Não basta manter ou mudar directores, e a crise, que é, para já, um efectivo estrangulamento orçamental, deveria ser ocasião para rever anteriores estruturas e prioridades, e não de defesa de um status quo que obviamente é desinteressante e insustentável. No caso das artes, em especial as ditas plásticas ou visuais, seria urgente rever a subordinação das responsabilidades públicas às lógicas corporativas (e/ou clientelares) e a um assistencialismo universal que passa por ser apoio à criação.
Discordo da habitual prioridade concedida por poderes públicos exangues aos chamados "apoios à criação", em notório e crescente sacrifício das estruturas oficiais de divulgação, conservação, investigação e exposição de obras de arte. As políticas da encomenda, da aquisição e da premiação parecem ser as prioridades a assumir pelos poderes públicos na sua relação com os artistas plásticos vivos, no quadro do funcionamento eficaz das estruturas de ensino e museologia. A miséria silenciosa (amordaçada) dos museus oficiais é o problema central a denunciar, envolvendo nessa chamada de atenção a desproporção de situações entre os museus do Estado e as parcerias público-privadas que têm sido favorecidas (e cujos compromissos e adquiridos devem ser respeitados).
É altura de pensar o que resulta da contiguidade sem falhas entre o mercado da arte (privado e público, é de um mercado só que se trata) e os mercados da ostentação e da especulação. E também do mercado dos lazeres, que parece ser hoje a predominante função social da arte. Nada mudou de substancial nas últimas décadas quanto ao mercado das artes visuais excepto precisamente essa ausência de falhas - entre a feira e o museu, entre o fundo de investimento em arte e o coleccionismo de "vanguarda".
#
No âmbito da DGArtes (herdeira directa da antiga Direcção-Geral de Acção Cultural dos anos 70/80, através de muitos institutos), importará atender à diversidade das artes tuteladas - e em especial procurar libertar as várias artes da respectiva tutela. A extensão das lógicas assistenciais (ditas de apoio) às diferentes artes e a uniformização dos modelos de produção patrocinada têm marcado a generalidade das "políticas culturais", do CDS ao Bloco de Esquerda
Vale a pena pôr em cima da mesa o ridículo que são as proclamações a respeito da "universalidade da fruição" e da "qualificação da criação artística". A primeira fórmula é uma substituição em estilo grandiloquente da nunca cumprida defesa da democratização da cultura, a segunda fórmula é desmentida pela contínua desqualificação ...
Decreto-Lei n.o 215/2006, de 27 de Outubro
LEI ORGÂNICA DO MINISTÉRIO DA CULTURA
...Artigo 15º
Direcção-Geral das Artes
1 — A Direcção-Geral das Artes, abreviadamente designada por DGARTES, tem por missão a coordenação e execução das políticas de apoio às artes, dinamizando parcerias institucionais e promovendo políticas adequadas a garantir a universalidade na sua fruição, bem como a liberdade e a qualificação da criação artística.
2 — A DGARTES prossegue as seguintes atribuições:
a) Propor e assegurar a execução das medidas de política estruturantes dos sectores das artes do espectáculo e das artes visuais;
b) Assegurar a diversificação e descentralização da criação e da difusão das artes, promovendo a igualdade de acesso às produções artísticas de forma a ultrapassar as assimetrias regionais e os desequilíbrios sociais e culturais;
c) Fomentar a criação, a produção e a difusão das artes mediante a definição de sistemas e modalidades de incentivo, a regulamentação de programas e critérios de apoio e fixação de contrapartidas exigíveis, assegurando a adopção de metodologias de fiscalização e avaliação de resultados;
d) Promover a dignificação e valorização profissionais dos criadores, produtores e outros agentes culturais, projectando as artes contemporâneas portuguesas nos circuitos internacionais;
e) Promover, em colaboração com outros organismos da administração central e local, acções de articulação entre a promoção das artes e outras políticas sectoriais, contribuindo para a melhoria e dinamização dos equipamentos culturais;
f) Assegurar o registo, organização e divulgação documentais da criação contemporânea, criando ou integrando redes de informação nacionais e internacionais acessíveis aos profissionais e ao público em geral.
3 — A DGARTES é dirigida por um director-geral, coadjuvado por um subdirector-geral.
A coisa, a DGArtes, decorre de uma adaptação por via do PRACE do anterior Instituto das Artes, criado pelo Decreto - Lei nº181/2003, de 16 de Agosto (Durão Barroso/Pedro Roseta), e no qual já se procedera à fusão do Instituto Português das Artes do Espectáculo e do Instituto de Arte Contemporânea. Não se desburocratizou (ainda que se tenha favorecido algum emagrecimento saudável), nem teve oportunidade de repensar as respectivas funções.
Os males vinham de trás, e o decreto PSD/CDS (2003) não é de um menor voluntarismo dirigista: o IA era então a "estrutura institucional da intervenção pública no âmbito da criação e fruição artísticas e na criação de condições adequadas à generalização do acesso à cultura e à produção cultural" (Decreto-Lei nº 181/2003 de 16 de Agosto, preâmbulo)
Não se tratava porém das artes todas (além do habitual particularismo do cinema): "a planificação dos programas e projectos nos quais se sustenta a actuação funcional do IA deve assegurar a autonomia entre as grandes áreas de expressão artística, centradas nas artes do espectáculo e arte contemporânea, e o equilíbrio na prossecução de objectivos que lhes sejam específicos" (art. 5º, princípios funcionais nº 2)
"O IA tem como missão estruturar a intervenção do Estado no âmbito das artes do espectáculo e da arte contemporânea, dinamizando comparticipações institucionais ou promovendo por si políticas adequadas a garantir a universalidade na sua fruição e a liberdade e a qualificação da criação artística."(art. 5º, nº 3, missão). "Compete ao Departamento de Apoio à Criação e Difusão: a) Fomentar a criação, a produção e a experimentação artísticas através da promoção de eventos descentralizadores e de apoio aos criadores contemporâneos e à produção independente, em articulação com as delegações regionais do Ministério da Cultura e com as autarquias locais ou outras entidades interessadas;" (art. 14)
Gosto em especial do Artigo 21 e dos "Gabinetes de expressão artística", que espero nunca tenham existido: "1 — Os gabinetes de expressão artística são unidades de especialidade, sem departamentalização formal, representativas da identidade e especificidade das disciplinas artísticas ou das linguagens e formatos da contemporaneidade, funcionalmente articulados com os departamentos operativos para a constituição de equipas mistas adstritas aos projectos e acções neles desenvolvidos. 2 — Os gabinetes de expressão artística são compostos por pessoal especializado agregado por especifici- dade temática, a afectar aos projectos, consoante o seu domínio de especialização."
Comments
You can follow this conversation by subscribing to the comment feed for this post.