Expresso Cartaz de 04-03-2000, pág. 5
As Tates do Milénio
A centenária Tate Gallery de Londres divide-se em dois museus: a Tate Britain e a Tate Modern
DEPOIS do polémico Millennium Dome, a Primavera de Londres vai trazer a divisão da centenária Tate Gallery em dois museus separados pelas margens do Tamisa. A Tate original, em Milbank, passa a designar-se Tate Britain e dedicar-se-á apenas à arte britânica, desde 1500 até à actualidade. Quase em frente fica a antiga Bankside Power Station, em Southwark, totalmente remodelada para dar lugar à Tate Modern, que irá acolher a colecção internacional, com início em 1900, e tem a ambição de se situar entre os três ou quatro maiores museus de arte moderna, em concorrência com o MoMA de Nova Iorque e o Centro Pompidou.
A abertura ao público da Tate Britain está marcada para o dia 24, mas já na quarta-feira, dia 9, aí se poderá visitar a exposição comemorativa dos cem anos da morte de John Ruskin. A Tate Modern, onde se verão igualmente artistas britânicos dos sécs. XX e XXI, tem a inauguração marcada para 12 de Maio. Uma ponte pedonal desenhada pelo arquitecto Norman Foster e o escultor Anthony Caro, a primeira nova ponte construída no centro de Londres desde 1894, liga as duas margens, diante da St. Paul's Cathedral. À frente da Tate Britain mantém-se o anterior director, Nicholas Serota <Serota é, aliás, o director geral de toda o complexo Tate>, e para a Tate Modern foi designado, já em 98, o sueco Lars Nittve, então director do Museu Louisiana, de Copenhaga, um dos mais influentes museus de arte moderna.
O programa de expansão da Tate Gallery, que desde 1950 mais do que duplicou o número de obras nas suas colecções e já ultrapassara os dois milhões de visitantes anuais, tinha-se iniciado com a abertura da Tate Liverpool em 1988 e da Tate St. Ives em 1993. Irá ainda prosseguir, na antiga «sede», com uma segunda fase de ampliação a inaugurar em 2001, aumentando 35 por cento a sua área de galerias. Os custos das obras na Tate Britain elevam-se a 32,3 milhões de libras assegurados por fundos privados e públicos, sendo 18,75 milhões oriundos da Lotaria inglesa. A Tate Modern ficará por 134 milhões, com 50 milhões da Comissão do Milénio e 6,2 milhões do Art's Council também assegurados pela Lotaria, mais investimentos substanciais da agência governamental para a reabilitação urbana e da autoridade local, além de contribuições individuais, fundações e «charities». Calcula-se que só o novo museu trará entre 50 a 90 milhões de libras de benefícios económicos directos para Londres e ajudará a criar 2400 novos empregos.
A estrutura e a imponente chaminé da central eléctrica projectada por Giles Gilbert Scott, que foi também o designer das cabines telefónicas vermelhas, foram conservadas pela dupla de arquitectos suíços Herzog & de Meuron, vencedora do concurso internacional para a Tate Modern. Em toda a extensão do edifício, uma caixa de vidro acrescenta-lhe dois pisos, ganhando luz natural para as galerias superiores e uma vista panorâmica sobre Londres, para além de, iluminada à noite, assegurar uma imagem forte do museu, bem visível junto ao Tamisa. As galerias distribuem-se por três pisos, com 14 mil metros quadrados, no total de área construída de 34 mil m2.
