Expresso Actual de 01-12-2006
«El Contemplador Activo» - Estampas de 27.8.1966 - 15.1.1968, em Cascais
"Voltar a viver"
As gravuras de um momento de crise na vida e na obra de Pablo Picasso, aos 85 anos
Alguns
preferem a inactividade de Duchamp. Com as suas sequelas, separou-se
mais a arte e a artesania, dispensando qualquer qualificação ou
habilidade técnica, o que «dessacralizava» a criação e prometia a
democratização universal. No pólo contrário está a hiperactividade de
Picasso, habilitada pelo que se chama saber fazer, talento, dom ou
génio, que são atributos desigualmente distribuídos e de origem algo
obscura.
A grande produção de obra gráfica pelo velho Picasso,
que culmina nas «suites» 347 e 156, de 1968 e 69-71, ambas já mostradas
em Cascais, não se explica por qualquer voragem mercantil, nem
corresponde a uma última estabilização de processos. Na vertiginosa
luta contra a morte que se avizinhava, ela procura ainda associar
vitalidade e criatividade, num tempo em que o pintor, passados os 85
anos, se encontra já quase retirado do mundo. O período final,
incompreendido nas exposições do Palácio dos Papas de Avignon (1970 e
73), é um dos cumes da obra de Picasso e enfrenta plenamente os
caminhos contemporâneos que pareciam esquecê-lo - esse confronto está
longe de se dar por encerrado.
Não é o caso de uma outra série de 60 gravuras em que Picasso trabalhou de Agosto a Dezembro de 1966 (com a junção de algumas peças posteriores), e que nunca decidiu editar, ultrapassada pelas «suites» referidas ou preterida por razões não ditas. Impressas postumamente nas oficinas de Pierre Crommelynk, o habitual gravador de Picasso que nelas trabalhara, seriam apenas lançadas no mercado no ano do centenário do nascimento, 1981, pela Galerie Louise Leiris.
Se a vida pessoal e a do seu tempo está sempre presente na obra de Picasso, sem que a mais profunda meditação sobre os problemas da pintura se distancie em busca de uma qualquer pureza ou autonomia, esta sequência de gravuras dá conta da mais grave das crises por que passou o pintor. O que continuou a referir-se como uma operação ao estômago (ainda no Dictionaire Picasso, de Pierre Daix, 1995), encobria um cancro na próstata. «Abriram-me como a um frango», brincava o pintor, enquanto reaprendia a viver diminuído na anterior equivalência pública entre potência sexual e artística. Interrompida a pintura por mais de um ano, Picasso recomeça a desenhar no cobre, com hesitações ou dificuldades visíveis. O tema o pintor e a modelo dá lugar crescente ao dos velhos e mulheres nuas, vendo-se o artista a si mesmo como espectador, enquanto o ateliê se torna sala de teatro; há falos que surgem como personagens, mas será só em séries seguintes («Rafael e a Fornarina», de 68, por exemplo) que a «excitação do fazer» segue com êxito os caminhos da sexualidade explícita. Esta é apenas uma produção de crise, quase sempre menor, embora iluminada por alguns súbitos fulgores.
Pablo Picasso
«El Contemplador Activo»
Centro Cultural de Cascais, até 7 de Janeiro
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