3 "O eixo ibérico"
20-2-99 revista
Madrid organiza a sua feira de arte como um espectáculo de massas e acompanha-a com um imenso festival de exposições em museus e fundações. Com a participação de 17 galerias, Portugal teve uma presença reconhecida que também se traduziu numa boa resposta dos coleccionadores. Mas o grande acontecimento decorreu à margem da Arco. Foi a inauguração de uma mostra individual de Paula Rego onde se apresenta uma série inédita de pinturas dedicadas ao tema do aborto clandestino
A ARCO é uma feira de arte que não tem paralelo em outros países. Embora se trate de uma operação de mercado dirigida aos coleccionadores e ao público especializado, como sucede com as suas congéneres, é promovida como o maior acontecimento artístico do ano em Espanha e atrai uma multidão imensa (170 mil pessoas) que vem de toda a Península para saturar os pavilhões como armazéns em saldos, pagando 2000 ou 3000 pesetas pela entrada.
Sendo por definição uma feira de galerias, é sustentada e em grande
parte tutelada pelos círculos institucionais, restringindo fortemente a
admissão das galerias espanholas, com base em problemáticos critérios
de qualidade e inovação, mas oferecendo cada vez mais espaço, gratuito
ou muito favorecido, a galerias estrangeiras escolhidas por
críticos-comissários e directores de museus. A par do país convidado, a
França, acolheu este ano a América Latina, países nórdicos e do Leste,
para além das áreas atribuídas à «arte emergente» («Cutting Edge») e a
instalações ou vídeos («Project Rooms»), com aumento das representações
de museus e colecções públicas. O âmbito real da feira foi-se
reduzindo, desde há vários anos, a uma vocação ibérica ou, na melhor
das hipóteses, ibero-americana, mas os responsáveis pela Arco
aplicam-se em transformar a «arte jovem» ou de vanguarda num
espectáculo de massas, ao mesmo tempo que, a pretexto de contactos e
colóquios, fazem concentrar em Madrid, graças a centenas de convites,
todo o «mundo da arte» internacional, como se se tratasse de uma Bienal
de Veneza ou de uma Documenta.
Em simultâneo, a cidade oferece uma imensa programação de exposições
em museus e galerias de bancos ou fundações, com a aparência de um
verdadeiro festival e em geral de grande qualidade, mas a que o turista
de fim de semana dificilmente poderá aceder, até porque o público é
sempre em excesso. Não é por acaso que se escolhe para a Arco o período
do Carnaval: o turismo artístico, para além de ser um dos argumentos da
centralidade peninsular de Madrid, expõe-se abertamente como um dos
ramos mais agressivos da indústria cultural, exacerbando todas as
contradições em jogo. A conjuntura económica foi favorável às vendas,
mas as tensões entre o mercado e as políticas da cultura chegaram às
primeiras páginas dos jornais e estão à beira de explodir.
Quadro de Pedro Proença em destaque na Galeria Fúcares, de Madrid
Para Portugal, entretanto, a feira tem tido um papel altamente
estimulante, contribuindo para consolidar o mercado galerístico e a
projecção dos artistas, com efeitos sustentados no país e no exterior.
Depois de ter sido, em 1998, o país convidado, a participação deste
ano, com 17 galerias, obteve um eco muito favorável, mas a mais
relevante notícia de Madrid teve lugar fora da feira: Paula Rego
inaugurou uma surpreendente exposição individual na Galeria Marlborough.
Aguardada só como a apresentação de trabalhos recentes e de uma nova
série de gravuras – The Children's Cruzade, baseada no episódio
histórico e também lendário de uma cruzada de crianças que em 1212 se
dirigiu para a Terra Santa –, é um acontecimento que excede todas as
expectativas. A primeira individual de Paula Rego em Madrid é dominada
por uma inédita sequência de pinturas (a pastel sobre papel montado em
alumínio) onde ecoa a revolta da artista perante o modo como decorreu o
referendo sobre o aborto em Portugal, por entre a hipocrisia de muitos
e o alheamento que conduziu à reduzida participação de votantes.
