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Expresso, Actual de 18-02-2006
"Euforias ibéricas"
Êxitos portugueses e outras novidades na Arco’06
Com um pequeno balanço do Arco e do mercado da arte no ano da troca de Rosina Gómez-Baeza ("a arte é agora a terceira área de investimento dos espanhóis, a seguir ao imobiliário e às aplicações financeiras") pela nova directora Lourdes Fernández, vinda da direcção da bienal Manifesta
Não houve vestígios da Arco nos jornais de França, Itália ou Inglaterra
(o «Herald Tribune» foi a única excepção?). É um dado que situa a
dimensão local da feira e o carácter regional, ou provinciano, das
páginas da imprensa portuguesa. Também é verdade que os «media»
generalistas de cada país só costumam referir-se às suas grandes feiras
nacionais, além do caso único de Basel, vértice anual do mercado
internacional de arte, e de alguma notícia especializada sobre a
aparição de certames mais especificamente dedicados ao sector dito de
vanguarda ou «cutting edge», como o de Miami e a Friese de Londres.
Apesar de principescamente convidados 300 coleccionadores de todo o
mundo e 220 directores de museus e comissários como conferencistas,
mais algumas dezenas de jornalistas (o EXPRESSO também viajou este ano
a convite da TourEspaña), a Arco é um acontecimento ibérico. E a esse
nível é muito importante para a arte portuguesa.
Ana Prvacki, de Singapura, com o projecto «Papaian Is In»
Outro dado que enquadra a Arco e a euforia à sua volta foi sublinhado na despedida de Rosina Gómez-Baeza, ao dizer que, depois de 25 edições da feira e 20 sob a sua direcção, a arte é agora a terceira área de investimento dos espanhóis, a seguir ao imobiliário e às aplicações financeiras.
O êxito duma feira mede-se pela capacidade de promover produtos e atrair investidores, e esta área da cultura, onde se acredita que circulam bens espirituais e valores formais, passou a ser um importante sector económico. A arte tornou-se um mercado fortemente globalizado, embora com grandes áreas nacionais e regionais, onde se movimentam galerias multinacionais e museus em «franchising», actuam especuladores identificados como coleccionadores, se estabelecem «rankings» dos artistas mais cotados e publicitam índices anuais de valorização. É também um mercado sem os mecanismos de regulação e transparência relativa que regem as bolsas.
No entanto, a alternativa «arte ou mercado?» que motiva certa esquizofrenia crítica já não tem sentido desde Roma, pelo menos, e a obra artística foi sempre um argumento dos poderes religiosos, políticos e sociais - sendo as produções não oficiais recuperadas a prazo como património. Só a anterior pequena escala deste comércio permitiu a alguma crítica postular a pureza e autonomia das obras, até ser absorvida por ele. A novidade é o crescimento exponencial do mercado da arte através da sua espectacularização, da associação aos negócios do luxo, da sua parcial mundialização e da plena cumplicidade instrumental do que subsiste da lógica das vanguardas históricas com a componente mais especulativa do sector e os agentes institucionais que nele actuam (museus, colecções públicas e empresariais).
Num aparente paradoxo, as estéticas da antiarte e do reducionismo formal, da desconstrução e do «menos arte», facilitaram a multiplicação da mercadoria, ao dispensarem o talento e o ofício - veja-se o exemplo de multiplicação de restos (variações sobre o fim sempre adiado da pintura) de Angela de la Cruz, também muito visível na feira. Mas o ambiente parece estar a mudar, por via do aumento da concorrência.
Foi neste contexto que o duplo aniversário da Arco decorreu sob o simultâneo coro das celebrações do seu êxito e das denúncias do falhanço de todas as suas grandes metas:
ser ponte entre a Europa e a América,
perfilar-se como plataforma internacional da arte mais «avançada»,
impor-se como eixo da comunicação com a América Latina.
