Expresso Actual dee 7/4/2001
"Razão e excesso"
A homenagem prestada a Nadir Afonso não é ainda uma retrospectiva organizada com rigor crítico
NADIR AFONSO, Centro Cultural de Cascais. Até 6 Maio
A uma homenagem, como a que o Centro Cultural de Cascais presta a um dos seus munícipes, não se pede o rigor científico de uma retrospectiva, mas Nadir Afonso, que já ultrapassou os 80 anos, ganharia em fazer passar a sua obra pelo crivo de uma exposição crítica, no sentido que têm as edições críticas nos domínios da escrita.
O seu nome é sempre citado quando se recordam as Exposições Independentes, no Porto dos anos 40, e a sua obra de pintor é uma referência na afirmação do abstraccionismo geométrico em Portugal, ao lado do pioneiro Fernando Lanhas, outro «independente». No entanto, para além de algumas pinturas isoladas que todas as sínteses históricas reproduzem, expostas no CAM, em representações nacionais e outras abordagens panorâmicas, a carreira de Nadir continua a ser mal conhecida. Uma primeira retrospectiva foi-lhe dedicada em 1970 pela Gulbenkian, em Paris e Lisboa, mas a generalidade das obras reproduzidas no catálogo datam da década anterior, deixando o percurso prévio por estudar. Também não tiveram rigor crítico quer a retrospectiva apresentada em 93 na sua cidade natal, Chaves, quer a monografia editada em 98 por Livros Horizonte. Aí se foram revelando algumas obras esquecidas ou inéditas, mas sempre sem enquadramento histórico e apenas acompanhadas por textos do próprio artista.
O mesmo sucede com a presente iniciativa, que reúne uma centena de pinturas, com excessiva ocupação do vasto espaço disponível, sendo do artista e familiares a responsabilidade da selecção. Mas, embora a prioridade numérica volte a ser conferida à produção recente e se recorra em especial ao abundante espólio da Fundação com o nome do pintor, a verdade é que a homenagem prestada em Cascais vem facultar a mais vasta abordagem de sempre do itinerário de Nadir, trazendo mais revelações e também mais dúvidas. Tornam-se pela primeira vez inteligíveis (mas só se confrontadas com outras fontes e obras impressas) as primeiras fases do seu trabalho e as etapas de formação da linguagem geométrica que afirmou nos anos 50, ao mesmo tempo que se pode contactar com toda a polémica complexidade da sua prática pictural posterior, excessiva e marcada quer por revisitações e réplicas de pinturas anteriores, quer por uma evolução orientada para a representação esquemática de paisagens urbanas e figurações alegóricas.
Os trabalhos mais antigos da mostra surgem datados de 36, teria o artista só 16 anos! Revelariam um precoce domínio da pintura a óleo em composições paisagistas que, até 39, se as datas forem correctas, exibem uma sensibilidade expressionista que não teve continuidade. Faltam depois obras do tempo em que, como estudante de arquitectura, participou nas Exposições Independentes, de 43 a 46, ano em que partiu para Paris como bolseiro do Estado francês. Tendo em conta os títulos referidos nos catálogos de então (por exemplo, Évora, Moinhos, Foz, na 4ª exposição, em 46) essas obras não eram abstractas, e só o terão sido na 6ª e última Independente, já em 1950, na Galeria Portugália, onde expôs três obras referidas como «Pintura».
No ano anterior, Nadir apresentara na Galeria Fantasia, sempre no Porto, 17 óleos classificados como abstractos, aos quais poderão corresponder nove telas que são agora expostas (de 45, Bruxedo, a 48, Máquina de Costura). São provas de uma nova aprendizagem, em que se detecta informação surrealista e influência de Max Ernst, as quais, apesar de isoladas de qualquer dinâmica colectiva e de mostradas no Porto (ou seja, quase não vistas), devem tomar lugar na genealogia do movimento em Portugal, o que já J.-A. França referira na sua história geral. Note-se que uma Composição Irisada, de 46, exposta em «Anos 40», surge agora num «remake» sem data, noutra das salas, entre três outras insólitas recuperações surrealizantes.
Depois, duas «composições geométricas» de 50-51 serão obras inaugurais da seguinte orientação de Nadir, a qual prossegue em Quatro Cores e Les Spirales (ambas de 54, sobre platex), já sob forte influência de Jean Dewasne. A observação complica-se, porém, por uma ordenação demasiado confusa e pela presença de réplicas antedatadas, como sucederá com Horus (53?; cf. datação de 92 na referida ed. Horizonte) e Caractères (55?; cf. catálogo «Anos 50»), de variantes e obras não datadas, ou de telas a que o pintor atribuiu datas fantasistas (por exemplo, Banhistas, 1947/89), usando antigos estudos. Um imenso trabalho pericial terá de se feito por observação das assinaturas (Nadir, N. Afonso, Nadir Afonso, em maiúsculas ou cursivas), destrinça de réplicas e exame de datas e materiais.
Nos anos 50, Nadir aproximou-se, em Paris, dos continuadores da Abstraction-Création, agrupados na associação do Salon des Réalités Nouvelles, que em 56 se abria já a tendências não geométricas. Nesse ano e no seguinte expôs na Galerie Denise René e em 58 no referido Salão, trabalhando então numa direcção especulativa sobre o espaço que o conduz à construção de um dispositivo pictural dotado de movimento, a que se associa a série de pinturas designadas «Espacillimité». Não se vêem aqui as melhores dessas obras, que Serralves apresentou há pouco graças à colecção de Jaime Isidoro, testemunhando mais uma vez a miséria dos museus nacionais (exp. «Anos 60/70»).
