Expresso Cartaz (Actual) 01-04-2000 (2) - notícia
"O MoMA revê o século XX"
Walker Evans está no centro da exposição do MoMA e tem em paralelo uma retrospectiva no Metropolitan Museum
DEPOIS de «Modern Starts», «Making Choices» é a segunda parte da grande revisão da arte do século XX que o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque empreendeu por ocasião da mudança de século e de milénio. É constituída por um total de 24 exposições de dimensões variáveis e quase sempre autónomas entre si que vão ocupar a totalidade dos três pisos superiores do museu - as primeiras 11 abriram a 16 de Março e ontem acrescentaram-se-lhes mais três, inaugurando-se só a 30 de Abril as dez restantes. Como as datas de encerramento também não são coincidentes, só entre 1 de Maio e 26 de Julho é que todos os núcleos poderão ser visitados em simultâneo.
O fotógrafo norte-americano Walker Evans tem um lugar central na exposição do MoMA, ao mesmo tempo que o Metropolitan Museum lhe dedica uma extensa retrospectiva, até 14 de Maio. Através de 175 provas «vintage», a sua obra é revista no Met desde o final dos anos 20, ao tempo da Depressão e da colaboração com a Farm Security Administration, até aos «polaroids» da década de 70, passando pelos retratos furtivos no metro de Nova Iorque. Dois livros acompanham a mostra, uma monografia da autoria dos comissários Maria Morris Hambourg e Jeff L. Rosenheim, e uma antologia de escritos, correspondência e negativos oriundos dos Walker Evans Archives.
No âmbito do programa «MoMA 2000», o primeiro capítulo abrangeu o período de 1880 a 1920, sob a direcção de John Elderfield, e procurou ensaiar, através da consideração de três tópicos essenciais - pessoas, lugares e coisas - uma visão de conjunto sobre os inícios da arte moderna, focando o que nesta existiu de continuidade e mudança.
A segunda parte (referente a um período também de 40 anos que vai até 1960) está a cargo de uma equipa encabeçada por Peter Galassi, director do departamento de fotografia do Museu, que optou por reflectir a diversidade e complexidade do panorama artístico através da abordagem de temas independentes, de revisões propriamente cronológicas, que sublinham a diversidade sincrónica das manifestações, e ainda de núcleos mais pequenos dedicados isoladamente a alguns artistas ou a disciplinas.
Num período marcado por grandes convulsões sociais e políticas com implicações directas no debate artístico, o título genérico reflecte a existência de diferentes opções, filosofias e tradições que simultaneamente competiam entre si, obrigando os artistas a «fazer escolhas».
A exposição é acompanhada pela edição de três livros-catálogos de idênticas dimensões (34,95 dólares cada um, na versão brochada), que estabelecem as linhas determinantes de todo o projecto.
Making Choices: 1929, 1939, 1948, 1955, da autoria de Peter Galassi, Robert Storr e Anne Umland, pretende ser uma exploração da multiplicidade vital da arte moderna através da focagem comparativa das obras produzidas nessas quatro datas.
Walker Evans & Company, que é também o título de um dos núcleos principais, é escrito por Peter Galassi. O volume sublinha o carácter seminal da obra fotográfica de Walker Evans, que foi um dos pilares da tradição documentarista - com a recusa da «artisticidade» e do artifício da arte fotográfica do seu tempo, o interesse pela cultura popular e vernacular americana, a opção pela descrição austera e exacta da realidade - mas cuja ressonância se estendeu a outras áreas da criação artística, podendo ser apontado como um precursor do realismo da arte Pop. São reproduzidas mais de 300 obras de cem artistas, incluindo pinturas e esculturas de todo o século, para além dos limites do espaço e tempo da exposição.