É o aborto clandestino o tema de Paula Rego, sem margem para dúvidas
mesmo se a série é exibida sem título, e é muito raro que as obras de
arte assumam uma tal responsabilidade e sentido de intervenção,
enfrentando com uma tão grande intensidade uma questão contemporânea e
chocante, sem demagogia nem véus esteticizantes.
Paula Rego desenha adolescentes e mulheres que sofrem, que escondem a
cara ou enfrentam o espectador, culpando-o com o olhar, algumas delas
prostradas sobre a cama, outras agachadas sobre um bacio ou o balde,
outras ainda contorcendo-se com dores. Os quartos fechados que as
personagens ocupam são despidos e frios, como consultórios
clandestinos, e há uma presença constante do vermelho sangue, num lenço
de cabeça ou num cinto, nos vestidos, na coberta da cama ou no forro de
um cadeirão. As mulheres estão sós, por várias vezes vestidas como
muito jovens estudantes, com rostos doridos mas também altivos e
desafiadores. Por excepção, há uma avó que acompanha a neta e ocupa o
primeiro plano, como se lembrasse a permanência de uma fatalidade
ancestral (The Granddaughter, uma obra anterior à série); outro
trabalho concentra-se sobre a figura da parteira, que segura um
alguidar, vestida de preto (de preto e branco na camisola aos
losangos), com um rosto enérgico e ambiguamente protector.
Obras de Fátima Mendonça (pormenor de «Slow», instalação de esculturas giratórias, e desenho) expostas na Arte Periférica
O realismo perturbante destas obras, onde a solidez física dos corpos
e a proximidade humana das máscaras nasce do trabalho perante o modelo,
enquanto a economia do espaço cénico reforça a crueza das situações, é
o exacto prolongamento da série «Mulher-Cão», de 1994-95, que evocava
«a mágoa e a humilhação, a combinação dolorosa de erotismo e
violência..., a expectativa, a vertigem e a renúncia do eu que se
encontram no cerne do relacionamento amoroso», como Ruth Rosengarten
escrevia no catálogo do CCB (1997). Duros e secos, directos, magoados e
cúmplices, são trabalhos de uma extrema violência, mesmo que o pastel
tenha sempre a aparência de uma matéria sensual e delicada. A pintora
não se esconde nem protege o espectador com a ambiguidade ficcional que
envolvia outras obras já igualmente graves, nem quer ocultar o que
motivou esta série: «Fiz estes trabalhos para Portugal, revoltada com o
que aconteceu com o referendo sobre o aborto». A Fundação Gulbenkian
vai mostrá-los a partir de 18 de Maio, em conjunto com outras obras que
no ano passado foram expostas na Dulwich Picture Gallery, de Londres,
mas o acesso dos coleccionadores nacionais teve de ser limitado para
travar as especulações do segundo mercado, que poriam em causa a
circulação internacional da pintora.
Em Madrid (até 13 de Março), a montagem abre com uma sequência de
estudos a lápis para os novos trabalhos a pastel (em geral de 110 x 100
cm) e inclui também obras apresentadas no Museu Dulwish, de grande
formato: Angel, uma mulher empunhando uma espada, com uma esponja na
outra mão, que é a recriação de um tema religioso, e The Company of
Women, da série inspirada em O Crime do Padre Amaro, de 1997, onde o
único homem representado em toda a mostra está vestido com uma saia,
reclinado entre duas mulheres. São imagens que trazem ainda uma maior
perplexidade à problemática da condição feminina e da relação entre os
sexos abordada por Paula Rego, numa obra onde a continuidade da
tradição figurativa britânica (em especial de Lucian Freud e Bacon) e o
confronto com a história da pintura sustentam um dos mais importantes
itinerários da arte actual, como uma poderosa resposta face à
insignificância e ao formalismo de muitos produtos em circulação. Se
para alguma crítica influente, que domina as bienais internacionais e
as instituições periféricas (ou as centrais nos países periféricos), o
trabalho actual de Paula Rego teria deixado de ser «arte contemporânea»
e constitui mais um caso de «retorno à ordem», a verdade é que muito
poucas outras obras têm, nos dias de hoje, um tão agudo sentido
interventivo contra o espectáculo da desordem dominante, renovando o
poder de emocionar e de inquietar que sempre teve a arte maior.
