Poderia ter sido um dos momentos altos das comemorações dos 50 anos, mas a notícia apareceu - só agora - como uma resposta defensiva face a um crescente coro de críticas sobre as incertezas em torno do futuro do Centro de Arte Moderna e o possível encerramento ou a descaracterização do seu museu. Foi uma boa caixa do Público e em especial da Vanessa Rato, mas também uma oportunidade desbaratada num domingo de viagens pré-natalícias.
Já se sabia há muito tempo da compra (em Outubro de 2005, segundo o Público) dos terrenos restantes da antiga Feira Popular (e ainda me lembro dela no sítio que passou a ser a Fundação...). Também havia ecos de "sondagens" sobre o respectivo destino... Já não era segredo dos deuses, só voz corrente vinda de uma casa pejada de boatos.
À espera de dados mais seguros, que deveriam ter vindo do presidente Rui Vilar, já tinha referido num balanço do ano de 2006, no caderno Actual do Expresso ( ( aqui: 30-12-2006) , o problemático futuro do CAM, a ampliação dos terrenos do Parque e a expectativa que tal notícia, há muito esperada, podia justificar:
"Em 2006 foi retirada a colecção do Centro de Arte Moderna (a única visitável > entre as colecções públicas dedicadas ao séc. XX português >), e pela primeira vez se desconhece a data de remontagem. Mas a Fundação adquiriu o que lhe faltava do antigo Parque de Santa Gertrudes e já tem espaço para lançar projectos de ainda maior ambição."
Não foi o presidente Rui Vilar que anunciou a novidade, mas a administradora Teresa Gouveia. E não foi já um momento forte do calendário comemorativo, mas a tardia tentativa de conter crescentes manifestações de desagrado. Não se percebe, entretanto, se as obras poderão "arrancar a qualquer momento a partir do lançamento de um concurso internacional de arquitectura", já no 1º semestre de 2008, ou se se iniciarão apenas quando a condessa de Vilalva (ou Vil'Alva) deixar de ter o usofruto do Palácio inscrustado num último pedaço daquele terreno. Isso não importa; o que conta é vir assegurar-se a continuidade da colecção e da sua apresentação permamente ao público.
Note-se, por outro lado, como é mais importante referir que o novo-CAM virá um dia a "ter metro à porta" do que citar o nome do actual director, Jorge Molder. A administração da Gulbenkian estrangulou financeiramente o CAM, esvaziou-o para jantares de aniversário e um vago projecto de "instalações", deixou pairar as maiores incertezas sobre o seu futuro (um "super-Acarte"?) e sobre a sua direcção.
Várias vozes foram interpelando a FG acerca do museu do CAM, e mais recentemente, a 29 de Novembro, o tema voltara a ser levantado pelo escultor Rui Sanches, que foi por algum tempo seu subdirector, o que lhe conferia uma particular autoridade. A Fundação, dizia ele num texto publicado também no jornal Público, "tem o dever de esclarecer o público quanto às suas intenções para o CAM e a colecção que alberga. Irão as obras continuar guardadas?"
A questão estava na praça pública, e vale a pena observar que têm vindo crescentemente a lume, com inédita frontalidade, algumas questões até agora reservadas aos terrenos do segredo ou da intriga.
O CAM, segundo o Público, está "à procura de uma identidade para o futuro". Seria oportuno conhecer melhor o presente e o seu passado, passando das confidências jornalísticas para enunciados mais sólidos.
E seria conveniente pôr já em debate as veleidades corporativas que em Espanha se manifestam em torno de um chamado "Código de Buenas prácticas en museos y centros de arte" e que têm por ambição - ou por risco imprudente - colocar nas mãos de mafiosos ou suspeitos personagens, organizados em júris de especialistas (directores, comissários e críticos), as escolhas dos respectivos responsáveis. E que júris escolhem esses jurados, que júris escolhem as administrações ou os ministros que escolhem os júris que escolhem esses jurados? Aonde chegará a desresponsabilização das administrações e dos políticos intimidados por restritíssimas hierarquias de técnicos "autónomos" e autonomeados.
A proposta de "um concurso internacional rigorosamente aberto" para o próximo director do CAM já foi formulada por Raquel Henriques da Silva (tb no Público de 23 de Dez.) e é uma muito polémica orientação que urge debater e desde já contrariar.
Acho absolutamente extraordinário que o Alexandre considere uma absoluta desresponsabilização das administrações fazer um concurso internacional para Director de um museu... Pelo que diz, dando como exemplo os governos (não seria desinteressante a aplicação!), deveríamos ir para eleições.
Será que os convites secretos, manejados sempre por atenciosos ajudantes, são mais claros e idóneos do que um concurso publicitado???
Posted by: raquel henriques da silva | 12/29/2007 at 00:07
Pois é, a nomeação do director de um museu é uma decisão demasiado importante para ser atribuída a um comité corporativo, i. é, para ficar dependente dos interesses próprios de uma "classe" ou dos jogos de poder ou influência que dentro dela se desenham. Para mais num universo tão suspeito e tão contestado como é (...e como somos...) o "meio da arte".
É essencial contar com o interesse do público, representado por outras instâncias, políticas e/ou administrativas, e é preciso que a democracia e a delegação política funcionem; é essencial também que se exerçam as responsabilidades das administrações e dos patronatos através do acto decisivo que é a escolha, e que deve implicar, portanto, a co-responsabilização com as direcções que nomeiam. A existência de concursos para escolher directores de museus poderia ser a excepção (em casos limite de degradação de uma instituição), não a regra.
Num quadro de eficácia normal, uma instituição deve contar com segundas e terceiras figuras que têm como horizonte (a validar ou não...) a subida ao 1º lugar; um director escolhido por concurso que se transfere com a sua equipa e relega os quadros existentes para lugares subalternos é uma perspectiva pouco aceitável.
O passo seguinte da lógica dos concursos é exigir a substituição da representação do patronato (mecenas, políticos eleitos) por "especialistas", como já estará a acontecer no Macba.
Parece-me necessário valorizar a política (a democracia e os partidos) e não fugir dela ou desresponsabilizá-la.
Posted by: ap | 01/02/2008 at 23:39