"Tate puzzle"
Expresso / Revista de 27 Maio 2000
É o mais recente museu da era do turismo de massas e do «art marketing». A transformação da antiga central eléctrica é excelente arquitectura, e a montagem das obras de arte na Tate Modern propõe uma revolução, trocando a história modernista por percursos temáticos concorrentes. Com ganhos e perdas a discutir
O Guggenheim de Bilbau foi a atracção do fim da década, 2000 é o ano da Tate Modern. A capital basca revitalizou-se e é um destino turístico imensamente lucrativo; Londres já estava no mapa, mas ganhou um poderoso emblema de modernidade para entrar no novo milénio. Mais que um museu, a «new» Tate é um instrumento da «social engineering» com que o New Labour está a mudar a Old England. A economia dos lazeres toma o lugar das extintas actividades produtivas e das que a globalização deslocalizou para os continentes de mão-de-obra barata. A criatividade é só uma, das novas tecnologias da informação à invenção artística, e, na pior das hipóteses, a expansão da nova classe dos artistas, a única em crescimento, significará um subemprego de massas socialmente mais integrável.
A arte está na moda e movimenta multidões, quando as obras são chamadas a preencher novos projectos arquitectónicos suficientemente grandiosos para alterarem a configuração das cidades. Há muito que as catedrais foram substituídas pelos museus como pólos do reordenamento urbano; as peregrinações deram lugar à transumância dos turistas e as cidades concorrem entre si erguendo galerias sempre maiores. Se nos lembrarmos das exposições universais do séc. XIX, do Crystal Palace, dos Grand e Petit Palais ou da Barcelona modernista, veremos que a novidade é menor do que parece, e a arte então contemporânea também atraía milhões de curiosos. Com o séc. XX vieram as guerras modernas que arrasaram a Europa, e as vanguardas libertadoras distanciaram a arte do seu público de massas - o ciclo bélico e artístico parece fechar-se (a vanguarda era um destacamento militar avançado). Algumas mentes levianas dirão que se entrou na pós-história.
A Tate Modern ultrapassou o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque e o Centro Beaubourg - não em importância das colecções mas pela dimensão dos edifícios. Situada na deprimida margem sul do Tamisa, frente à catedral de S. Paulo, deverá atrair dois ou três milhões de visitantes por ano, 30% vindos do estrangeiro (o governo prometeu pagar seis milhões de libras/ano - metade do orçamento previsto, £12m, perto de quatro milhões de contos - para assegurar a gratuitidade dos acessos); trará benefícios económicos directos para a cidade calculados entre 50 a 90 milhões de libras anuais (como custou 134,5 milhões, o equivalente a 44,6 milhões de contos, poderá dizer-se que se paga em dois anos); ajudará a criar 2400 novos empregos na capital; servirá de «catalisador da regeneração de uma área chave do centro de Londres, encorajando o investimento público e privado e projectando ('highlighting') o Southwark como um aprazível lugar para viver e trabalhar». São dados do dossier de imprensa, mais abundante em informação sócio-económica (extraída do relatório McKinsey, de 1994) do que artística.
Do Millenium Dome ao Millenium Pier, com o novo miradouro da roda gigante, os equipamentos da margem sul passaram a concorrer com os tradicionais roteiros da Torre de Londres ao render da guarda em Buckingham Pallace, e oferecem «entertainement» e artes em doses inimagináveis. Ao complexo cultural do South Bank acrescentaram-se o Museu do Design, o «Museum Of» (!), galerias, lojas de design e esplanadas, a reconstrução do Globe Theatre de Shakespeare e, a coroar o circuito, a nova Tate Modern.
Para a instalar readaptou-se a imensa central eléctrica projectada em 1947 por Sir Giles Gilbert Scott, que foi também o designer das cabines telefónicas vermelhas de Londres. A Bankside Power Station apenas funcionou de 1963 a 81, sendo então condenada pelas preocupações ecológicas, mas foi poupada à demolição pela nova ideologia conservacionista. Uma jovem e então pouco conhecida equipa de arquitectos suíços, Herzog & de Meuron, ganhou em 1995 o concurso para a transformação do edifício, ao apresentar o projecto mais pragmático e minimalista, que conservava toda a sua carcaça monolítica e a utilizava como uma caixa vazia. Entretanto, quanto à colecção exposta, a Tate Modern também não é exactamente um novo museu, uma vez que foi destinada a acolher o acervo internacional de arte moderna e contemporânea, todo o século XX e o que se lhe seguir (incluindo os artistas britânicos que forem considerados internacionais), da antiga Tate Gallery, passando esta, rebaptizada Tate Britain, a exibir só arte britânica do séc. XVI ao presente. É óbvio que haverá com esta distribuição de britânicos pelos dois lugares insondáveis questões de partilhas e polémicas localizações.