Pintura sobre plexiglas de Gil Heitor Cortesão (Gal. Canvas), adquirida para a Colecção Arco
Que tudo se passe na Galeria Marlborough, um dos maiores empórios do
mercado da arte, uma multinacional estabelecida em Londres, Nova
Iorque, Madrid, Tóquio, Hong Kong, Zurique, Buenos Aires, etc, que
conta com alguns dos mais importantes artistas internacionais (Kitaj,
Anthony Caro, Larry Rivers, Arikha, Auerbach, etc) e com representantes
de vários realismos nacionais (Botero, Claudio Bravo, Antonio López)
não deixa de ser ainda mais contraditório e polémico.
Paula Rego é reconhecida como um dos maiores valores da arte britânica
(e portuguesa), mas, no panorama da feira de Madrid, outras obras
nacionais marcaram boa presença. Sem que seja o destino exclusivo da
exportação artística – a galeria Módulo não vai à Arco e vários
artistas expõem em mercados mais importantes –, tem-se consolidado em
Espanha um interesse regular pela arte portuguesa, que desde os anos 80
teve entrada nas colecções institucionais e está presente em numerosas
galerias. A participação nacional já não é apenas a mais assídua em
Madrid, e a sua qualidade global foi reconhecida este ano a diversos
níveis.
No «El Mundo», o crítico José Jimenez começava por destacar entre as
presenças estrangeiras «a arte de grande qualidade» que Portugal tem
apresentado «ano após ano»; no «ABC», Pedro Calapez e a Galeria
Quadrado Azul entravam nas listas dos melhores; no novo diário «La
Razon», uma página dedicada à pintura internacional abria com uma frase
em destaque: «O colectivo que melhor continuidade manifesta é Portugal.
Um punhado de artistas testemunha, neste como em outros aspectos da
arte lusa, um momento alto».
Outra indicação significativa é as presença em galerias espanholas:
Pedro Calapez tinha uma pintura em evidência na Galeria Luis
Adelantado, de Valência, e quatro grandes desenhos na Bores &
Mallo, de Cáceres (para além de ser representado pela Presença, do
Porto). Pedro Proença abria o espaço da Fúcares, de Madrid (e estava
também na Gal. Pedro Oliveira), Rui Chafes era exposto na Juana de
Aizpuru (e na Canvas). José Pedro Croft (Luis Adelantado e Quadrado
Azul), Leonel Moura (Oliva Aruna e Quadrado Azul), Cabrita Reis (Juana
de Aizpuru), Fernanda Fragateiro (Elba Benitez), Daniel Blaufuks (María
Martín), David de Almeida (Boza Editor, Barcelona) eram outros artistas
em circulação. Entretanto, Augusto Alves da Silva foi exposto pela
Rockett, de Londres, com trabalhos da série Passage, na vizinhança das
fotografias de um novo livro de Martin Parr (Common Sense).
Pormenor da vídeo-instalação «Its Really Nice» do francês Pierrick Sorin, no Museu Rainha Sofia
Significativo é também o facto das aquisições oficiais para a Colecção
Arco, da responsabilidade de María Corral e Dan Cameron, terem incluído
Jorge Molder (Gal. Pedro Oliveira) e duas pinturas de Gil Heitor
Cortesão (Canvas), tratando-se neste caso de um jovem artista menos
conhecido, que pinta sobre chapas de plexiglas (vai expôr em Lisboa no
início de Março na Galeria Pedro Cera).
