Fotografar a Arquitectura
Foi talvez a maior operação fotográfica levada a cabo em Portugal, pelo menos até à data (1955-1961), e o seu resultado é um marco, ou melhor, um mapa, de míticas dimensões. Na sua história, António Sena chama-lhe uma obra prima de fotografia e paginação, mas dedica-lhe apenas um pequeno parágrafo escassamente informativo. Trata-se do livro Arquitectura Popular em Portugal onde se condensa o Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa realizado pelo então Sindicato Nacional dos Arquitectos. Keil do Amaral (que também mostrou fotografia em várias das Exposições Gerais) esteve no seu início e foi um dos autores (Zona 3 Beiras), mas é provável que as primeiras referências ao projecto de um levantamento arquitectónico tenham sido enunciadas por Francisco Castro Rodrigues logo em 1945, durante uma Missão Estética de Férias da Academia Nacional de Belas Artes, em Évora...
António Menéres, então muito jovem finalista de arquitectura, integrou o grupo que fotografou a Zona 1, do Minho a Coimbra, com Fernando Távora e Rui Pimentel (o Arco do 1º neo-realismo). São fotografias reimpressas a partir do seu arquivo pessoal e profissional que se expõem na Torre do Tombo, numa mostra itinerante desde 2004, vinda da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, sob a responsabilidade do arq. Mário João Mesquita.
"António Menéres, Dos Anos do Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa" visita-se na TT só até dia 22 de Fevereiro, nos dias úteis das 10h às 19h e aos sábados das 10h às 12h.
Mostram-se 70 provas de médio-grande formato, impressas como painéis e estes expostos em sequência, acompanhadas por extractos de um diálogo memorialista com o arq.-fotógrafo. À entrada estão uma Leica 3B e a anterior Zeiss Ikon, com que em 1953 fez a 1ª foto apresentada, de um carrinho de gémeos encontrado perto de Bragança. Para além das construções, lugares e paisagens, algumas provas voltam-se para as pessoas, e em especial para as crianças: três numa janela de guilhotina, na Serra d'Arga, 1964; uma menina em Aldeia de França, 1961; o rapaz de Landim, Vila Nova de Famalicão, 1961. Há também o caçador e o lobo morto passeado em dorso de burro pela aldeia de Espinhosela, Bragança, 1961, e por vezes a câmara capta outros visitantes como os muito jovens António Quadros ou Álvaro Siza.
A capa cartonada do exemplar nº 74
Depois, o essencial são as soluções construtivas, as opções formais adequadas aos lugares e aos materiais, a austeridade essencial e arcaica dos edifícios, certas e pobres, em perfeitas respostas às asperezas da paisagem. Os espigueiros, os quartéis de peregrinos, a capela de Santa Madalena (no Lindoso), os pombais, os armazéns e aprestos nas praias de Âncora, etc. Sempre com a legendagem evocativa. Fotografias até 1967, no Algarve; mas em especial Vilarinho das Furnas, o Gerês, o Lindoso.
No espaço muito vasto da galeria da Torre do Tombo, solene e despido, a montagem é de uma pobreza insólita, estranha, depois cativante, e passam num espaço ao lado reportagens ou documentários da RTP, com qualquer relação provável ou função de acompanhamento sonoro (é o hábito das instalações "multimédia", a companhia da tv sempre ligada, o entreter do ouvido).
O catálogo não se encontrava disponível, mas, graças à disponibilidade de uma funcionária que se multiplicou em telefonemas (não havia indicações de preço, nunca ninguém perguntara por ele), foi-me depois cedido condicionalmente - é uma tb estranha edição que refere tiragem de 100 exemplares. O formato quadrado justifica as provas inteiras à esquerda em pequena dimensão e os pormenores reenquadrados à direita, mas tb falta nitidez e densidade nos pretos. Podia ter mais qualidade gráfica, e mais ambição editorial, com retorno provável. Domingos Tavares escreve sobre os anos do Inquérito, hesitando por memórias em segunda mão que ora se implicavam no estilismo internacional modernista ora se consideravam interessadas nas tradições, embora modernas e críticas, recorrendo às observações da ainda então patente sabedoria regional; por esse tempo, o Povo e a sua "verdade" eram disputados pelo conservadorismo do regime e por algum oposto progressismo cultural que recolhia as últimas músicas, os últimos contos, os últimos artefactos, etc.
A reprodução da foto original no interior do volume
A informação oficial diz:
"Na sequência de uma iniciativa da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP) e do jornal “O Primeiro de Janeiro”, e tendo por base uma selecção de fotografias (70) realizadas a partir do arquivo profissional do arquitecto António Menéres, a Exposição que agora se apresenta na Direcção-Geral de Arquivos (DGARQ) e Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT) tenta dar a conhecer uma certa realidade arquitectónica, antropológica e etnográfica do Portugal Contemporâneo, através de um percurso fotográfico resultante da acção do arquitecto António Menéres enquanto membro da equipa da Zona 1 do Inquérito produzido pelo Sindicato Nacional dos Arquitectos no final dos anos 50 e tornado público no ano de 1961.
O resultado deste trabalho é uma Exposição itinerante, que já esteve exposta na FAUP e no Arquivo Distrital de Braga/Unidade Cultural da Universidade do Minho e que agora se apresenta em Lisboa, acompanhada de um Livro/ Catálogo (disponível para aquisição na Loja da DGARQ/ANTT < o que no local não se confirmava>) que fixa e amplia a dimensão do material expositivo."
Octávio Lixa Filgueiras, José Huertas Lobo, Nuno Teotónio Pereira, Francisco da Silva Dias, Frederico George, Artur Pires Martins, Celestino de Castro foram outros dos autores do Inquérito.
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