24/2/2001
3 "Vinte arcos depois"
A feira de arte de Madrid é uma história de sucesso, a avaliar pela proliferação de museus e colecções de arte contemporânea
Fotos...
Madame Yevonde, retrato da série «Deusas» (Minerva, 1935)
Auto-retrato de Gillian Wering
Joana Vasconcelos, «Fashion Victim», escultura com movimento na galeria Mário Sequeira.
Tacita Dean, «Ice Rink (Floh)», 2000-01, impressão digital
Atingida a marca das vinte edições, a Arco festejou o aniversário, fez balanços e auscultou o futuro, sem esquecer que o essencial, para o comércio de arte, é viver o dia-a-dia, celebrar o crescimento dos mercados e manter as expectativas quanto à contínua expansão do sector: mais museus, mais colecções, mais galerias, mais artistas, etc. Todos reconhecem é uma história de sucesso, desde logo por ser indissociável das colecções e museus que se multiplicam em Espanha, mas também não ocultam a consciência dos seus limites. O facto de ser a feira que mais público atrai em todo o mundo (176 mil visitantes este ano, seguida por Chicago com 80 mil), não pode deixar de ser visto como uma fragilidade cultural espanhola.
As feiras dirigem-se a um universo de profissionais e coleccionadores (privados, na maioria), e não é pela afluência que se avalia o êxito, pois não se confundem com exposições ou bienais.
O que conta é assegurar um lugar no «ranking» mundial das feiras de arte, graças à energia do mercado local e à capacidade de atracção do mercado exterior, como sucede em Basileia, Chicago, Colónia e Berlim. Madrid prometeu, na euforia dos 80, ser uma ponte para a América e em anos recentes tentou encabeçar a exportação latino-americana. Mas o sector é muito vulnerável às conjunturas e às estratégias de concorrência entre cidades; surgiram outras feiras de sucesso em Bruxelas e Maastricht e lançam-se novos certames que exploram nichos de mercado. A projecção do novo Armory Show, em Nova Iorque, reteve galerias e coleccionadores previstos para Madrid; a Art Basel vai gerir uma feira em Miami vocacionada para a América Latina. A Arco é ibérica, mas numa metrópole como Londres também a respectiva feira é um evento apenas nacional.
Na Arco, a impressão mais forte é causada pelas representações institucionais, que ocupam uma área maior antes dos corredores das galerias. Expõem-se colecções de bancos, museus e entidades locais de diversos níveis (governos regionais, «ayuntamentos» e «comunidades» - excelente a colecção de fotografia de Madrid). Apresentam-se noutros casos as programações e actividades de centros de arte contemporânea ou de museus, como o muito activo Centro Galego (CGAC) de Santiago de Compostela ou o MEIAC de Badajoz, este com artes e jogos electrónicos propostos por A. Cerveira Pinto. E exibem-se, em especial, maquetas e projectos de arquitectura de novos museus e centros, alargando sempre mais uma rede descentralizada e diversificada nos seus programas, que corresponde a uma nova realidade social da arte e da cultura de que não se tem eco entre nós - mas também falta o nível de administração regional que dinamiza essa proliferação de espaços e colecções de grande vulto. O mais ambicioso dos projectos será o do Instituto Óscar Dominguéz em Santa Cruz de Tenerife, de Herzog & de Meuron, os autores da Tate Modern, a construir até 2003. Mas há novos pólos marcantes, construídos de raiz ou adaptando espaços patrimoniais, como o Museu da Universidade de Alicante e outros em Léon, Palma de Maiorca ou Málaga (com três projectos), a surgirem depois dos de Las Palmas, Castelló, Sevilha, Bilbau… E já se anunciou durante a feira outro ambicioso projecto para Vigo.
A esse mercado institucional (que se substitui à debilidade do mercado privado) corresponde uma feira essencialmente voltada para os valores locais (ou melhor, ibéricos), embora alargada a alguma circulação internacional que não pode confundir-se com uma representação significativa do que faz a actualidade dos centros mais cosmopolitas. É também marcante a presença de uma forte retaguarda histórica, em que pode incluir-se o uruguaio Torres Garcia, com excelente presença na feira e fora dela, continuando, para lá dos mais conhecidos, com Julio González, muitas obras de Manolo Millares e peças recentes do pintor e escultor Pallazuelo. A prosseguir com Campano, Broto e Juan Uslé, pintores estabelecidos, sem se consolidarem obras de aparição mais recente.