Ao longo da década de 50, Nadir não expôs em Portugal; em 61 é apresentado no Palácio Foz, coexistindo o seu êxito nos anos seguintes com a vaga da pintura Op e cinética. É enviado à Bienal de São Paulo e em 66 foi-lhe atribuído o Prémio Nacional de Pintura, também do SNI. Por essa altura abandonou a arquitectura, passando a dedicar-se exclusivamente à pintura. «Consciente da sua inadaptação social, refugia-se a pouco e pouco num grande isolamento», pode ler-se na nota biográfica do presente catálogo.
Fotos: «Horus», datado de 1953 (Nadir Afonso estaria então no Brasil, a trabalhar com Niemeyer)
- «Banhistas», pintura com data (um estudo de 47 passado à tela em 89)
Frase em destaque: «Mais revelações e também mais dúvidas sobre a pintura de Nadir»
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Expresso Cartaz de 12/5/2001
Carta de Nadir Afonso a propósito da anterior crítica à exposição no Centro Cultural de Cascais:
«O Cartaz (7/04/01) inclui um artigo de Alexandre Pomar (A.P.) sob o título «Razão e Excesso». Sem nunca se preocupar com a minha obra de pintor, o articulista exibe esta frase em subtítulo, a meio da página, desgarrada do texto: «Mais revelações e também mais dúvidas sobre a pintura de Nadir».
Nesta ordem de ideias descreve «... a presente iniciativa que reúne uma centena de pinturas, com excessiva ocupação do vasto espaço...» e, «como nas anteriores retrospectivas», falta, segundo diz, «enquadramento histórico», «rigor crítico», «apenas acompanhadas por textos do próprio artista». «Faltam depois obras do tempo em que o pintor era estudante de arquitectura». Falso, estas obras estão presentes. «Uma Composição Irisada de 46, exposta em anos 40, surge agora num 'remake' sem data, noutras salas, entre outras insólitas recuperações surrealizantes.» «A observação complica-se, porém, por uma ordenação demasiado confusa e pela presença de réplicas antedatadas como sucederá com Horus (53?; cf. datação é de 92 na referida ed. Horizonte». Falso. A datação é de 53 na edição dos Livros Horizonte.
A.P. descobre ainda «variantes e obras não datadas, ou telas a que o pintor atribuiu datas fantasistas usando antigos estudos. Um imenso trabalho pericial policial, sr. A.P. terá de ser feito por observação das assinaturas (Nadir, N. Afonso, Nadir Afonso, em maiúsculas ou cursivas) destrinça de réplicas e exames de datas e materiais».
Se disséssemos a A.P. que o tipo de assinatura depende da proporção da forma no seio da composição, ele certamente sorriria com aquele incrédulo sorriso próprio da sua evidente falta de compreensão.
De excesso em excesso, o autor do texto escreve que «a homenagem prestada em Cascais vem facultar a mais vasta abordagem de sempre do itinerário de Nadir, trazendo mais revelações e também mais dúvidas». Mais dúvidas sobre quê? E, aqui, o articulista tem a subtileza de completar, (como já anotamos) fora do contexto: «... dúvidas sobre a pintura de Nadir».
Assim se atreve A.P. a pôr dúvidas sobre a minha pintura: não mediante uma crítica da obra, em si, mas através de observações à excessiva ocupação de espaço, às faltas de enquadramento histórico e de rigor crítico, através de censuras à ordenação demasiado confusa e presença de réplicas antedatadas etc., etc. Ora estas críticas sobre semelhantes factores, ainda que fossem correctas, jamais poderiam justificar as suas «dúvidas sobre a pintura de Nadir». Que tem uma coisa a ver com outra? Não haverá aí uma intenção de desvirtuar o meu trabalho?
Não sou esse pintor de gestos espontâneos, contente com a sua obra pronta de momento: penso que existem leis universais, imutáveis, absolutas; leis de, formas que tacteio, hesito, corrijo ou tento corrigir. Sobre cada tela trabalhei, comecei, por vezes há mais de 60 anos, e sobre cada tela, se nela sentir qualquer carência, acabarei no retoque da minha última hora».
Julgo que nos conhecemos quando seu pai "conversou" com o Fernando Lanhas, talvez há 2 anos, no Grémio Literário aqui no Porto.
Iniciei o curso de arquitectura em 1948, tinha seu pai terminado o mesmo; o seu nome era lembrado pelo mestre Carlos Ramos com elevada estima, lembro-me bem.
"Trabalhei" depois no Inquérito da arquitectura popular em Portugal, e quando saí da FAUP, por limite de idade, patrocinaram uma exposição com fotos, todas do meu arquivo pessoal mas, como sabe e assim escreveu o catálogo, o dito saiu pouco menos que triste.
Entretanto fui convidado para fazer semelhante exposição no Brasil, agora em Outubro findo e trouxe alguns catálogos. Gostaria de lhe poder oferecer um(não para me redimir, pois não fui achado para a publicação) mas não tenho o seu endereço ou e-mail. Espero as suas notícias, se assim o entender, para o e-mail [email protected].
Creia-me desde já grato António Menéres
Posted by: António Menéres | 12/09/2010 at 16:54