Fui esperando que do lado do teatro, ou do espectácuilo em geral, surgissem comentários sobre a exp. do CCB que o relaciona com as artes plásticas. Até agora, já a menos de um mês do encerramento, nada, ou muito pouco. Os compartimentos parecem estanques, mesmo quando os desafios querem ser multidisciplinares. Do lado das artes plásticas vários intervenientes sublinharam a importância da exp., mas apenas ecoaram as informações disponibilizadas.
La Mano Ernesto Giménez Caballero e Ramón Gómez de la Serna, 1928-30? (You Tube)
Passam por lá vários sentidos de anti-teatro e a sua história: contra o teatro burguês ou de "entretenimento" (apesar do culto do burlesco, do cabaret e da feira popular, "fête foraine"); contra a ilusão, a representação, a separação ou distância entre actores e espectadores. Contra o palco e/ou o texto. Em nome da acção, da partilha, do ritual, do humor ou do sacrifício, da guerrilha e da revolução, etc. A única classificação de conjunto seria a de vanguarda - como um sentido mais ou menos original de rejeição do que seria estabelecido, maioritário, consensual ou tradicional -, mas as propostas que se sucedem no tempo ou pelo menos no espaço da exp. também divergem muito entre si e algumas até se combatem (por exemplo o "letrismo" de Isou contra os happenings de Jean-Jacques Lebel, a que chama Crazy Horse à la crème).
É uma espécie de catálogo ou mesmo de genealogia do que foi subversivo ou marginal - e por vezes já são só umas brevíssimas minudências recuperadas como restos museológicos.
Com uma sequência final de problemático sentido sucessório, e de problemático sucesso, certamente entorpecida ou entorpecente. Quando se vai buscar o juízo de Michael Fried sobre o minimalismo, isolando-o de toda a sua longa reflexão sobre a pintura francesa, desde Chardin (e desde os escritos de Diderot), enquanto estética da antiteatralidade - é só uma das habituais tropelias da crítica da arte.
Na sua extensão imensa, na sua enorme acumulação de documentos e obras (de arte: objectos, instalações, projecções), faltará ao espectador informação para reconhecer e/ou situar as figuras de menos notoriedade - apesar de alguns escritos de parede ao longo de 12 estações ou capítulos, a mostra está perto de ser como uma enciclopédia a que faltasse o texto - com inúmeras imagens, mas sem texto. Não é fácil o percurso do visitante - e mesmo que repita várias vezes a visita, e vá estudar para casa, continua a ser mesmo muito difícil. O catálogo (caro, 58 euros) ajuda, mas é mais outro puzzle a decifrar.
De facto está lá todo o século XX, ou melhor, estão lá as suas margens: às vezes presenças incisivas (como Artaud, Kantor, Beckett), outras vezes anedotas ou acidentes fugazes.
Valeria a pena equacionar o que há de comum entre as vanguardas artísticas e as vanguardas políticas, e alargar às primeiras o que se aprendeu com e sobre as segundas. Há uma impunidade levianamente divertida (uma aparência de diversão, um ar de "variedades") nos excessos artísticos, enquanto os excessos políticos se avaliam como erros e crimes.
Mas importa igualmente atentar no juízo formulado por um dos mais notórios activistas, o mesmo Jean-Jaques Lebel, sobre o presente: "Quando constatamos o estado em que o 'mundo da arte' se encontra hoje em dia e em como a grande maioria dos artistas se transformou em escravos obedientes do mercado, podemos apreciar a intuição de (Félix) Guattari, que previu uma "nova era glaciar" como reacção às sublevações dos anos sessenta. (...) Mas mais cedo ou mais tarde, o balancé vai voltar a pender para o outro lado. Novas revoltas irão surgir por força das circunstâncias, e alguns artistas encontrarão o seu lugar aí naturalmente." Cat. pág. 45. Que crédito merece esta apreciação do presente, o que ficou dos esquerdismos dos anos 60, que valor atribuir à teoria do balancé, à crença nas futuras revoltas, à ideia do lugar do artista?
Para alguns, a exp. do CCB é um revisitar de memórias pessoais (directas e indirectas) e é através dessas experiências que se estabelece o confronto com as informações e os objectos - vestígios mais ou menos (des)-mitificados.
Existe tb a possibilidade de algumas curiosas descobertas: numa via espanhola, os filmes de Ernesto Giménez Caballero (que veio a tornar-se logo um importante intelectual do franquismo) feitos com Ramón Gómez de la Serna: El Orador ou La Mano e Esencia de Verbena, de 1930, logo na 1ª sala, ao lado do Cabaret Voltaire e Schwitters. Depois o caricaturista Bon , com os seus carros e as conferências mudas (foi tb um dos frequentadores da tertúlia do Café Pombo, que o grande pintor José Gutiérrez Solana "imortalizou" em 1920 num quadro que está no Reina Sofia). A seguir as fotografias surrealistas de Maruja Mallo, do fim dos 20 e depois do exílio no Chile, em 1945.
... a L+arte publicou na edição de Janeiro um texto sobre a exposição...
Posted by: Pedro Faro | 01/23/2008 at 16:02