Duas flores de vida
Expresso Actual de 11.12.2004
«Despertar», dupla escultura em ferro, com sete metros de altura, diante da fachada do hospital Santa Maria
Duas hastes cilíndricas e lisas elevam-se no espaço, paralelas. No topo reconhecem-se as formas esféricas de duas flores, uma fechada em botão, mas já a anunciar abrir-se, e outra aberta, com um sequência regular de lâminas ou pétalas num movimento que parece querer resistir ao fim do seu ciclo de vida. Ambas pintadas de negro, em ferro, sobem a sete metros de altura no espaço ajardinado fronteiro ao Hospital de Santa Maria, à direita, num lugar onde se bifurcam os acessos que conduzem ao Serviço de Urgências e à Maternidade. À distância da fachada imensa do edifício, as suas formas nítidas recortam-se contra a imponência autoritária e triste do hospital, impondo a sua elegância carregada de simbolismo, por entre as árvores do jardim, com um notável acerto de escala.
É a última obra de Rui Chafes, concebida expressamente para o local e doada pelo artista por ocasião das celebrações do cinquentenário do Hospital de Santa Maria, que decorreram na passada quarta-feira. Tudo começou com um convite formulado pelo professor João Lobo Antunes para que Chafes realizasse a medalha comemorativa da efeméride. O escultor tentou escusar-se ao encargo, sem experiência na área especializada da medalhística e pouco atraído pelas suas regras estritas. Em vez da medalha, propôs oferecer ao hospital uma escultura; o médico aceitou a oferta, mas insistiu no desafio inicial, que acabaria por ser satisfeito. Rui Chafes encarregou-se da medalha dos 50 anos do Hospital de Santa Maria e projectou um objecto pouco convencional, que cumpre com originalidade as exigências do género, com a sua configuração circular interrompida por furos irregulares.
À sua escultura, Chafes deu o título Despertar, associando duplamente às formas da sua obra a ideia de nascimento e de acordar, de regresso à vida, que igualmente correspondem à escolha do lugar de implantação, a caminho da Maternidade e das Urgências. A sua experiência pessoal, reconhece o artista, motivou-o para a concepção da escultura e para o gesto da doação, que exprime a gratidão pelos cuidados médicos que o fizeram regressar à vida após um gravíssimo acidente de automóvel de que foi vítima no Natal de 1998.
Escultura pública pela sua implantação num espaço aberto e acessível, pela sua escala e (perfeita) integração no cenário rígido da fachada principal do hospital, também, e especialmente, pela capacidade de ser portadora de um sentido colectivo, apreensível sem dificuldade, Despertar é uma obra de arte contemporânea que contraria a habitual falta de qualidade da escultura monumental que se vai instalando por cidades e rotundas. É também mais uma obra que fica a assinalar um ano importante na carreira do artista, que começou com a circulação de uma mostra antológica na Dinamarca, prosseguiu com a atribuição do prémio de escultura Robert-Jacobsen na Alemanha e incluiu a participação na Bienal de São Paulo.
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