No quadro das presenças nacionais, importa destacar ainda a individual
de Lourdes Castro na Galeria Porta 33, do Funchal, exibindo obras
parisienses dos anos 60 (sombras projectadas, em desenhos, pinturas
sobre tela e recortes de plexiglas) e também outras peças mais
recentes, acertadamente escolhidas no contexto de uma feira dedicada à
França.
Entretanto, a feira de Madrid é sempre a oportunidade para divulgar
novas relações galerísticas, como a entrada de Rui Sanches na Quadrado
Azul, ou as de Fátima Mendonça e Rui Serra na Fernando Santos (mantendo
a colaboração com a Arte Periférica e com assinalável êxito de vendas),
enquanto noutros casos se apresentam novas obras ou direcções de
trabalho: de Inês Teixeira e Domingos Rego na Gal. Palmira Suso, de
Joana Rego na Fernando Santos, de Sara Anahory na André Viana, etc.
Esta última e a Cesar Galeria estrearam-se na Arco, enquanto a
Diferença se passou a concentrar na fotografia, e a 111, Monumental,
Novo Século, Por Amor à Arte e Gilde completaram a lista nacional, só
numericamente ultrapassada, quanto a galerias estrangeiras, pela
presença francesa.
País convidado, a França transportou para a Arco em versão anos 90 a
reacção psicótica com que vem agravando, desde meados dos anos 60, a
perda de influência da «cena parisiense» no contexto mundial. Confiada
a representação oficial à arrogância do jovem crítico Nicholas
Bourriaud, anunciou-se um renascimento que iria pôr fim a décadas de
apagamento, mas o «french touch» (sic), que seria «experimental e
convivial... num espírito de reciclagem permanente das formas e das
imagens», primou pela invisibilidade. Um «project room» de Bertrand
Lavier mostrava porque é que uma geração que o tem por mestre nunca irá
longe, mesmo sendo protegida pelas colecções de 22 Fundos Regionais (os
FRAC). Fora do pavilhão oficial, Pierre Buraglio, antigo militante do
«support-surface», tinha uma presença bem mais honrosa.
Fotografia de Zwelethu Mthetwa, retrato numa casa das «townships» da Cidade do Cabo
De um vasto programa francês paralelo à feira, com Annette Messager a
ocupar o Palácio Velázquez, só se salva a presença de Pierrick Sorin no
Espacio Uno do Museu Rainha Sofia, com três obras que aliam um humor
transbordante, na melhor tradição do burlesco, a uma inventividade
técnica que parte sempre de meios poucos sofisticados. Colocando em
cena (e em causa) os lugares do autor-artista e do espectador ou
instalando manipulações informáticas de rostos de diferentes raças que
cercam e interpelam o observador, Sorin (n. 1960, Nantes) não é nunca
um artista «deceptivo» nem usa os alibis da «arte-crítica».
O desastre francês tornou-se ainda mais nítido perante a relativa
melhoria de qualidade global da feira, marcada por opções de maior
seriedade e, decerto, também de maior fortuna comercial, com a
frequente opção por presenças apreciáveis de artistas menos jovens.
Entre a vaga das imagens fotográficas, os trabalhos do brasileiro
Miguel Rio Branco e do sul-africano Zwelethu Mthetwa (n. 1960, Durban),
este com uma sequência de retratos em espaços domésticos das
«townships», sobrepunham-se às delicodoces encenações cinéfilas de
Tracey Moffatt, da Austrália, ou às «reflexões» sobre a identidade
feminina das francesas Valérie Jouve e Rebecca Bournigault, ao gosto do
dia.