Da próxima directora, Lourdes Fernández, vinda da direcção da bienal Manifesta, esperam alguns a reforma que permita disputar um lugar no restrito círculo das feiras de ponta (Art Basel, Miami-Basel, Friese, The Armory Show), com um projecto mais selectivo, menos popular e ainda mais subvencionado, com menos presenças nacionais e alguns grandes nomes internacionais que ignoram Madrid. Em competição com a multinacional de Samuel Keller, patrão de Basel, projecta-se uma associação com a feira de Nova Iorque e talvez uma ponte conjunta para a nova feira de Xangai (a China, segundo a Unesco, é já o segundo maior exportador de «artes visuais», com 19% das exportações mundiais desta categoria). Entretanto, as galerias recusados farão crescer a feira paralela, Art Madrid, este ano inaugurada sem cobertura institucional.
Enquanto esse modelo não se experimenta, é tempo de destacar a forte presença de Portugal na Arco’06, desde logo comprovada pelo lugar central que várias galerias espanholas de primeiro plano atribuíram a obras de artistas nacionais. Era o caso do painel múltiplo de Pedro Calapez na Max Estrella (também expôs na La Caja Negra, SCQ, Presença e Cristina Guerra), que acompanhava uma individual na galeria e a mostra, na Academia de San Fernando/Calcografia Nacional, das estampas que mereceram em 2005 o Prémio Internacional para as Contribuições e Inovações em Arte Gráfica. Era também o caso da nova escultura em ferro de Rui Chafes na Juana de Aizpuru, a par da peça vinda da exposição de Serralves para a Graça Brandão; ou de uma escultura em madeira de Rui Sanches na Fúcares e de outra em ferro de José Pedro Croft na Maior, de Maiorca - ambos também mostrados na Quadrado Azul, e Croft em vários outros lugares. São em geral artistas com consolidadas circulações em Espanha, e posições mais sólidas que os espanhóis da sua geração (Rui Chafes tem uma circulação mais alargada ao Norte da Europa).
Gal. Mário Sequeira, de Tibães/Braga para Madrid: Luis Coquenão, Richard Long, Helena Almeida
Sem pretender esgotar a distribuição internacionalizada, tem de referir-se Julião Sarmento na Lisson de Londres (e na Joan Prats, Polígrafa, Cristina Guerra e Pedro Oliveira - na lista dos cem artistas mais representados nas principais feiras em 2003 ocupou a 23ª posição); Pedro Cabrita Reis na também londrina Haunch of Venison (e na Mai 36 de Zurique e Lisboa 20); Joana Vasconcelos com uma aparatosa obra de 2000 na Luis Adelantado e também na Elba Benitez e 111, com pequenas peças de cerâmica revestidas a crochet. E ainda Baltazar Torres (Magda Belloti), Carlos Bunga (Elba Benitez), etc
A outro nível, o da confirmação histórica, no pavilhão menos «contemporâneo» da feira, a retrospectiva de Vieira da Silva na Jeanne Bucher, de Paris, que foi a única individual da Arco, veio reforçar o programa. Com várias peças de museu, desde um auto-retrato de 1930, o excepcional L’Incendie II, de 44, do exílio brasileiro, La Patience, de 81-84, até ao Vers la Lumière, de 91, conseguiu fazer entrar as primeiras obras da artista no Reina Sofia e vendeu a outras colecções de prestígio. Pode ser que o acontecimento se repercuta na defesa do museu lisboeta, a atravessar tempos ameaçadores.
Se a generalidade das 15 galerias portuguesas (menos três que as catalãs, num total de 278, sendo 62% estrangeiras por via dos programas comissariados) teve presença positiva, há que fazer menção das estreias da 24b, de Oeiras, onde uma grande Construção, de Carlos Nogueira, foi acompanhada pelas pinturas de Ricardo Pistola e as fotografias de Nuno Maia (12 vistas de grupos urbanos alteradas por apagamento digital dos cenários); e da Fonseca Macedo, de Ponta Delgada, com um curioso programa de pintura conceptual de Maria José Cavaco e um vídeo de Ruben Verdadeiro, dois açorianos, mais os desenhos do inglês Tom Flint e do moçambicano Celestino Mondlane. Acrescente-se o programa original da Jorge Shirley com uma Asa e Anjos Caídos, de Maria José Oliveira, pinturas de Jorge Humberto (Joh), Nuno Nunes Ferreira, da italiana Valentina d’Amaro, etc., passando logo a referências isoladas a Nuno Sousa Vieira, na Graça Brandão, com as estranhas portas encurvadas de Impossible Retilineum Space; à grande flor fálica de parede feita de peças de cerâmica de Valadares, de Isaque Pinheiro (São Rosas, Senhor, na Presença); às fotografias pintadas de Pedro Barateiro (na Pedro Cera, também com a forte presença de Yves Oppenheim). E ainda o êxito da rigorosa pintura mundana de Luís Coquenão (Mário Sequeira). De notar também as transferências de Rui Ferreira para a Filomena Soares (centrada na fonte dourada de jóias e dejectos de João Pedro Vale, Fortuna) e de Miguel Ângelo Rocha e José Luís Neto para a Lisboa 20, todos eles vindos da Módulo, que agora decidiu manter-se ausente das feiras.
