Expresso Cartaz de 14/7/2001
"Lugares íntimos"
Susana Solano no Museu de Sintra
SUSANA SOLANO Esculturas e fotografias
(Sintra Museu de Arte Moderna, até 23 de Setembro)
Solana Solano é, cronologicamente, o terceiro nome de uma sequência espanhola de grandes escultores do ferro, depois de Julio González (1876-1942) e Eduardo Chillida (1924), e é como eles uma figura que transcende uma qualquer tradição ou dimensão nacional. González, em Paris - como outro notável escultor espanhol, Pablo Gargallo (1881-1834), cuja figuração em bronze fez um original uso do espaço vazio na criação de volumes -, inventou com o ferro forjado e soldado um escultura escrita no espaço, dando sentido tridimensional a linhas sem massa nem volume.
Chillida usou a forja para imprimir ao ferro maciço configurações abstractas, não-antropomórficas, com uma poderosa presença simbólica, que deram sentido moderno à necessidade civilizacional do monumento, aplicando depois a outros materiais (a madeira, o alabastro, o betão) a sua poética dos volumes recortados pela luz. Solano, nascida em 1946, não descende desses escultores já clássicos; surge no início dos anos 80, depois do modernismo, com uma obra já informada por outras referências internacionais, onde convergem e conflituam orientações diferentes entre si. Distanciando-se desde logo do formalismo minimalista, a sua obra recuperava uma dimensão poética subjectivista, explorando sem sentido mimético a possibilidade de nas formas e nos materiais se inscreverem as emoções e memórias de uma intimidade pessoal compartilhável com a imaginação do espectador em leituras diversas, de sentidos abertos, alusivos e também pessoais.
O Museu de Serralves apresentara a obra de Susana Solano em 1997, numa mostra conjunta com José Pedro Croft que acentuava alguns interesses comuns aos dois artistas. Agora, o Museu de Sintra abriu um largo espaço da sua área de exposição permanente, no segundo piso, para exibir uma dezena das suas esculturas recentes (datadas de 1998 a 2001), acolhendo parte de uma mostra que ocupou dois palácios de Granada, acompanhada por um catálogo comum que dá também a conhecer as instalações/ambientes concebidas para os seus espaços patrimoniais, obviamente não deslocalizáveis.
Às esculturas somam-se algumas obras fotográficas de Solano, construídas como montagens sequenciais de imagens a preto e branco, onde é determinante a presença figurativa, a acção e a intensidade emotiva. Independentes da produção escultórica, elas não valem como indicação dos seus possíveis referentes, mas sinalizam que a obra de artista é, de um modo sempre enigmático, o reflexo ou representação do que foi vivido e sentido, ou seja, que os seus espaços arquitectónico e as suas paisagens «abstractas» são sempre lugares humanos, corporais. Numa outra obra exposta, Varanasi III, de 2000, a fotografia torna-se escultura, mostrando em dois caixilhos metálicos, na parede e no chão, imagens coloridas que trouxe de uma viagem pela Índia.
A viagem interior pode caracterizar uma das dimensões principais da obra da escultora catalã. Os seus espaços físicos construídos nunca são o resultado de uma especulação formal destituída de ressonâncias simbólicas, mas também não se deixam identificar como reflexões ideais em busca de formas arquetípicas ou universais. Quando a artista aponta como direcção do seu trabalho o «converter a sensação e a recordação em presença, em espaço de arte», concede-lhe uma implícita condição autobiográfica, ainda que esta não surja nunca como anedótica ou transparente, nem tenha conteúdo expressionista. Os títulos dados às peças indicam muitas vezes a sua associação com experiências pessoais.
Em obras recentes, nomeadamente em algumas que agora são expostas, também assumem particular importância as viagens que a artista tem realizado pelo mundo, em especial pela África e Ásia. É, diz Solano, «uma aproximação a outros territórios como se fossem os meus, que também desconheço». Em duas das esculturas (Encima de una Alfombra e Elmina), a circulação entre culturas diversas traduz-se na apropriação dos tapetes orientais, que se associam às formas rígidas do ferro na sequência do uso habitual das redes metálicas, com que acentua o permanente jogo de tensões e oposições (horizontal e vertical, opaco e transparente, geométrico e orgânico, brando e rígido) com que se constrói o enigma constante da sua obra. Duas citações do belo texto de Aurora Garcia no catálogo iluminam a sua obra: «A missão das imagens é fazer ver tudo quanto permanece refractário ao conceito», escreveu Mircea Eliade; «a arte não existiria sem o mistério do inexplicável», diz Susana Solano.
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