O «festival de Madrid» não se condensa numa nota final, mas importa
observar como a oferta de exposições institucionais, paralela à Arco,
não faz concessões a cálculos consumistas e a modas, atribuindo à
investigação e à história da arte um lugar central, que é também a
condição da formação de novos públicos. Mais do que uma opção política
do PP, parece tratar-se da correcção dos erros de orientações
anteriores, convergindo agora os directores de museus, historiadores e
alguns críticos num esforço de travar a dissolução do espaço e das
razões sociais da arte.
O Prado, actualmente em obras, aliou-se ao Museu Thyssen para dedicar
a El Greco uma inédita exploração sobre a sua aprendizagem em Creta, a
formação em Veneza e Roma e a evolução inicial que conheceu em Espanha
(«El Greco, Identidade e Transformação», até 16 de Maio, com um
importante catálogo coeditado com Skira). De Londres vieram cinco
dezenas de obras dos séc. XVI-XVIII da já referida Dulwich Gallery, que
se encontra encerrada para renovação; a iniciativa é do banco BBV (até
28 de Março) e terá continuidade em Bilbau, num museu menos conhecido
que o Guggenheim, mas de não menor importância.
«Bigorna de Sonhos VII», de Eduardo Chillida. Uma retrospectiva no Museu Rainha Sofia presta homenagem aos 75 anos do escultor
Outra história é a que se percorre em «África, Magia e Poder – 2500
Anos de Arte na Nigéria», patente também até 28 de Março na Fundação
«La Caixa» (vinda de Barcelona, irá a seguir para Sevilha...). Com
perto de 200 peças escolhidas nos museus de Viena, Paris, Lagos e em
numerosas outras colecções públicas e privadas, é um panorama admirável
que os comissários Alberto Romero de Tejada e Jean-Hubert Martin
arrancam à ideia habitual de «arte primitiva» para o projectar numa
dimensão homóloga à arte das culturas europeias. Os marfins
afroportugueses são um dos temas de um catálogo com extensa colaboração
especializada.
Avançando para o século XX, a Fundação Juan March expõe até 11 de
Abril «Marc Chagall, Tradições Judias», contando com um núcleo
excepcional de obras iniciais vindas da Galeria de Estado Tretyakov, de
Moscovo, e, em especial, com as decorações de 1920 para o Teatro de
Arte Judeu, que estiveram escondidas durante mais de 50 anos. O Museu
Thyssen reúne um «dossier» sobre o tema Picasso e a tauromaquia, nas
vésperas de Guernica. Outra exposição, «Fora de Ordem – Mulheres da
Vanguarda Espanhola», na Fundação Mapfre Vida (até 18 de Abril),
prolonga o estudo exaustivo das décadas anteriores ao franquismo
prestando atenção às obras de Marie Blanchard, Norah Borges, Maruja
Mallo, Olga Sacharoff, Remedios Varo e da singularíssima Angeles
Santos. Outra mostras espanholas são dedicadas a Antoni Clavé e
Berrocal, ou revêem toda a abstracção das últimas décadas numa imensa
antologia.
No Museu Rainha Sofia, os 75 anos de Chillida são celebrados (até 15
de Março) com uma magnífica retrospectiva, onde o itinerário do artista
basco se impõe como uma das marcas essenciais da escultura das últimas
décadas, em alternativa à produção minimalista e às recolhas de
objectos comuns. Outro contemporâneo é o russo Ilya Kabakov, que já
expôs no CAM e agora transformou o Palácio de Cristal, ao Retiro (até 1
de Março), no Palácio dos Projectos: uma instalação única em 65 etapas
constituídas por textos e pequenas maquetas de projectos utópicos
sempre atribuídos a diferentes personagens imaginários, constituindo um
genial comentário crítico sobre o mundo e sobre a arte.
Passando à fotografia, a enumeração é eloquente: Robert Capa e Man Ray
no Rainha Sofia (até 5 e 26 de Abril), o primeiro com uma vasta doação
de fotografias da Guerra Civil e o segundo com uma completa
retrospectiva através de provas originais, vinda do Centro Pompidou.