Outras histórias internacionais marcam presença na Arco, onde se podiam encontrar uma construção espacial e fotografias «vintage» de Rodchenko, álbuns de litografias «Merz» de Schwiters e Arp, as combustões do italiano Burri e a surpresa de uma Irregular Form, de Sol LeWitt, de 1999.
Entre as mais fortes presenças geográficas destacaram-se as do Brasil, com oito galerias, incluindo nomes firmados e a aparição dos sucedâneos, e da Austrália, a quem será dedicada a Arco de 2002, sob a direcção de Peter Greenaway (Tracey Moffatt está cada vez mais «kitsch»). Para incentivar presenças de maior juventude e aventura, trazendo como convidados galerias estrangeiras, a feira dispõe das áreas «cutting edge» e «project rooms», que ficam com uma certa aparência de «ghetto» e têm resultados naturalmente irregulares. A presença do Leste foi forte em edições anteriores e deu agora lugar ao Extremo Oriente (Xangai, Taiwan e Japão) e à evidência da globalização dos consumos.
Era muito aguardada a representação britânica, já que Londres se tem perfilado como o mais fervilhante «cena» europeia e os seus três comissários são figuras dos círculos mais dinâmicos. O resultado foi uma surpresa negativa, uma vez que faltaram os nomes mediatizados pelas exposições «Sensation» e «Apocalypse». As criaturas aberrantes dos irmãos Chapman vieram pela mão parisiense de Daniel Templon e só as galerias Lisson e Anthony Reynolds traziam nomes de primeiro plano, modestamente representados. Em vez do vedetismo e do perfume do escândalo, predominava uma oferta britânica muito discreta, com pinturas e objectos de pequena escala, de produção artesanal e expressão intimista. Tratou-se, segundo diferentes análises, de desinteresse pela feira de Madrid ou de fazer oposição à estratégia Saatchie/Royal Academy.
Mas a presença britânica prolongou-se em exposições exteriores, com destaque para uma desconhecida obra fotográfica dos anos 30 que o British Council pôs em circulação há dois anos: Madame Yevonde, aliás, Yevonde Cumbers, apresentada sob o título «Ser Original ou Morrer!», foi uma pioneira no uso da cor e autora de naturezas mortas e fotos de publicidade de um intrigante surrealismo de pacotilha. Da sua obra destaca-se a série «Deusas», com retratos de senhoras da melhor sociedade britânica como personagens mitológicas, e uma reportagem sobre o «Queen Mary» para a «Fortune», de 1936, sobre os trabalhos finais de colocação de obras de arte e decoração do navio. Viveu de 1893 a 1975, teve um estúdio em Londres em 1914, e usava o processo Vivex, cujos pigmentos produzindo fotos de cores muito vivas, de que se expõem óptimas réplicas.
Já Gilliam Wearing é uma «young british artist» (n. 1963), prémio Turner de 97, que faz fotografia e vídeo, manipulando situações de confissão e exposição íntima próximos dos «reality shows» televisivos (até 1 de Abril em La Caixa, depois em Santiago de Compostela). A artista envolve a colaboração das pessoas que filma ou fotografa, mas a identificação de uma qualquer «verdade» é anulada pelo uso de máscaras, dobragem de vozes (adultos por crianças, por exemplo), manipulação do ritmo das imagens e utilização eventual de actores. Assim, a crueza ou sordidez dos relatos não é a realidade «objectiva», o que torna mais forte a incomodidade do espectador.
Entretanto, a viagem a Madrid é sempre a oportunidade de fazer coexistir a feira e o museu, de confrontar a actualidade aleatória e a contemporaneidade de outros tempos históricos, repondo questões de valores e referências. Este ano, que não foi especialmente favorável, o visitante dispunha de um mega-evento dedicado à América Latina no Centro Rainha Sofia, promovido pela Sociedade «Nuevo Milénio». Um dos seus cinco núcleos, «Heterotopías: Medio Siglo Sin Lugar, 1918-1968» (até dia 26) é uma vasta abordagem temática-histórica, que não põe em causa informações conhecidas, mas os outros pólos de «Versões do Sul» são confusas operações de um rebuscado pós-multiculturalimo académico. Excelente, ao nível da investigação produzida e da reunião de pinturas sobre madeira, que raramente se emprestam, é «El Renascimiento Mediterráneo. Viajes de Artistas e Itinerarios de Obras entre Italia, Francia y España en el Siglo XV» (até 6 de Maio, passando depois a Valência). Outra mostra notável é a que a Fundação Mapfre Vida dedica (até 1 de Abril) a «Los XX. El Nacimiento de la Pintura Moderna en Bélgica», a propósito dos salões onde Ensor, Van Rysselberghe, Rops e Dario de Regoyos se encontravam com Seurat, Signac e Monet. Exposições assim não se vêem em Lisboa.