Por último, Modern Art Despite Modernism, da autoria de Robert Storr e em conjunção com outro grande núcleo homónimo, apresenta uma visão heterodoxa do curso da arte moderna, documentando o facto de a evolução do modernismo vanguardista ter sido sempre acompanhada, contestada e complexificada por outras expressões alternativas. Exposição e livro abordam os artistas que, em épocas sucessivas, se desviaram e questionaram o «mainstream» modernista, traçando o desenvolvimento do que chamam a anti-vanguarda, desde a sua primeira aparição sob a designação de «retorno à ordem» na arte europeia que se segue à I Guerra até à reemergência internacional da figuração nos anos 80. Na montagem tomam lugar obras que o próprio MoMA considerou sempre como tangenciais ou distintas das suas orientações predominantes, e o livro aborda as questões da mudança das noções de gosto e da recepção da arte de vanguarda, analisando o papel chave desempenhado pelo Museu.
Este percurso «contra o modernismo» tem início com Picasso, Matisse e Balthus, em Paris, com os artistas da Nova Objectividade alemã como Otto Dix e Max Beckmann, ou os ingleses Gwen John e Walter Sickert; prossegue com os mexicanos Frida Kahlo, Rivera e Siqueiros, com norte-americanos como Paul Cadmus, Georgia O'Keeffe, Charles Sheeler, Tchelitchew e Andrew Wyeth; renova-se no pós-guerra com Giacometti, Bacon e Lucien Freud, depois com Larry Rivers, Pearlstein e Alex Katz, com David Hockney e com os «pós-modernistas» Philip Guston e Gerhard Richter, em oposição às orientações ditas experimentais e conceptuais. O conflito em torno do estatuto da figuração é especificamente abordado e um sector é dedicado à importância do desenho da figura e do desenho linear de contorno para os artistas anti-vanguardistas, sob o título «Drawing Lessons», onde, além de nomes já citados se incluem Dubuffet, Goncharova, Peter Blake e Andy Warhol.
Entre as outras exposições já inauguradas inclui-se «The Dream of Utopia/Utopia of Dreams», que explora o confronto entre duas divergentes concepções artísticas de utopia, uma racional, outra anti-racional, que após a I Guerra procuraram refazer ou re-imaginar o mundo: a abstracção pura defendida por artistas como Mondrian e Malevitch, e o surrealismo teorizado por Breton. «War», distribuída por várias galerias, examina a resposta dos artistas à guerra e à violência, acrescentando às imagens sugeridas pelos dois maiores conflitos mundiais os temas da guerra civil, da luta de classes, dos conflitos coloniais e da guerra fria, até às fotografias do massacre de My Lai e do extermínio cambojano.
Outros núcleos são dedicados ao mobiliário e à arquitectura que corporizaram os ideais de espaço doméstico na sequência da I Guerra (a continuar em «Modern Living 2»), e ao design gráfico e à fotografia dos anos 20-30, enquanto «Paris Salon» é uma primeira selecção cronológica que dará lugar, a seguir, ao contexto do segundo pós-guerra e ao confronto com o «New York Salon», dando conta da partilha do centro mundial da arte desde as vésperas da II Guerra. Os únicos núcleos monográficos são dedicados a Hans Arp, às gravuras de Morandi, às fotografias de Man Ray e ao arquitecto norte-americano Louis I. Kahn.
O conjunto de exposições a abrir no final de Abril inclui três núcleos dedicados especialmente à fotografia: «O Observador: Cartier-Bresson depois da Guerra», «O Motivo Ideal: Stieglitz, Weston, Adams e Callahan» e outro ainda consagrado individualmente a Harry Callahan.
Outras mostras anunciam-se sob os títulos «Anatomicamente Incorrecto», abordando a distorção da representação do corpo entre os artistas surrealistas e comparando-a com outros exemplos da actualidade; «Useless Science», uma investigação sobre o tema da pseudo-ciência (presente nas obras de arte que simulam ou imitam os métodos científicos) e também sobre o absurdo como conceito filosófico, literário e artístico; ou ainda «Seing Double», «The Rhetoric of Persuasion», «The Marriage of Reason and Squalor» (a razão e a sordidez) ou «How Simple Can Your Get?».
O capítulo final de «MOMA 2000», com que se encerra a revisão do século, terá início em Setembro sob o título «Open Ends» e a respectiva direcção foi confiada a Kirk Varnedoe, chefe do departamento de pintura e escultura do Museu.
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