Entretanto, na Casa de América (até 7 de Março), «Mexicanidade»,
oriunda do Museu da George Eastman House, de Rochester, NY, apresenta
em provas «vintage» a obra paralela de Edward Weston e Tina Modotti,
nos anos 20. Seria difícil reunir um mais fabuloso conjunto sobre os
caminhos da modernidade fotográfica.
A diferença essencial com a oferta de Lisboa não é de quantidade, mas
de critérios de programação. É o provincianismo mais tolo e uma teia
obscura de interesses que dominam um panorama onde o CCB dedica o ponto
alto da programação à maior exposição mundial de um Douglas Gordon,
cujo entediante design de insignificâncias já por três vezes se
mostrara em Portugal
1 "Arco à francesa"
16-1-99
Nicolas Bourriaud, defensor da «arte relacional» é o responsável pela selecção das galerias francesas na próxima edição da feira Arco
A PRÓXIMA edição da feira Arco, de 11 a 16 de Fevereiro, terá a França como país em destaque, depois da presença portuguesa em 1998 e antes do convite à Itália no ano 2000. O responsável pela selecção da francesa é o crítico Nicolas Bourriaud, director desde 92 da revista «Documents sur l'Art Contemporain», comissário da exposição «Traffic» no CAPC de Bordéus, em 96, e autor de Esthétique Relationnelle (Presses du Réel, 98).
O panorama proposto em 20 galerias pretende mostrar «um renascimento da arte em França», que ocorreria com uma nova vaga de artistas em afirmação desde o final da década de 80. Fabrice Hybert, Pierre Huyghe, Philippe Parreno, Dominique González-Foerster e Pierre Joseph são os nomes mais em destaque de uma nova «geração» que em grande parte se formou na escola de arte de Grenoble (onde ensinam artistas como Ange Leccia e Jean-Louis Vilmouth) e que começou por expor em centros como o Magazin de Grenoble ou o Consortium de Dijon, contando também com o apoio das colecções dos FRAC (Fundos Regionais de Arte Contemporânea).
Nicolas Bourriaud aponta-lhes como traços comuns «a desconstrução da figura do artista, os modos de pensamento em rede, a hibridação e a mutação das identidades». Desvalorizando a autonomia do objecto artístico, os jovem artistas colocariam «o relacional no primeiro plano das suas preocupações», enquanto formação de uma «inteligência colectiva» que tem por modelo a circulação da informação na Internet. Em ruptura com a lógica do consumo artístico que caracterizaria a arte moderna, o artista é um «operador-realizador-empresário» e a exposição passa a ser entendida como «lugar de experimentação social e de produção de modelos sociais ou comportamentais». Em vez da «obra», valorizam-se o «jogo inter-humano», a convivialidade ou «construção comunitária», as práticas de bricolage e reciclagem que prolongam o princípio do «ready-made», e, eventualmente, os «processos analíticos da imagem» que se servem da fotografia e da pintura.
A selecção de 20 galerias é especialmente dedicada a espaços surgidos já na presente década e que, em geral, se situam na rua Louise Weiss, em Paris, apresentada como um novo pólo artístico equivalente à migração nova-iorquina do Soho para Chelsea.
Oito artistas franceses apresentarão instalações individuais – Rebecca Bourguinault, Claude Levèque, Basserode, Mathieu Briand, Art Keller, Bertrand Lamarche e Valerie Jouve e o já «histórico» Bertrand Lavier –, enquanto as outras 12 galerias incluem um grande número de artistas de vários países. Entre estes, são mais conhecidos os nomes de Richard Billinghan, Lisa Milroy, Thomas Grunfeld, Vanessa Beecroft, Chen Zhen, Maurizio Catallan, Michel François, Murakami ou Jack Pierson.
