Pode ser falta de memória, mas as edições 2007 dos vários prémios mais notórios parecem uns furos abaixo dos anos anteriores. Foi claramente o caso do Anteciparte, que afogou as intenções ou os projectos escolhidos em grandes investimentos cenográficos (excesso de meios?, arquitectos à solta?, excessos curatoriais?), e é também o do 3º Prémio de Pintura Ariane de Rothschild, de que amanhã sábado se encerra a exposição.
até 22 DEZ 2007; Quar/Sab: 14.30-19.30 hrs
Rua Rodrigues Faria, 103
(Antiga Gráfica da Mirandela do Diário de Notícias - Alcântara - Largo do Calvário)
A visita recomenda-se desde logo como descoberta de uma parte oculta da cidade - uma área fechada na zona Alcântara-Calvário, antigas construções industriais destinadas a um próximo empreendimento. Entra-se de carro num parque guardado e circula-se entre quase ruinas - um deserto no meio da cidade.
Há ou havia um catálogo, oferecido, 29 x 28,3 cm de formato, enorme, em bom papel - design Silva!, impressão Textype - a baronesa e o banco precisam de gastar dinheiro, mas é daquelas coisas difíceis de guardar (já perdi o da edição 2005). Um objecto absurdo, obrigado.
Ana Mata, Sem Título, 2007, acrílico sobre tela, 181 x 129 cm
Há uma obra a merecer a visita, a pintura sem título de Ana Mata (Setúbal, 1980). Dizem-nos que começa por ser um auto-retrato, o que é, aliás, muito frequente na sua obra, que se tem podido ver na Módulo (2003, 2006 e já em 2007 - ver notícia de 4 de Maio), e são evidentes as relações entre fotografia e pintura - deixando-se logo nesse enunciado o caminho das evidências e das facilidades.
O olhar frontal sob um foco de luz, a lanterna na mão direita, a ideia habitual do auto-retrato (e a pose) negada no inesperado ou acidental da situação surpreendida, a presença material da luz e a circulação entre processos com incertas fronteiras ou passagens, o grande formato do retrato de aparato e a ironia do aparente instantâneo furtivo, a sugestão ficcional condensada numa vista única, sem título e destituída de imediatas referências literárias. Tudo isto constitui um campo infindável de interrogações e de exploração do que é materialmente visível.
Ana Mata é um(a) das mais interessantes jovens artistas. O facto das premiações a terem poupado é uma garantia adicional.
Os prémios são geralmente entendidos como actos de cooptação pelas tutelas do meio da arte - é natural que se escolha o menos bom ou o mais insignificante, por complexas razões ou manobras. Mas, como aqui acontece, os júris desclassificam-se muito visivelmente com as escolhas que fazem, e com as quais se julgam defender premiando-se a si próprios. Ignore-se a ingenuidade do "prémio distinção" e a preguiçosa vacuidade pretensiosa do 1º prémio, à boleia de Aurélia de Sousa. Olhe-se para um júri que premeia um artista, aliás interessante, José Baptista Marques, que aqui se candidatou com uma pintura à maneira dos históricos cromos ditos hiperrealistas de Malcolm Morley. Há coisas que não passam - e é bom que aconteçam para nos alertar.
Outras obras a reter ou a considerar serão os guaches de André Almeida e Sousa, registos mediados e suspensos de paisagens, representações contrariadas, sob influência ainda bem reconhecível; talvez a instalação de pinturas de Marta Moura. Há quem aprecie o género de ideias ou achados postos em prática por Nuno Sousa, espécie de auto-caricatura ou declaração de impotência da pintura, elogio crítico do vazio? E abaixo de prestações anteriores encontram-se as propostas de Marco Pires e Rita GT (a autocomplacência, já?).
No actual estado de coisas, um artista só ou uma única obra recomendável (Ana Mata) já fazem uma boa exposição.
Mas o Prémio Ariane de Rotschild tinha começado melhor em 2003 e 2005, com a presença algo insólita de Vicente Todolí e Julião Sarmento nos júris dessas edições, e alguma irreverência ou imprevisibilidade nas admissões. Havia uma presença mais substancial da pintura que o título do prémio continua a prometer. VER AQUI E o facto de se aceitar uma obra única (condição agora torneada por alguns instaladores que se julgam espertos) era outra diferença corajosa, tal como a montagem "tipo Salão" (não é defeito). Agora, lá para Alcântara (para além do agradável passeio de reconhecimento), o armazém arruinado é menos propício.
A edição de 2007 contou no júri, entre outros, com uma tal Lilian Tone, vinda do MoMA, e Pedro Cabrita Reis, com coordenação e escrita de Filipa Oliveira, que nos explica "o conceito", ou "o âmbito", ou "a filosofia" - serão agora sinónimos? Chama seminal a uma especulação fúnebre de Arthur C. Danto e cita Yve-Alain Bois - são caminhos obscuros. O facto de pintura não ser o mesmo que quadro dá origem a muitas confusões. Mas conviria considerar o quadro pintado (mais ou menos plano...) como o resultado de uma longa evolução que o torna um objecto quase perfeito, talvez inultrapassável. (O quadro fotográfico teve uma vida breve, mas ainda há quem use.)
BES Revelação em Serralves
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Em tempo - ao sair dos barracões da baronesa Rothschild pensava que alguma coisa que se chamou arte se ía acabando (com o Anteciparte 2007, o EDP Novos Artistas no Porto, etc). Depois, visitei a exposição de pintura da Maria Condado, a sua "Promised Land", na Caroline Pagès Gallery...
Rua Tenente Ferreira Durão, 12 – 1º Dto. [Campo de Ourique] Lisboa
Tel. 21 387 33 76 Tm. 91 679 56 97 - www.carolinepages.com
Até sábado 22 - e por marcação até 5 de Janeiro
(Maria Condado aparecera no 2º Prémio Rotschield, em 2005, e as suas paisagens continuam a ser uma "terra prometida")
...e também, graças a um telefonema do Rui Serra, a "Quinta do Gato Cinzento" instalada (só até 15 de Dez....) no Palácio de Valadares, ao Carmo (outra descoberta da cidade desconhecida) por um colectivo de jovens alunos da FBAUL. Um notável exercício de intervenção num sumptuoso edifício e de construção muito contida de alguns actos de recriação ficcional.
A expectativa restabelece-se. Há apenas mais lixo, e, de vez em quando, coisas para ver. Surpresas, encontros.
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