Arco Pinharanda
24-01-98
1 "Arco: a arte do mercado de arte"
João Pinharanda, responsável pela selecção das 18 galerias que representam Portugal como país convidado da próxima edição da Arco e comissário da exposição «Observatório»
JOÃO Pinharanda, crítico de arte e jornalista do «Público», é o responsável pela selecção das 18 galerias nacionais convidadas a participar na feira de arte de Madrid, Arco (de 12 a 17 de Fevereiro), onde Portugal sucede à Alemanha e à América Latina como país em destaque. Uma presença que pretende ser «um panorama do mercado: a arte portuguesa com a qual as galerias portuguesas trabalham».
EXPRESSO - Quais são as suas responsabilidades como comissário?
JOÃO PINHARANDA - A direcção da feira de Madrid pediu à Associação Portuguesa de Galerias de Arte para indicar um nome que pudesse ser convidado para fazer a selecção, e eu fui escolhido, por maioria. O nome foi comunicado a Espanha e fui nomeado pela Arco. A partir daí não sou o representante das galerias portuguesas junto da Arco, pelo contrário, sou representante da Arco.
Quanto às funções, tratou-se de escolher as galerias que iriam participar, apenas com uma restrição, que me pareceu razoável: não levarem artistas estrangeiros, mesmo no caso de com eles trabalharem regularmente, exceptuando os estrangeiros residentes. Outra função inerente foi a de designar alguns nomes (Augusto Alves da Silva e Pedro Moitinho) para os «Recorridos Fotográficos», que este ano vão ter um novo fôlego, com uma sessão de apresentação pública do trabalho dos fotógrafos.
EXP. - Também intervém na escolha dos artistas a apresentar pelas galerias?
J.P. - Nunca forcei ninguém a apresentar qualquer artista, nem acho que tal fosse correcto. Já bastam as várias perversões do processo, que começam no facto de as galerias terem de ser subsidiadas para estarem presentes no mercado e haver um indivíduo que vem de fora, com critérios que não são comerciais, escolher as galerias.
Antes de falar de nomes, tentei junto das galerias outro tipo de orientação: que não levassem um número excessivo de artistas, para impedir a cacofonia visual, no que já é a confusão da feira.
Depois, em função da realidade do mercado, achei que era impossível fazer restrições cronológicas que dessem, em especial, uma imagem dos artistas surgidos nos anos 90 e 80. Achei que era correcto procurar fazer coincidir o mais possível a realidade do mercado com a realidade da arte portuguesa, num percurso que vem dos artistas dos anos 60 que continuam actuantes até aos anos 90. Mas há sempre a restrição dos artistas que não trabalham com as galerias.
EXP. - Existem direcções de trabalho pouco compatíveis com o mercado galerístico...
J.P. - A arte feita nos anos 90 não é tão visível porque há artistas que ainda não estão presentes no mercado ou que, pela lógica do seu trabalho ou pela crise de que se fala, não se integram no mercado e só conseguimos ver em colectivas ou em situações institucionais. É mais na parte final que há falhas, mas são falhas do mercado... A presença na Arco não é uma exposição de arte portuguesa contemporânea, é um panorama do mercado: a arte portuguesa com a qual as galerias portuguesas trabalham.
EXP. - E houve, entretanto, algumas galerias que encerraram...
J.P. - O problema do encerramento das galerias (Alda Cortez, Graça Fonseca e Hugo Lapa) foi muito complicado e caiu em cheio na altura final da escolha. Mas, em certa medida foi compensado pela absorção por algumas galerias - significativamente, do Norte - de artistas que estavam nas galerias de Lisboa que, por razões várias, fecharam.
EXP. - Que critérios presidiram à escolha das galerias?
J.P. - Em primeiro lugar há uma zona não selectiva, com integração de todas as galerias que iam habitualmente à Arco - não fazia sentido fazer uma selecção entre as que já eram regularmente aceites. Depois, procurei recuperar galerias que tinham deixado de ir à feira e que dão imagens significativas do mercado da arte em Portugal: a 111, a Luís Serpa e a Módulo (esta não vai, argumentando que tem outros interesses e que se os apoios estatais fossem dados para Madrid não seriam repetidos para outras feiras que lhe interessam mais). Por último, quis apanhar um leque de novas galerias que entretanto tinham surgido, já com os dois anos obrigatórios de existência, e também outras que têm uma localização periférica, ou geográfica (a Porta 33, do Funchal) ou de nicho de mercado e tipo de trabalho, ou que poderiam levar um artista que iria suscitar um interesse suplementar, estratégico, como o Álvaro Siza (Gal. Dário Ramos).