Além da secção francesa, a Arco volta a incluir as secções «Project Rooms» (com oito galerias da América Latina») e «Cutting Edge», também de artistas ditos emergentes, e criou dois novos sectores de âmbito geográfico: um dedicado ao Leste europeu, «East Wind / West Wind», comissariado por Lorand Hegyl (director do Museu de Arte Moderna de Viena e comissário da actual exposição «A Visão Austríaca», na Gulbenkian); outro de «Presenças Nórdicas», com quatro galerias da Suécia, Finlândia e Islândia.
Portugal deverá participar com 16 galerias: 111, Arte Periférica, Diferença, João Graça, Monumental, Novo Século, Palmira Suso, André Viana, Canvas, Fernando Santos, Pedro Oliveira, Por Amor à Arte, Presença, Quadrado Azul, Gilde e Porta 33.
2 "Roteiro além-Arco"
6-02.99
A IDA à Arco pode (deve) ser apenas um pretexto. À margem da feira, Madrid oferece um panorama de exposições de largos horizontes, sem paralelo com o que passa por Lisboa: Greco, Chagall, Picasso, Chillida, Capa, Kabakov, etc. No Museu Rainha Sofia celebram-se os 75 anos de Chillida numa retrospectiva de 160 obras, realizadas desde 1946. É um dos maiores escultores do século e, aliás, do presente também, e o comissário é Kosme de Barañano, um grande historiador e crítico.
Figura de excepção é também Robert Capa, representado com 130 fotografias da Guerra Civil, na frente e na rectaguarda, escolhidas de um conjunto de 205 doadas recentemente ao Museu por Cornell Capa, com mais uma série de 20 que o próprio fotógrafo oferecera em 1944 ao presidente Negrín.
O francês Pierric Sorin (n. 1960), ocupa a galeria dos jovens artistas, Espacio Uno, reunindo em «Los Mirones» La Bataille des Tartes, de 94, e It's Really Nice, de 98. Sorin tem utilizado o vídeo e o filme numa obra forte que igualmente tem a qualidade de ser enormemente divertida.
Nas extensões do Rainha Sofia ao Parque do Retiro, é a francesa Anette Messager que ocupa o Palacio Velázquez, enquanto o russo Ilya Kabakov estreou o Palácio de Cristal recém-recuperado com uma gigantesca instalação de instalações chamada O Palácio dos Projectos, uma das suas mais ambiciosas realizações de sempre. Ao longo de uma sucessão de «quartos» distribuídos em espiral, 65 projectos tecem uma rede de objectos e maquetas, de personagens imaginários e grandes temas. Messager (n. 1943) destacou-se pelas construções murais à base de fotografias recortadas e retocadas, em linhas de afirmação biográfica e sociológica.
Enquanto o Prado, em obras, mostra as admiráveis novas salas dedicadas à pintura flamenga e holandesa do século XVII, o Museu Thyssen-Bornemisza expõe «El Greco. Identidade e Transformação», co-organizada com o museu vizinho e com itinerância posterior por Roma e Atenas. As 70 obras datadas de 1560 a 1600 concentram-se nos anos da aprendizagem em Creta (com um sector dedicado aos pintores pós-bizantinos do séc. XVI) e da passagem por Itália, seguidos pela análise do que teria sido a sua «transformação espanhola». No programa «Contextos da Colecção Permanente», depois de Kupka, é a vez de Picasso, em «Corrida de Touros, 1934», 15 obras com referência à tauromaquia que foram um prelúdio a Guernica, apresentadas por Tomás Llorens.
Chagall, que por si só levará muita gente a Madrid mas é olhado com desdém pelos «especialistas», está na Fundação Juan March. A antologia centra-se das relações do pintor russo-francês (1887-1985) com as «Tradições judias», em 41 obras que vão de 1909 a 1967, trazidas dos melhores museus e incluindo as decorações que fez para o Teatro de Arte Judeu de Moscovo, mantidas ocultas durante 50 anos e restauradas pela galeria estatal Tretiakov.
