Washington 1999: "Amadeo de regresso à América"
Expresso Actual, 18-Set-1999
«At the Edge – A Portuguese Futurist, Amadeo de Souza Cardoso»
AMADEO de Souza Cardoso teve uma presença notada na exposição que em 1913 levou a arte moderna internacional aos Estados Unidos («The Armory Show»), vendeu sete das oito obras que aí apresentou e, nos poucos anos que lhe sobraram de vida, sempre tentou voltar a expor em Nova Iorque. É só agora que se concretiza esse projecto americano, graças à antologia da sua obra que foi inaugurada em Washington, na Corcoran Gallery of Art (patente até 28 de Novembro), e que transitará depois para o Arts Club of Chicago (20 de Janeiro – 17 de Março). A mostra foi preparada desde 1995 por Jack Cowart, director do museu Corcoram, e por Laura Coyle, conservadora da mesma instituição, com organização em Lisboa do Gabinete de Relações Internacionais do Ministério de Cultura.
Intitulada «At the Edge – A Portuguese Futurist, Amadeo de Souza Cardoso» (No Alvo – Um Futurista Português...), é a mais bem concebida das exposições de Amadeo no estrangeiro e um contributo importante para o melhor conhecimento da sua carreira, graças às investigações de autoria americana publicadas no catálogo. Em 1913, ele foi um dos 35 artistas anunciados no cartaz da «International Exhibition of Modern Art», ao lado de Ingres, Delacroix, Manet, Degas, Cézanne, Renoir, Monet, Seurat, Van Gogh, Lautrec, Gauguin e dos seus contemporâneos Dufy, Braque, Brancusi, Archipenko, Gleizes, Duchamp-Villon, etc, em destaque entre mais de 300 participantes e 1600 obras. A projecção dada a Amadeo, que se prolongou na edição em postal do quadro Avant la Corrida (entretanto perdido), várias reproduções e referências na imprensa, bem como nas vendas citadas, resultava directamente da admiração que lhe votava o pintor e crítico americano Walter Pach, que fora o agente na Europa dos organizadores do «Armory Show», Walt Kuhn e Arthur B. Davies.
No seu artigo do catálogo, «Amadeo and America», Laura Coyle refere que o português foi «one of the hits of the show» e que «enquanto foi vivo obteve mais êxito na América que no seu país ou em Paris», sem esconder, no entanto, que ele viria mais tarde a ser «severamente julgado» pelo seu estilo «primariamente decorativo» e «romântico pós-impressionista», apreciações feitas sem sentido negativo por Arthur J. Eddy, que lhe adquirira três quadros. Essas mesmas telas, hoje pertencentes ao Art Institute of Chicago e as únicas localizadas de entre as seis (e uma aguarela) que ficaram na América, voltaram a ser expostas com a colecção de A. J. Eddy em 1922 e 1931-32, e de novo em 1944 e 1963 em mostras dedicadas à evocação do «Armory Show», enquanto a exposição «Paris-Nova Iorque», do Centro Pompidou, em 1977, também destacou a presença americana de Amadeo.
Laura Coyle avança com informações sobre a localização dos seus quadros na exposição de Nova Iorque, na mesma sala que Ingres, Gauguin, Signac, Puvis de Chavannes, Redon, Segonzac e Mary Cassat, bem como durante a posterior apresentação em Chicago, então na sala dos «cubistas», acrescentando dados inéditos sobre a identidade dos coleccionadores que compraram as suas obras e sobre as outras aquisições feitas por eles. A fortuna crítica de Amadeo na América e os esforços de Walther Pach para voltar a expô-lo em Nova Iorque, revelados em cartas do espólio de Paolo Ferreira, são outros tópicos de uma investigação exemplar que vem pôr a nu as insuficiências dos estudos portugueses sobre o pintor.
Outros textos de Kenneth E. Silver («Amadeo in the Tower of Babel») e Rosemary O'Neill («Modernist Rendez-vous: Amadeo de Souza Cardoso and the Delaunays») são dedicados à estadia e às relações parisienses do pintor de Manhufe e, o segundo, à convivência com Robert e Sonia Delaunay, que prosseguiria durante a permanência destes em Portugal, entre 1915 e 1917. A «influência» de Amadeo sobre Brancusi, já antes sublinhada em recentes retrospectivas do escultor romeno, o interesse pela pintura do Douanier Rousseau, a contribuição de R. Delaunay para lhe abrir as relações alemãs (Herwarth Walden e o Salão de Outono de «Der Sturm», em 1913) são outras pistas significativas.
O extenso catálogo editado em Lisboa inclui ainda um ensaio de José-Augusto França, que foi consultor da exposição, outro de Pedro Lapa, com um cunho teorético certamente deslocado, uma síntese biográfica de Joana Cunha Leal, comentários de Rui Afonso Santos a todas as peças expostas e alguma documentação (mas sem bibliografia, cronologia e lista de exposições). O design gráfico de José Brandão e Paulo Falardo (Atelier B2) é por vezes excessivamente «vistoso», com opções de duvidosa eficácia (reproduções sobre fundo negro, excesso de pormenores recortados, etc), embora também tire bom partido de alguns elementos iconográficos da obra de Amadeo.
Entretanto, é também a selecção das 53 obras expostas que distingue positivamente esta antologia das que foram levadas a Pesaro em 88, a Bruxelas durante a Europália'91 e a Madrid em 98. Condensada nos sete anos que vão de 1911 à insólita aguarela Sagrado Coração de Jesus, de 1918, inicia-se com Saut du Lapin, do Museu de Chicago, e, entre pintura e desenho, inclui 13 obras identificadas com o primeiro estilo de Amadeo, em que a elegância «arte nova» se abre às referências primitivistas e depois futuristas. Sem procurar a ortodoxia cubista, que nunca praticou, nem favorecer as dependências parisienses, esta é uma escolha que começa a fazer justiça à originalidade da curta obra de Amadeo.
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