EXP. - Por outro lado, há uma diversificação das representações, com dez colectivas de galeria e oito presenças individuais apresentadas como «project rooms».
J.P. - Isso serviu para resolver uma questão muito prática, do número de galerias a apresentar no espaço disponível, integrando na representação portuguesa uma solução que se repete noutra área internacional da feira, o sector dos «Project Rooms». Trata-se de uma presença individual, uma instalação ou um projecto especial, num espaço mais pequeno e que pode por isso estabelecer uma imagem mais forte. Foi aí que houve a possibilidade de introduzir alguns nomes mais recentes, como Paulo Mendes, Rui Serra, Rigo ou Miguel Soares.
EXP. - Para além da presença na feira, é comissário de uma outra exposição paralela.
J.P. - Será a exposição «Observatório», no Canal Isabel II, que é um antigo depósito de água, um edifício de estrutura de ferro do final do século com um cilindro de três pisos interiores. Começou por ser uma exposição de fotografia, dando uma imagem das novas tendências da fotografia portuguesa, numa área de contaminação.
Com o desenvolvimento do trabalho, integrei também o vídeo e as instalações. Estão representados Manuel Valente Alves, Noé Sendas, Cristina Mateus, José Maçãs de Carvalho e Miguel Soares, com vídeo-instalações, Luís Campos, Inês Gonçalves, Nuno Cera, Albano Silva Pereira, João Paulo Serafim, João Mota, com trabalhos fotográficos, e também Fernanda Fragateiro e Patrícia Garrido.
A ideia não tem nada a ver com o observatório astronómico: veio de uma reflexão um bocadinho irónica sobre os actuais observatórios do social e do real, que fazem estudos sociológicos.
Trata-se de pensar como é que a arte pode funcionar como observatório do real, mas retirando do projecto observações que fossem demasiado subjectivas ou programáticas.
Entretanto, o Augusto Alves da Silva, que eu também escolhera, é apresentado no Rainha Sofia, no âmbito de uma série de exposições de fotógrafos europeus.
2 "Madrid além da Arco"
07-02-98
ESTÁ longe de esgotar-se na oferta portuguesa o panorama madrileno extra-Arco, apesar de se ter desvanecido o luxo de outros tempos. «O Triunfo de Vénus. A Imagem da Mulher na Pintura Veneziana do Século XVIII», no Museu Thyssen, é um dos títulos em destaque. Como atracção principal está presente a obra-prima do escultor neo-clássico António Canova, As Três Graças, já de 1817, que foi recentemente adquirida em conjunto pelo Victoria and Albert Museum e a National Gallery da Escócia, no termo de uma grande campanha que impediu a sua transferência para o Museu Getty de Los Ângeles.
O barão Thyssen-Bornemisza foi um dos generosos doadores, o que explica o empréstimo da escultura, para o que se diz ser a sua última viagem.
Mas antes passar-se-á por uma mostra excepcional que vem desde o barroco aos tempos finais do esplendor veneziano e que inclui obras de Tiopolo (Giambattista e Giandomenico), Canaletto, Francesco Guardi e Pietro Longhi.
«Pintura Alemã do Século XX», na Caja Madrid (Plaza de San Martín, 1; 11-14h30 e 17-20h, domingo só de manhã), é outra exposição a não perder. O itinerário histórico comissariado por Christoph Schreier, do Kunstmuseum de Bonn, vem desde o redescoberto Lovis Corinth até às últimas décadas, com passagem por Nolde e os grupos expressionistas, Kandinsky e Klee, Jawlensky, Schwitters, Schlemmer, Otto Dix e Max Beckman, Max Ernst, etc. Mais Wols e Hartung, Richter e Polke, Kiefer, Baselitz, Penk e outros nomes que são menos conhecidos.
Voltando aos «clássicos», há que referir o pintor e gravador inglês William Hogarth (1697-1764), apresentado como «Conciencia y Crítica de una Época», com 154 estampas, mostradas na Calcografía Nacional da Real Academia de Bellas Artes de San Fernando (Alcalá, 13) e no Centro Cultural del Conde Duque. É no primeiro local que se mostram as «séries morais» formadas por «A Carreira das Prostitutas», «A Carreira do Libertino» e «O Casal à Moda», juntamente com as ilustrações para o seu tratado teórico Análise da Beleza.
Quanto ao Museu Centro Rainha Sofia, está este ano ocupado apenas com artistas espanhóis (a excepção é Augusto Alves da Silva, no «Espácio Uno»), sintoma da involução nacionalista depois do cosmopolitismo socialista de anos anteriores. No programa, desenhos de Pablo Gargallo, Eduardo Arroyo e Alcolea, além de Cristina Iglesias ocupando com as suas esculturas o Palácio Velazquez, a comprovar que não foi apenas uma vedeta dos «anos 80».