24/2/2001
"Circulações no eixo ibérico"
Colecções institucionais espanholas (fundações, bancos e museus) compram arte portuguesa na feira
Rui Chafes, «Doce Flor da Desordem II», 2001, ferro, na galeria Canvas1
José Pedro Croft, guache e carvão sobre papel, 2001, na Quadrado Azul
A feira de Madrid não detém um lugar cimeiro no contexto internacional, mas, enquanto se exploram outros circuitos, não perde importância para as galerias e os artistas nacionais. Funciona como uma montra especialmente atraente para quem se desloca de Portugal e é uma plataforma em que se joga um crescente entrosamento com o país vizinho. Com 18 galerias, Portugal teve a maior representação a seguir a 1998, quando desempenhou o papel de país convidado, assim se mantendo como o mais fiel dos estrangeiros (se como tal se pode considerar) e à frente de todos os outros países, se se descontarem os galeristas presentes em programas bonificados para aumento do cosmopolitismo da feira.
É que três das 19 galerias alemãs estavam nas áreas comissariadas, tal como cinco das 18 italianas, sete das 14 norte-americanas, nove das 11 belgas, todas as sete da Áustria, etc. - é assim que se joga com as estatísticas. Já a França compareceu com 17 galerias, várias delas com acervos históricos.
Outra contabilidade comparativa entraria em linha de conta com as 22 galerias catalãs. O certo é que, marcando presença desde 1984, variável conforme as conjunturas, as galerias portuguesas não se limitam a comparecer na Arco. O caso mais significativo é o da Módulo, que voltou a Madrid depois de uma última participação em 1988, tendo desde então atribuído a prioridade às feiras além-Pirenéus. Faz parte do comité de galerias da feira de Berlim e a circulação dos artistas que representa mede-se em 16 exposições a realizar entre Janeiro e Junho em galerias e museus da Alemanha, Brasil, Holanda, Bélgica (em intercâmbio com Roterdão), Finlândia e Espanha. Em 2000, três galerias estiveram na feira de Berlim, oito foram a Colónia. E uma galeria como a André Viana, do Porto, anuncia a ida, em 2001, às feiras de Chicago, Berlim e Basel-Miami. Curiosamente, esta explosão dos trânsitos internacionais coincidiu com a adopção de restrições financeiras aos apoios concedidos pelo chamado Acordo Tripartido, que agrega contribuições do IAC e das Fundações Gulbenkian e Luso-Americana, passando a subsidiar-se apenas uma feira por ano e por galeria.
1 "Feira Arco faz 20 anos"
06-01-2001
A FEIRA de arte de Madrid comemora este ano o vigésimo aniversário, tendo a Grã Bretanha por país convidado. A efeméride, a agressividade mediática da cena britânica da última década e também a conjuntura favorável atravessada pelo mercado de arte rodeiam de uma particular expectativa a próxima edição da Arco, que ampliará a área expositiva em quase mil metros quadrados e atinge um novo recorde de galerias, passando das anteriores 258 para 274. Portugal estará representado por 18 galerias, um número só ultrapassado em 1998, quando ocupou também o lugar de país em foco.
O aniversário da feira, que decorre entre 13 e 19 de Fevereiro, deu já lugar ao lançamento de um novo «site» (www.arco-online.ua.es), de grande extensão informativa e que anuncia a possibilidade de futuras visitas virtuais. Outro acontecimento especial é a abertura de um novo projecto, destinado a ter continuidade nas próximas edições e dedicado a esculturas e intervenções no espaço público. Sob o nome «Open Spaces», terá 1500 metros quadrados de área ao ar livre, ao longo da avenida central do Parque Ferial, igualmente ocupado por representações de galerias: entre os nomes já divulgados conta-se o de Joana Vasconcelos, apresentada pela Gal. Luis Adelantado, de Valência, entre outros artistas como Susana Solano, Francisco Leiro ou Eva Lootz.
A participação britânica é da responsabilidade de um trio de comissários - Charles Esche, Matthew Higgs e Kim Sweet - e reveste-se de características inéditas, uma vez que, além de galerias mais tradicionais e outras que representam especialmente os «young British artists» surgidos com a década de 90, inclui igualmente espaços organizados por artistas, instituições públicas e revistas de arte, numa larga representação que envolverá um total de 44 entidades.