Entretanto, a primeira montagem da Tate Gallery of British Art, abreviadamente Tate Britain, vai trazer uma revolução às normas habituais da museologia. Apesar de expor obras que vão do séc. XVI até ao XX, a disposição cronológica convencional será abandonada a favor de um itinerário estruturado por temas-chave da arte britânica e da arte em geral, onde será possível encontrar inesperadas aproximações entre peças muito distanciadas no tempo e também entre diferentes «media» - por exemplo, colocando em conjunção um retratista do séc. XVIII como Reynolds e obras de Paula Rego, ou o pré-rafaelita John Everett Millais diante de uma escultura de Henry Moore, para além de os trabalhos sobre papel se integrarem na sequência da montagem. Os quatro grandes temas que estabelecem o itinerário inaugural traduzem a adopção de novas leituras sobre a arte que se distanciam do predomínio das concepções formalistas e evolucionistas dominantes ao longo do séc. XX, tal como sucede na exposição de balanço dos últimos cem anos apresentada pelo MoMA. Aliás, a própria lógica fundadora dos dois novos museus é contrária quer à tendência para separar a história e o presente em diferentes instituições (isolando o período moderno do passado e afastando depois o moderno do contemporâneo) quer à dissolução dos panoramas nacionais no todo internacional, opções que têm predominado em países periféricos.
A nova Tate Modern
Na nova montagem da Tate, o tema «Família e Sociedade» assinala como a pintura britânica, em consequência da Reforma, se reorienta desde o séc. XVI dos temas religiosos para o retrato e as cenas domésticas, seguindo até à produção de artistas recentes ou actuais como Bacon (secção sobre o retrato), Richard Hamilton («Home Life») e Gilbert & George («The City»). «Literatura e Fantasia» pretende rever a atitude do séc. XX que tomou o qualificativo de «literário», quando aplicado às artes visuais, como um argumento de desvalorização, reapreciando a importância das relações entre palavras e imagens, em três secções intituladas «A inspiração da literatura» (com Fuseli e Kitaj), «Arte Fantástica» e «Visões», de William Blake a Stanley Spencer e outros.
«Home and Abroad» é uma abordagem da tradição britânica da paisagem, incluindo a representações do território nacional e do estrangeiro e ainda «Imagens de Guerra», desde o séc. XVIII às duas guerras mundiais. Por último, «Artistas e Modelos» inclui retratos e auto-retratos de artistas e também uma galeria de nus, incluindo Lucian Freud. A montagem conta também, pontualmente, com espaços dedicados aos artistas britânicos de maior projecção («British Artists in Focus»), abrindo com Constable, Hogarth, Gainsborough, Blake e Hockney. Por último, haverá ainda salas especialmente dedicadas à exibição de aquisições dos últimos dez anos, de clássicos e de contemporâneos, como Damien Hirst.
Entretanto, a primeira grande exposição temporária da Tate Britain é dedicada a John Ruskin (1819-1900), considerado o maior crítico de arte, da cultura e da sociedade da Grã-Bretanha, o primeiro a estabelecer a sua reputação fazendo a defesa de artistas seus contemporâneos. «Ruskin, Turner e os Pré-Rafaelitas» (até 19 de Maio) inclui obras de Millais, Holman Hunt, Rossetti, Burne-Jones e do próprio Ruskin.
À data da inauguração oficial, a Tate exibirá também um conjunto de novas obras de Mona Hatoum (nascida em Beirute, em 1952) e a exposição «Paisagem Romântica: a Escola Norueguesa de Pintores, 1803-1833». A 6 de Julho, «New British Art 2000» (até 24 Set.) inaugurará uma série de exposições que se realizarão de três em três anos, sendo cada edição seleccionada em torno de uma ideia central, com a inclusão de artistas de várias gerações. Comissariada por Charles Esche e Virginia Button, contará com a presença de 20 artistas e anuncia-se como a maior exposição de arte contemporânea desde sempre realizada na Tate. A seguir, William Blake, a 9 Novembro, e ainda o sempre polémico Prémio Turner atribuído a jovens artistas.
Entretanto, abrirá a Tate Modern, com a sua colecção organizada também por núcleos temáticos, sem ordenação cronológica, incluindo salas monográficas e documentais, que procurarão explorar o contexto histórico e artístico de algumas obras individuais mais determinantes. Será mostrada a colecção de fotografia dos anos 1920 e 1930 do Victoria e Albert Museum, em resultado de um acordo estabelecido entre as duas instituições, uma exposição sobre os arquitectos Herzog & de Meuron e uma obra inédita de Louise Bourgeois, de muito vastas dimensões, realizada com o patrocínio da Unilever, a inaugurar um programa anual de encomendas para o «Turbine Hall» da antiga central.
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