Na sede da Fundação La Caixa (Serrano, 60), a oferta é também nacional, com «Territorio español. 10 años de Colección Testimonio», mostrando 50 pinturas, esculturas e instalações da última década, numa escolha «plural e antidogmática», segundo a comissária Rosa Queralt.
Para reflectir sobre a problemática local-global, para além das presenças portuguesas, pode ainda visitar-se a mostra «Arte en Canarias: Identidade y Cosmopolitismo», no Círculo de Belas-Artes. Óscar Domínguez, Manolo Millares, Juan Hidalgo, Martín Chirino são alguns dos artistas originários das ilhas atlânticas.
3 "Arte portuguesa causa decepção em Madrid "
1º caderno de 14-02-98
AS GALERIAS portuguesas presentes na feira de arte contemporânea de Madrid (ARCO) não conseguem ocultar a fragilidade do actual panorama artístico nacional, embora algumas exposições oficiais já inauguradas noutros locais equilibrem parcialmente a situação. A Imprensa espanhola fala de «decepção» a respeito do pavilhão português na ARCO, mas parece existir um clima geral de expectativa favorável ao estreitamento dos contactos culturais entre os dois países.
A deslocação de Guterres a Madrid e a visita dos dois primeiros-ministros à área portuguesa da ARCO (pavilhão da Gulbenkian, galerias e «stand» da Expo) reforçaram claramente o objectivo estratégico atribuído à representação cultural em Madrid - conjugar a situação de país convidado na ARCO com a promoção da Expo. Entretanto, a oferta artística portuguesa é largamente destacada nos roteiros, convidando os espanhóis a descobrir o «vizinho desconhecido».
Na feira, a selecção das 18 galerias convidadas foi demasiado abrangente e tem óbvios desequilíbrios de qualidade - aceitáveis em termos de mercado, mas menos legítimos numa representação exterior. O conjunto terá sido fragilizado pela intenção de restringir a representação apenas a artistas surgidos desde a década de 60, dispensando nomes de mais longa carreira e outros que algumas opções críticas ou institucionais tendem a marginalizar.
A presença de uma instalação de escultura de Álvaro Siza, na galeria Dário Ramos, do Porto, é uma das notas salientes do pavilhão português. Não se tratará da revelação de uma nova carreira de escultor, mas o desafio foi resolvido com imaginação e humor, desenhando no espaço, com ferragens recuperadas, as figuras de David e Golias.
Arte pública falhada
Entretanto, Leonel Moura aplicou sobre uma imensa fotografia de Guernica a palavra Timor, numa obra com sentido de oportunidade (ou oportunismo) e com impacto mediático. Fora do pavilhão português, em galerias espanholas ou internacionais, encontram-se também obras de artistas nacionais, nomeadamente de Julião Sarmento, Cabrita Reis, José Pedro Croft, Rui Chafes, Leonel Moura, Fernanda Fragateiro e também de Paula Rego, José de Guimarães, Costa Pinheiro e David de Almeida.
Em espaços exteriores à feira, Amadeo de Souza-Cardoso é mostrado na prestigiada Fundação Juan March, o jovem fotógrafo Augusto Alves da Silva está no museu Rainha Sofia (em resultado de um convite espanhol), com uma mostra de grande interesse, e Helena Almeida inaugurou uma antologia das suas obras de suporte fotográfico na Casa de América, outro lugar central. Hoje abre uma vasta mostra colectiva de instalações fotográficas escolhidas por João Pinharanda, no Canal Isabel II, e o programa vai continuar com uma retrospectiva da arquitectura portuguesa do século XX, já mostrada em Frankfurt.
Totalmente falhada é a presença promocional da Expo no espaço da ARCO, dedicada à apresentação de maquetas de «arte pública» e projectos de artistas para pavimentos em calçada portuguesa. Mas, se nem sempre uma maqueta tem visibilidade como objecto de exposição, aqui algumas adivinham-se de muito duvidosa eficácia, fazendo pensar que as cumplicidades críticas e geracionais se impuseram mais uma vez à escolha de artistas com provas dadas em intervenções de decoração de espaços públicos. O pior ainda é que todo o «stand» é subjugado por efeitos de «sobre-design», num espaço enorme e inóspito. Limitados a pequenas fotos de parede ficaram os projectos de arquitectura da Expo, que se prestariam a uma muito mais convincente ocupação do espaço e promoção do evento.
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