Expresso Actual de 5 Abril 2003
Artes de consumo
Arte e Desenhos Publicitários. O Vício da Liberdade
Sintra Museu de Arte Moderna
Não se espere uma retrospectiva erudita sobre a história do cartaz ou da publicidade gráfica ao longo do século XX em Inglaterra, ou uma antologia que sintetize os seus exemplos maiores e a sequência dos estilos dominantes ou mais inovadores. A exposição não é isso. O que se apresenta é o espólio de uma empresa londrina de designers e impressores activa desde 1914 e um novo núcleo da Colecção Berardo. O espólio é um caso raro de conservação de originais de publicidade – estudos e artes finais – constituindo um acervo de cerca de 1500 peças que ilustram a produção comercial regular ao longo de décadas da James Haworth & Brother. O novo núcleo vem juntar-se à colecção de arte que foi sendo mostrada desde 1996, sem nela se integrar, a par de outras áreas dedicadas ao azulejo, à escultura africana, rochas e minerais e ainda espécies vegetais, agora anunciadas no «site» da Colecção Berardo e em parte já expostas no Funchal.
A exposição do museu de Sintra é uma primeira abordagem a essa colecção de «design» publicitário, revelando a sua extensão e riqueza antes mesmo que tivesse sido possível classificar e estudar com rigor os seus materiais. É também uma chamada de atenção para o interesse de uma arte aplicada que acompanhou (e estimulou) a transformação da economia e da sociedade desde finais do século XIX, fazendo da indução do consumo de massas o suporte indispensável para o desenvolvimento de estruturas industrializadas de produção de bens que satisfazem novas necessidades sociais de estratos cada vez mais largos da população. Enquanto arte aplicada, colocada ao serviço de uma utilidade prática e em princípio separada da vontade de autonomia que distingue em grande parte a tradição da arte (com maíuscula), a criação publicitária é em si mesmo um espelho (um instrumento e um reflexo) da transformação das sociedades modernas.
Nascido com o progresso da impressão litográfica a cores, por volta de 1870, o cartaz publicitário mereceu desde cedo o interesse de grandes artistas (Toulouse-Lautrec, por exemplo) e esteve especialmente associado à difusão internacional da Arte Nova. A exposição de Sintra, que adoptou uma montagem temática e não cronológica, coloca os materiais publicitários em diálogo com obras da colecção de arte, tomando por ponto de partida o aparecimento da Arte Pop, momento em que a arte comercial foi tomada por referência e modelo da criação artística, invertendo uma dinâmica anterior em que era a publicidade que procurava seguir os movimentos artísticos formais e os estilos decorativos.
Warhol e a sopa de tomate Campbell são um ponto de partida para o circuito do visitante, com a curiosidade da sua tela serigrafada, de 1965, ter sido mecanicamante repetida numa sequência de réplicas diante de uma pilha de latas actuais da sua série «classic». Lendária muito antes de Warhol, a Campbell Soup nasceu em 1897 quando o químico John T. Dorrance descobriu a maneira de condensar sopas que já se enlatavam desde 1869; o seu êxito comercial esteve directamente associado à promoção publicitária, na viragem do século, e a entrada da América na 1ª Guerra foi um segundo momento decisivo para a expansão da marca.
Idêntica é a história ainda mais antiga da marca Oxo que tem uma forte presença no início da exposição, dedicada ao bife e aos concentrados de carne, sob a égide da «pin-up» e do humburger de Mel Ramos (significativa chamada de atenção para a ligação entre a evolução da economia doméstica e do lugar da mulher). Foi o químico alemão Justus Liebing que inventou o extracto de carne em 1840, comercializado em frascos com o seu nome até à invenção do cubo característico em 1909. A publicidade na imprensa começara por volta de 1865. Usado na expedição de Scott ao Polo Sul, em 1911, fez parte das rações de combate na guerra de 1914-18, para a qual foram fornecidos cem milhões de cubos. Os cartazes desenhados por Louis Johnstone são já dos anos 20-30.
A montagem temática segue da alimentação para a área dos consumos de luxo (os prazeres), incluindo o tabaco, os espectáculos, o automóvel, o turismo, etc, e continua com núcleos dedicados à imagem da mulher, do homem, da família e da criança, para terminar com o tema da guerra. O facto de ser dominante uma produção publicitária «mainstream» favorece neste caso uma abordagem em que, para lá da apreciação estética, a dimensão sociológica e a observação da evolução dos gostos e dos costumes com o crescimento da sociedade de consumo ganha uma maior relevância. A acompanhar a exposição foi editado um álbum em que se reproduz uma selecção de peças mais relevantes da colecção, com prefácio de Alexandre Melo.
, até 21 de Setembro
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