No programa «Cityscapes», três galerias escolhidas por Miguel von Haffe Perez representavam bem o Porto. Em estreia na feira, a Plumba apresentou o trabalho seguro de Domingos Loureiro, grandes imagens de florestas e cidades sobre MDF pintado e escavado, acompanhado pela presença dialogante de Carla Cruz: «I am a artist. What can I do for you?». Rui Calçada Bastos, com a vídeo-instalação The Last Evidence of the Drowning..., confirmou o amadurecimento do trabalho em Berlim, em conjunto com Adelina Lopes (na Pedro Oliveira), e a Graça Brandão mostrou Nuno Ramalho, uma nota de 500 euros recortada como uma borboleta motorizada (Made in China), e os filmes cómicos de João Maria Gusmão/Pedro Paiva (Coluna de Colombo, em lembrança de Brancusi).
Por último (esquecendo numerosas presenças sólidas e habituais), refira-se a representação do MEIAC de Badajoz com uma mostra de bio-arte dirigida por António Cerveira Pinto, e, já fora da feira, a mostra de João Tabarra no Círculo de Belas Artes, onde também expôs David de Almeida. E o patriótico «tour d’horizon» não fica completo sem referir a estreia de Don Duardos, de Gil Vicente, pela Compañía Nacional de Teatro Clásico (à atenção de Carlos Fragateiro)
Mais do que no extenso panorama austríaco dentro e fora da Arco (sem grandes novidades a acrescentar ao que por cá se tem visto - Wurm, Rainer-Roth, Brandl-Schiess -, embora com Gironcoli e alguma curiosidade despertada por Lois Renner, Johanna Kandl, Maria Bussmann e outros), é ainda nas galerias de «Cityscapes» que se encontram boas surpresas, em especial nas três brasileiras: na Leme, Richard Galpin (com fotografias de arquitecturas geometricamente recortadas a bisturi) e esculturas de plasticina de Camila Sposati; na Léo Bahia, os projectos fotográficos de Frederico Câmara e da dupla Cinthia e Marilá; na Nara Roesler, as fotografias de Cao Guimarães («Gambiarras») e esculturas em couro e madeira de Marcelo Silveira.
Entretanto, a cooperação espanhola promovia a «Arte Invisível» escolhida por comissários de Angola (Fernando Alvim), Mali (Samuel Sibidé) e Moçambique (o escultor Jorge Dias, que apresentou instalações de Anésia Manjate, vídeos de Gemuce e dípticos fotográficos a cores de Rui Assubuji, artistas que já passaram pela Arte Lisboa). Noutros pontos periféricos, os desenhos de parede a branco e preto do basco Abigail Lazkoz (no «Project Room» da Dels Àngels, Barcelona) ou a instalação de fotografias e imagens pintadas do ex-skateboarder Ed Templeton (sector «On Youth Culture», Roberts & Tilton, Los Angeles), davam conta de como o sistema está atento à originalidade que irrompe nas suas margens. Mas a descoberta maior vinha de Singapura, graças a Ana Prvacki e ao seu comércio de ideias práticas e divertidas, no caso o projecto gastronómico-esteticista Papaian Is In ( www.ananatural.com ) apresentado por Plastique Kinetic Worms ( www.pkworms.org.sg ), um espaço alternativo e experimental dirigido por artistas.
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