Quanto à presença das galerias portuguesas destaca-se o regresso da Módulo, que tem trocado a capital espanhola em favor de outras feiras, e também as primeiras presenças da Ara, de Lisboa, e da Minimal, do Porto. Ausentes estarão este ano as galerias 111 e Luís Serpa, ficando a representação nacional constituída por nove galerias de Lisboa, incluindo a Palmira Suso, Novo Século, Monumental, Pedro Cera, João Graça, Arte Periférica e Cesar/Filomena Soares; por sete do Porto - com Quadrado Azul, Pedro Oliveira, Canvas, Presença, Fernando Santos, André Viana - e ainda Mário Sequeira, de Braga, e Porta 33, do Funchal.
Entretanto, a Arco mantém um extenso sector dedicado a galerias participantes em condições especiais, na qualidade de representantes de países ou regiões emergentes na cena internacional («Cutting Edge»). Neles se incluem um novo núcleo asiático com duas galerias da China e do Japão, um programa dirigido por Dan Cameron com galerias de Los Angeles e Nova Iorque e outros dedicados às Caraíbas, a Viena, à Bélgica e Luxemburgo, permitindo assim configurar, à margem da realidade do mercado, o perfil da feira. Um extenso programa de debates permitirá também concentrar em Madrid directores de museus e comissários de todo o mundo.
10/2/2001
2 "Madrid além Arco"
Grã-Bretanha, América Latina, Renascimento e modernistas em destaque na capital espanhola
A América Latina e o Renascimento partilham os destaques da agenda de Madrid durante a Arco, onde a Grã-Bretanha é o país convidado. A feira inaugura terça-feira e decorre até dia 19, com um recorde de 274 galerias, 18 das quais portuguesas. Para além da área britânica da Arco, assinale-se a apresentação de Gilliam Wearing (n. 1963) na Fundação La Caixa, com uma selecção de trabalhos em fotografia e vídeo. Confess All on Video (1994), onde pessoas convidadas por anúncio falam da sua vida perante a câmara, ou Sixty Minutes, Silence (96), retrato colectivo fixo do pessoal de uma esquadra de polícia, projectado durante uma hora, são algumas das obras mais conhecidas desta inglesa que desenvolve temas de identidade e auto-representação, entre o humor e a sociologia aplicada, em versões que se distanciam da fotografia documental e seguem processos de televisão..
A arte latino-americana ocupa o Museu Rainha Sofia com quatro mostras temáticas de um projecto de Octavio Zaya encomendado pela sociedade estatal para a celebração do milénio. «Visões do Sul» estende-se também aos Palácios Velázquez e de Cristal, este com uma só instalação de Cildo Meireles, aquele com a colectiva «Eztétyca del Sueño», que se propõe explorar a ressonância em alguns artistas conceptuais da ambição revolucionária do cinema de Glauber Rocha e da Teologia da Libertação.
O Museu Thyssen apresenta «O Renascimento Mediterrânico – Viagens de artistas e itinerários de obras entre Itália, França e Espanha no século XV», investigando a circulação cosmopolita desde finais do séc. XIV e o gótico internacional. É um projecto de grande vulto que reúne pinturas sobre madeira e outras obras vindas de colecções de todo o mundo.
Outras propostas incluem Pierre Bonnard, numa antologia intimista com obras de colecções particulares, que pode ver-se no Centro Conde Duque, e uma abordagem inédita na Fundação Mapfre Vida: «Os XX e o nascimento da pintura moderna na Bélgica». Do «Círculo dos XX», activo em Bruxelas entre 1884 e 1893, fizeram parte James Ensor, Darío de Regoyos, Signac, Henry van de Velde, Fernand Khnopff, Théo van Rysselberghe e Félicien Rops.
Na Fundação Juan March, «De Caspar David Friedrich a Picasso. Obras-primas sobre papel do Museu Von der Heydt, de Wuppertal», inclui 68 trabalhos de entre 1810 e 1951, de 32 artistas, ditos «pioneiros da modernidade». Como Degas, Seurat, Lehmbruck, Nolde, Beckmann, Kokoschka, etc. No Prado está em foco Goya e os «Desastres da Guerra», numa mostra consagrada à génese da série, desde os desenhos preparatórios a sanguínia até à primeira edição das gravuras, já depois da morte do autor. Último destaque para a Fundação ICO, que expõe uma selecção breve (85 fotos e fotomontagens) dos riquíssimos fundos fotográficos do IVAM, de Valência, também apresentados numa edição em dois volumes.
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