Expresso Cartaz de 10 de Abril 1998
"Encenar o desejo" - a "Suite 156", de 1970-72 (com duas primeiras estampas de 1968-69)
"Nos 25 anos da morte de Picasso, as últimas gravuras mantêm o seu poder de escândalo"
2
Picasso, "Suite 156"
Centro Cultural da Gandarinha, Cascais
Expresso Cartaz de 5-12-98 (nota)
Não
são os CCBs e as Gulbenkians do regime que apresentam as exposições de
maior importância. Mostrada em Abril a primeira metade da «Suite 156»
(e antes a «Suite Vollard» dos anos 30), completa-se agora a última das
séries de gravuras de Picasso, realizada até Março de 1972 - a morte
chegaria no ano seguinte, a 8 de Abril. Quando foram expostas na
Galerie Louise Leiris, em Janeiro de 1973, muitas destas provas foram
colocadas num espaço reservado para conter o escândalo de uma produção
dominada pela exibição do corpo e do sexo da mulher, numa última e
perturbadora convocação dos poderes do desejo. Picasso reencontra-se
com as «Demoiselles de Avignon» num ciclo de gravuras em que Degas é
sistematicamente representado como «voyeur» de cenas de bordel, no que
é também uma referência directa à s suas magnÃficas monotipias de
1876-77, de que possuÃa 11 exemplares. A colecção, uma das três únicas
completas, pertence à Fundação Bancaja, que editou um notável álbum sob
a responsabilidade de Kosme de Barañano, incluindo um estudo exaustivo
das fontes iconográficas de Picasso. (Até 20)
3
lá fora e à distância, «Picasso 1917-1924», em Veneza, Palazzo Grassi, no fim da Fundação Fiat, numa exposição comissariada por Jean Clair:
"O Mediterrâneo de Picasso"
Expresso Cartaz de 21-03-98
EM VENEZA, a Fundação Fiat dedica a última exposição do Palazzo Grassi a Picasso, concentrando-se na revisão do perÃodo que vai de 1917 a 1924. à naquele ano que o pintor se desloca pela primeira vez a Itália, permanecendo três meses em Roma, para além de ter visitado Nápoles, Pompeia e Florença. Acompanhado por Jean Cocteau, encontra-se com Sergei Diaghilev e inicia a colaboração com os Ballets Russes com a criação da cenografia de Parade, com música de Eric Satie, na qual retoma os temas dos arlequins e acrobatas dos anteriores perÃodos rosa e azul. O telão que pintou para este «ballet», com 17 por 10 metros, é exposto no grande átrio do Palácio.
A exposição é comissariada por Jean Clair, director do museu Picasso de Paris sob o nome Gérard Régnier, e, para além de explorar o interesse do pintor com o mundo do teatro, da dança e do circo, ao longo de sete anos, constitui uma reflexão sobre as suas relações com a arte italiana da Antiguidade clássica e do Renascimento e sobre o carácter mediterrânico da sua pintura, reivindicado nos anos 20 por um Eugenio D'Ors.
Embora Picasso tivesse iniciado já em 1914 um segundo perÃodo dito clássico, com o regresso ao retrato e a Ingres, a par da continuação das composições cubistas, a visita a Roma e, depois, as estadas na Côte d'Azur, associam-se à abertura de novas direcções de trabalho de sentido realista. Picasso introduz então na sua obra um estilo mais espontâneo e naturalista, reflectindo-se na monumentalidade das figuras uma clara referência à estatuária romana, que se integra no ambiente dos «regressos à ordem», mas é também o resultado de um novo entendimento de Cézanne.
à igualmente de 1917 que data o encontro com Olga Kokhlova, bailarina da companhia de Diaghilev e filha de um general russo, com quem se casa no ano seguinte. Jean Clair, entretanto, desliga-se das interpretações biográficas da carreira de Picasso e defende uma releitura da sua pintura a partir do estudo da iconografia, sublinhando que «na sua obra existe uma grande coesão e um sentido unitário que está para além de escolas ou movimentos».
A exposição, que se prolonga até 28 de Junho e não entrará em circulação, estende-se ao longo de 25 salas do Palazzo Grassi, um edifÃcio do séc. XVIII restaurado por Gae Aulenti em 1984. Apresenta cerca de 300 obras, trazidas de 44 colecções de dez paÃses, encerrando-se com a tela A Flauta de Pan, de 1923, reconhecida como a obra-prima do perÃodo neoclássico de Picasso, e com a cortina criada em 1924 para o «ballet» Mercure (também com música de Satie), restaurada para a ocasião.
O catálogo de «Picasso 1917-1924» é igualmente editado pela Gallimard (400 págs., 300 ilust. a cor; 340 FF) e inclui, entre outros, estudos de Giovanni Carandente, Brigitte Léal (sobre os cadernos italianos de Picasso) e Anne Baldassari, que se debruça sobre as fontes fotográficas do neoclassicismo de Picasso, na sequência da pesquisa que vem desenvolvendo sobre a constante utilização da fotografia pelo pintor (nomeadamente em Le Miroir Noir, de 1997).
O comissário Jean Clair é também o mais polémico dos intervenientes da cena artÃstica internacional, desde que publicou, em 1983, Considerations sur l'Ãtat des Beaux-Arts (Gallimard). Foi o comissário da Bienal de Veneza do ano do centenário, 1995, propondo uma revisão da arte do século XX atenta à permanência da figuração e à importância da representação do corpo humano (Identita e Alterita: Figure del Corpo), e dirigira em anos anteriores as exposições «Vienne: L'Apocalypse Joyeuse» (Centro Pompidou, 1986), «Les Années 20. L'Age d'Or des Métropoles» (Montreal, Gallimard, 1991), «L'Ãme au Corps. Arts et Sciences, 1793-1893» (Gallimard/Electa, 1993), «Paradis Perdu: L'Europe Symboliste» (Montréal, Flammarion, 1995). Foi, igualmente, responsável por exposições ou edições de referência sobre Duchamp, Bonnard ou Balthus e, em 1997, prefaciou Les Européens, de Cartier-Bresson (Seuil), e editou La Responsabilité de l'Artiste - Les Avant-gardes entre Terreur et Raison (Gallimard).
Comments