Fundada em 1897 por Henry Tate, um industrial do açúcar que ofereceu à nação a sua colecção e a galeria de Millbank, a Tate tornou-se uma família de museus dirigida pelos respectivos «trustees» como uma instituição independente, dotada de fundos públicos anuais votados no Parlamento. Além das duas sedes londrinas, também conta com extensões em Liverpool, inaugurada em 1988, e em St. Ives, na Cornualha, desde 93, sendo todos os museus sustentados por uma mesma colecção e dependentes da direcção global de Nicholas Serota, o homem (agora Sir) que foi responsável pela enorme dinamização da velha Tate ao longo dos anos 90. De 85 a 96 o número de visitantes passou de um a 2,4 milhões, forçando-a por vezes a fechar as portas, e da sua vasta colecção, sempre em crescimento, apenas cerca de 15% podia ser exibida.
Em 1992, os «trustees» anunciaram a intenção de desdobrar o museu; em 95 (as coisas fazem-se com tempo...), a Comissão do Milénio atribuiu-lhe 50 milhões de libras e chamou-lhe um «landmark project». A Lotaria contribuiu com £ 56,2 milhões, a Agência Governamental para a Regeneração Urbana (English Partnerships) com £12m, o Arts Council Lottery Found com £6,2m e houve outras doações de fontes públicas, de privados e «charities». Foi respeitado o custo previsto de 134,5 milhões (mais um terço do preço do Guggenheim de Frank Gehry em Bilbau) e a data de inauguração cumprida. Só a abertura da Ponte do Milénio, desenhada por Norman Foster e o escultor Anthony Caro, a primeira a cruzar o Tamisa no centro de Londres desde há um século, ficou adiada por um mês.
Da central eléctrica restam as imensas paredes de tijolo amarelado sujo, ritmicamente rasgadas por frestas verticais e animadas por sóbrios relevos ainda Art Déco. A antiga chaminé central de 93 metros foi elevada com um cubo em vidro, branco e luminoso (que ainda não se vê na foto). Retirada toda a maquinaria e escavado o antigo pavimento, o hall das turbinas é agora uma larga rua coberta de 155 metros de extensão e 35 metros de altura que ocupa a metade sul do edifício, atravessada por uma breve mezzanine; na outra metade, elevam-se cinco pisos totalmente novos, com amplas zonas envidraçadas sobre esse vão interior, enquanto, do lado oposto, há janelas e terraços com vistas para o centro de Londres. O uso do ferro, do vidro e da madeira, contrastando a branco e preto com a carcaça de tijolo, é de uma sóbria elegância irresistível, e a luz torna-se um poderoso material construtivo.
Três daqueles cinco pisos, atravessados por escadas rolantes interiores, estão reservados a área de exposições (14 mil metros quadrados, num total de 34 mil de espaço utilizável), contando com 80 galerias de dimensões variáveis, com um belo soalho de madeira que se deixou mal afagada, iluminadas quase sempre por luz natural corrigida por fontes suplementares. Como o pé-direito é elevado, todos os equipamentos de ventilação, segurança e iluminação foram integrados no tecto ou sob o pavimento, assegurando um espaço inteiramente liso e limpo (mas as grelhas de ferro do chão, para climatização, interferem com o espalhamento de algumas instalações e com obras minimalistas). No piso térreo instalou-se uma enorme loja-livraria - «Tate defines the modern art of shopping» - e no cimo da central ergue-se a todo o comprimento (e metade da largura) uma galeria envidraçada que acrescenta dois andares aos cinco pisos internos, com um restaurante panorâmico e zonas de acesso restrito. Brilhantemente iluminada à noite, esta caixa de vidro dá uma nova força emblemática ao edifício, projectando-o a longa distância.
