propõe ao observador a possibilidade de ampliar o sentido que tem cada prova - quase sempre «vintage», como convém.
Há, numa primeira sala de cor amarelo-limão, núcleos dedicados a paisagens arquitectónicas vernaculares e à desarrumação do espaço citadino (Harry Callahan, 1982; John Davies, Porto, 1992); árvores usadas pelo homem; a Nazaré, meta de peregrinações fotográficas (Peter Fink, Kess Scherer, Boubat, nos anos 50), e diferentes mares (o Algarve de Sarah Moon, no Inverno de 1999). A segunda sala é cor de rosa e abre espaço para o património e demais marcas da história (Cecil Beaton, Queluz e a elegância de Marcelo Caetano; o racismo colonial mostrado por Rangel), com a Torre de Belém entre passado e presente. Depois, numa quase capela, em vermelho sangue, o fado (Thurston Hopkins e a beleza de Amália, c. 1950), a fé (Cartier-Bresson e George Krause, em Fátima, Boubat no Minho), as crianças e, por fim, duas figuras solitárias contrapostas que nos interpelam e nos viram as costas (Fink e Nozolino), a fechar o filme. As exposições são também, além de escolhas, questão de ritmo de montagem, e esta é disso um exemplo superior.
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Entretanto, outra colecção apresenta-se em livro e é igualmente uma contribuição, de certo modo simétrica, para ampliar o inquérito do que fomos, ou continuamos a ser, já que em vários casos as fotografias vêm até ao presente, mesmo se fiéis ao preto e branco. Concebido como uma antologia de autores, o álbum Em Foco. Fotógrafos Portugueses do Pós-guerra, Obras da Colecção da Fundação PLMJ, editado por Miguel Amado, tem o mérito de ampliar o mapa dos que começaram a fotografar entre o fim dos anos 1940 e o princípio dos 60, ultrapassando algumas fronteiras que se fecharam sobre um grupo demasiado restrito de nomes.
É conhecida a aparição fulgurante de Fernando Lemos (1949-52), e o livro Lisboa, Cidade Triste e Alegre, de Costa Martins e Victor Palla (1956-59) tem agora a projecção internacional merecida. Fotógrafos como António Sena da Silva, Carlos Afonso Dias, Carlos Calvet e Gerard Castello-Lopes, (re)descobertos pela Ether ao longo dos anos 80, tal como a dupla anterior, foram objecto de retrospectivas, como também veio a suceder em 1999 com Jorge Guerra. Tinham ficado por situar nas mesmas décadas de tentada modernização da fotografia nacional, em grande parte oculta e deixada inédita, os dois autores então mais expostos e mais presentes no campo da fotografia impressa, Augusto Cabrita (1923-93, o fotógrafo de Belarmino e do Barreiro: Na Outra Margem, ed. CUF, 1999, com um texto de J. Calado) e Eduardo Gageiro (n. 1935), que tiveram grande influência na evolução posterior do fotojornalismo. Faltará ainda identificar o melhor da sua produção, entre o que foi publicado na imprensa, contendo as derivas salonistas de algum populismo esteticista.
Outro autor menos conhecido é o arquitecto Francisco Keil do Amaral
(1910-75) que com Victor Palla defendeu a fotografia nas Exposições
Gerais entre 1946 e 56, intervaladamente (e aí também expôs A.
Cabrita), e depois foi o impulsionador do inquérito da Arquitectura
Popular. Nos dados biográficos que se publicam, em geral pouco
informados, ignora-se a mostra das suas fotografias no Museu da Cidade,
em Abril de 1999, deixada sem catálogo. Por fim, a representação de
João Cutileiro comprova que se continua à espera da sua descoberta como
fotógrafo, apesar da magnífica exposição de retratos inéditos que a
Gal. Valentim de Carvalho apresentou durante o Mês da Fotografia de
1991, igualmente sem catálogo e esquecida na nota biográfica. A
fotografia em Portugal continua a ter pouca memória.
«Olhares Estrangeiros», Chiado 8 Fidelidade-Mundial, até 18 de Fevereiro
"Em Foco", Fundação PLMJ/Assírio & Alvim, €40
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