Outra exposição (só até dia 14) mostra o ignorado William Congdon, na sala da Comunidade de Madrid, Praça de Espanha 8. Pintor norte-americano nascido em 1912 e falecido em 98 em Itália, é um nome pouco conhecida da Escola de NY, isolado por um particular destino: instalou-se em Assis e foi-se interessando cada vez mais por temas religiosos.
Alargando ainda mais as perspectivas, a Fundação «La Caixa» expõe 2500 anos de arte na Nigéria, «África: Magia e Poder», um percurso que revela um surpreendente «continuum» criativo em concorrência com o norte do Mediterrâneo, começando pelas cabeças de terracota da cultura Nok (séc. V a.C.) e seguindo pelas culturas Igbo-Ukwu (séc. IX-X), Ifé (XII-XV), reconhecida pela excelência dos seus bronzes, pela cultura aristocrática de Benim (XV-XIX), até aos Yoruba, chegados ao princípio deste século.
Anunciada sem referências, «Fuera de Orden», na Fundação Mapfre Vida, reúne artistas-mulheres que intervieram na dinâmica das vanguardas.
Outra actualidade é a que a Casa de América exibe em «A vueltas com los sentidos», com dez artistas das Américas, incluindo Ernesto Neto, Valeska Soares, Tony Oursler e outros. A relação com os diferentes órgãos dos sentidos preside à escolha de Estrella de Diego.
Entretanto, junta-se à feira o panorama das galerias. Paula Rego expõe na Marlborough as gravuras de The Children's Crusade e trabalhos a pastel. Calder e Tanguy são reunidos na Gal. Elvira González, sempre excelente; o fotógrafo Frank Thiel (que a Módulo já apresentou) está na Helga de Alvear, a par de Javier Vallhonrat; Txomin Badiola tem instalações e projecções na Solelad Lorenzo. Etc.
4 "Arco à italiana"
27-02-99
ACHILLE Bonito Oliva, o polémico promotor da «transvanguarda», nos anos 80, vai ser o comissário da presença italiana na próxima edição da Arco, conjuntamente com o galerista Giorgio Persano. Segundo já anunciou, pretende conjugar galerias históricas com novas galerias e vai promover confrontos ou «duetos» entre artistas italianos e espanhóis.
Segundo o «El País», Bonito Oliva defendeu que «as tendências actuais apontam para a globalização da arte e para a tribalização», interessando-lhe «encontrar o caminho intermédio». Depois de apontar que as grandes instituições tendem para as fusões (exemplo da junção do MoMA com o espaço vanguardista do PS1, em Nova Iorque), para a exportação (o Guggenheim) e para a mercantilização de sucedâneos, o crítico italiano alertou para o «perigo de uma monopolização do gosto internacional».
Entretanto, a feira encerrou num clima de confronto aberto, provocado pelas queixas apresentadas em tribunal por algumas das galerias não aceites na Arco, invocando que a nova Lei das Feiras, de 1997, impõe critérios «objectiváveis» para as decisões de exclusão. Uma conferência de imprensa que decorreu no dia seguinte ao encerramento transformou-se num comício de apoio à directora da Arco, Rosina Gómez Baeza, cuja continuidade no cargo está ameaçada, enquanto grande número das galerias seleccionadas anunciavam retirar-se no caso de a feira perder o seu carácter selectivo e «avançado». A hipótese de alargamento da feira a um terceiro pavilhão, para albergar um maior número de galerias antes não admitidas, é igualmente excluída.
NOTA: Por lapso, não foi citada no artigo sobre a Arco publicado na anterior edição da «Revista» a participação da Galeria João Graça, de Lisboa, e deveria ter sido também referida, entre os outros exemplos de «transferências» galerísticas, a presença de Ilda David na Gal. Fernando Santos, onde expôs duas telas recentes de particular interesse.
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