Em termos arquitectónicos e também quanto à desejada configuração da Tate Modern como museu anti-elitista e de massas, a comparação com o Centro Pompidou é determinante. Este é um museu que parece uma fábrica, aquela um edifício industrial convertido em equipamento museológico. Nos dois casos, o espaço público exterior prolonga-se para dentro do edifício, desenhando um acesso democratizado ao museu, utilizável como praça coberta e como miradouro sobre a cidade.
Em Paris, o Fórum, cuja frequência ociosa se tornou um complexo problema de gestão, dá passagem para as escadas rolantes exteriores e para os terraços, mas os espaços expositivos são preservados dessa circulação intensa (a procura dos espaços livres é incomparavelmente superior ao número de visitantes das exposições, aliás pagas). Em Londres, as escadas rolantes que dão acesso às varandas, miradouros, restaurante e bares atravessam o centro do museu, sendo as galerias de acesso gratuito (excepto no andar intermédio da mostra temporária, quase deserto). Com a multidão em movimento, carregada de mochilas e guiando carros de bebé, todo o museu e também as galerias são um sorvedouro de gente, um vertiginoso lugar de lazer e passagem. A referência deixa então de ser Beaubourg para se impor a comparação com a arquitectura dos centros comerciais. Não se espera que a frequência abrande após a primeira vaga de curiosos; o objectivo é mesmo atrair público aos milhões. Falar-se-á de democratização da arte, mas as condições de visibilidade das obras de arte, apesar de as galerias serem perfeitas, são drasticamente reduzidas - há vidros em todos os quadros e as esculturas e instalações são cercadas por cordões. O interesse pela arte passou para a alçada da política cultural, mas já é a engenharia social que domina. É o tempo do pós-museu.
E que expõe a Tate Modern? A resposta não é fácil. Ignoremos as vozes mais catastrofistas ou reaccionárias e socorramo-nos de um excerto de Martin Gayford no «The Spectator»: «Depois de vaguear por largo tempo, encontrei outro crítico de bloco de apontamentos na mão. Confessou-me que já lá andava há quatro horas e não lhe parecia ter feito grandes progressos. Há demasiado para absorver. Este lugar engole-nos.» O problema não reside só no gigantismo do espaço e no trânsito intenso.
Um museu de 56 galerias (mais 25 da mostra temporária no piso intermédio, «Between Cinema and a Hard Place», só de obras recentes, mas bem menos vivas que as instalações multimédia de «Sonic Boom», na Hayward Gallery até 18 de Junho) não se digere numa só visita. Mas neste caso é preciso ter em conta que a concepção tradicional dos itinerários museológicos, ordenados pela cronologia e segmentados em movimentos e tendências ou escolas, deu lugar a quatro sequências fragmentárias e mais ou menos aleatórias de exposições temáticas, intercaladas com espaços isoladas para alguns artistas, sós ou aos pares. Na Tate Modern, tal como acontece na nova montagem da Tate Britain - e quanto a esta a polémica pública tem uma extrema virulência -, o historiador-conservador deu a vez ao comissário («curator»), a cronologia deu lugar ao «puzzle», à colagem (ela foi, com o cubismo, a mais decisiva invenção artística do séc. XX) ou, se se quiser, ao «zapping».
É uma revolução. Como sempre acontece, traz aspectos positivos e perdas irreparáveis. Mas ela não acontece por acaso. Por um lado, muito pragmático, uma montagem cronológica tornaria gritantes as carências da colecção quanto a alguns segmentos históricos e ao número de obras-primas (um velho conceito que resiste, estabelecendo a clara vantagem do MoMA e do Beaubourg). Por outro lado, teórico, a ideia de que a arte moderna, desde Manet e os impressionistas, era um percurso linear de inovações e rupturas irreversíveis, percorrido por ismos sucessivamente mais radicalizados, tornara-se insustentável. Por exemplo, não só a pintura resistiu às suas sucessivas mortes anunciadas, como a supostamente inadmissível representação da aparência observável do mundo continuou a interessar, depois da fotografia e da arte abstracta, artistas inquestionavelmente de primeiro plano. A grandeza paralela de Pollock e Hooper (ausente da Tate Modern) não podia continuar por mais tempo a ser negada; os percursos solitários e de longa duração concorrem com a sucessão rápida e mais mediatizável das etiquetas colectivas. As obras tardias de Monet ou de Picasso não tinham deixado de ser admiráveis, embora já não fossem «revolucionárias». No fim do século, contra todos os interditos, há grandes artistas realistas ou narrativos como Balthus (ausente), Lucien Freud, Hockney, Kitaj e Paula Rego (os dois últimos só mostrados na Tate Britain).
A vulgata do progresso estilístico, que subordinava a pluralidade das situações modernas concorrentes entre si, bem como os itinerários pessoais, à ideologia de um modernismo linear e finalista que ia enterrando sucessivas convenções descartáveis, moldada pelo rolo compressor da história das formas e dos programas estéticos - do cubismo à abstracção, a redução à forma «pura» e à essência do «medium», até à desmaterialização das obras, à acção, ao conceito ou à apropriação indiferente - esgotou a sua credibilidade. E, à falta de interesse do público, nunca poderia sustentar um projecto de museu de massas como este. Para alguns, como acontece no programa de revisão do século que o MoMA está a levar a cabo, e também sucedia em excelentes montagens temáticas da anterior Tate Gallery, urge reexaminar as dinâmicas sobrepostas e contraditórias que o modernismo formalista e as suas degenerescências ocultavam. Para outros, trata-se só de adoptar uma última moda «curatorial», em mais uma cambalhota crítica, a coberto de um vago rótulo pós-moderno.
O que acontece na «new» Tate, dirigida por Lars Nittve (vindo do Louisiana, excelente museu da Dinamarca), não é a reconsideração séria do curso da arte moderna e/ou contemporânea. É a apressada substituição da lógica das rupturas e tendências pela afirmação simplista da continuidade dos conteúdos; a troca do evolucionismo histórico linear, antes consagrado como inevitável, por um «puzzle» entregue à arbitrariedade imaginativa dos comissários. A montagem recupera a antiga classificação dos géneros da pintura e estrutura-se a partir da paisagem, da natureza-morta, do nu e da pintura de história. Estabeleceram-se quatro itinerários distintos (quatro «estórias» paralelas), que são por sua vez constituídos por sequências de galerias subtemáticas, onde a (des)arrumação das obras, que com frequência poderiam «ilustrar» quaisquer outros tópicos, se faz através de justaposições tantas vezes acidentais e anedóticas (às vezes brilhantes). Entretanto, a desordem a-cronológica dos objectos - e a nova ideologia da acessibilidade da arte, à custa de explicações redutoras - impõe à colagem curatorial uma constante «assistência textual» e nesta impera uma insuportável ressonância do dialecto dos guetos do esquerdismo universitário ao serviço do «art marketing». Os textos explicativos de cada sala (sempre assinados - outra inovação, que se justifica) e os das tabelas das obras macaqueiam com o formulário politicamente correcto dos «culture studies» as piores memórias do realismo socialista e da revolução cultural. Exagero crítico? Claro que há na Tate Modern obras, disposições espaciais, sequências de salas, de notável qualidade e evidente inteligência.
Justapor um painel de nenúfares de Monet a um círculo de pedras de Richard Long proporciona especulações eruditas, mas o espectador julgará reconhecer que se trata de dois modos de representar a natureza (Long recolhe materiais e é a acção que importa, repetindo práticas arcaicas de relação ritual com a paisagem). Reunir uma natureza-morta de Cézanne e um relevo construído de Picasso a um «tapete» de Carl André e aos sólidos geométricos de Sol LeWitt, numa sala intitulada «O Desejo da Ordem», a abrir o itinerário «Natureza-morta/Objecto/Vida Real», é subordinar os primeiros a um programa formal escolar e a uma dimensão metafísica que não favorecem o entendimento das obras. Fazer suceder a uma sala dedicada às próteses e adereços das acções de Rebecca Horn, tristemente inanimados, a janela de um cubículo com uma bailarina de Degas (de bronze e rendas) é uma anedota. Na mesma secção «Nu/Acção/Corpo», opor os quatro estados sucessivos do «Nu de Costas» de Matisse (esculturas de 1913 a 1931), onde a reconsideração dos volumes avança para uma economia formal que intensifica a presença do corpo, com os guaches cinzentos voluntariamente indiferentes e vagamente pornográficos de Marlene Dumas não é mais do que um equívoco penoso para ambos. Quase todas as reportagens, mesmo as mais benévolas, sumariam estes e outros acidentes de montagem.
A estratégia é a do duche escocês: a sucessão brusca de objectos que transportam pesquisas e inquietações diversíssimas, sugerindo que se trata, afinal, de variações sobre os mesmos temas. Quase sempre reduzindo a complexidade de cada obra a um vector único e a uma chave redutora. Mas há sequências produtivas como a que conduz da sala «Vida Moderna», com naturezas-mortas e colagens cubistas e «merz», de Schwitters, à projecção do filme «Ballet Mecânico», de Léger, 1924, e depois à galeria que inclui Strand, Man Ray e Moholy-Nagy (fotogramas), Atget, Weston, Renger-Patzsche, Kertesz, conjugando abstracções e realismos fotográficos, a que se seguem cenas de intimidade doméstica («Vidas Íntimas») pintadas por Vuillard, Bonnard, Dérain e também a «desfiguração» dos actuais Auerbach e Hodgkin. Novo ziguezague, Duchamp e Picabia...
Há justaposições eficazes como a de Giacometti com as zonas de cor do místico Barnett Newman; desafios estimulantes como a inclusão dos minimalistas no itinerário do nu («The Perceiving Body», a relação com o espaço e a escala é uma experiência corporal); galerias ricas e divertidas como a dos «Objectos Subversivos», de origens dadá-surrealista e outras (muitos são metamorfoses de corpos, mas surgem na continuidade da natureza-morta); há a capela obscurecida de Rothko e uma individual surpreendente com as esculturas construídas e estereométricas de Naum Gabo, de 1915 aos anos 40, que partem de uma inicial base figurativa mas são mostradas no percurso «História/Memória/Sociedade» (entre uma sala que confronta abstraccionismos e realismos sociais do primeiro pós-guerra e logo outra ocupada pelos neons de Dan Flavin, anos 60-70). Entretanto, ao contrário do que se poderia esperar, a representação das jovens vedetas da «BritArt», os YBA (young british artists), é manifestamente escassa. E até são velhos mestres como Stanley Spencer e David Bomberg, ou Bacon e Patrick Caulfield que surgem valorizados.
O espectador empenhado terá um trabalho insano a entender as intenções dos comissários e depois a livrar-se delas para poder relacionar-se com as obras e os artistas, para os situar nos respectivos tempos históricos e, quando tal é possível, apreciar como resistem à cronologia, transcendem a expressão dos modelos e gostos conjunturais, permanecem contemporâneos - frescos e activos. O visitante despreocupado é arrastado pelo fluxo da multidão, deter-se-á diante de uma ou outra curiosidade avulsa e talvez acredite que, através da continuidade dos temas, tudo se equivale. Quanto à Tate Modern, após a benéfica implosão do vanguardismo formalista, a confusão criada pela moda dos temas, pré e pós-modernistas, dará certamente lugar a uma mais feliz reinvenção das funções do museu, que se quer templo nem feira.
No hall das turbinas foram instaladas quatro enormes esculturas de Louise Bourgeois. Três são torres metálicas que sugerem observatórios, a cujas plataformas se trepa por escadas em caracol. Sobe-se sozinho ou aos pares, e junto a cada uma está um guarda que disciplina a fila dos curiosos. Há uma ironia perversa nestes locais de observação solitária erguidos num espaço destinado à circulação de grandes massas e que são, afinal, miradouros inúteis perante a multiplicidade das janelas sobre o mesmo espaço. Sobre a mezzanine, uma imensa aranha de bronze é uma presença que alguns verão como ameaçadora e repulsiva; é um emblema pessoal da artista e uma figura de íntima ressonância afectiva associada à memória da mãe e à antiga actividade familiar de restauro de tapeçarias. A escultora franco-americana de 88 anos é «difícil de classificar», diz o manual. Como acontece aos grandes artistas, as obras escapam por entre as malhas dos reducionismos palavrosos que servem de explicações para o «puzzle» exposto na estreia da Tate Modern.
www.tate.org.uk
Publicações:
«Tate Modern, The Handbook» (o edifício, a concepção da montagem, 100 artistas de A a Z), 248 págs., £16.99;
Revista «Tate» (special issue), «Modern Art in a New Light», £3,5;
Nicholas Serota, «Experience or Interpretation. The Dilemma of Museums of Modern Art», Thames & Hudson, 64 págs., £7,95
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