Enunciados de negatividade, desafios e ilusões, etc, num parágrafo tal e qual
"Na década de 1960, algumas das experiências artísticas das neo-vanguardas retomavam a incursão da Arte no domínio da Arquitectura; experiência que havia sido iniciada pelas Vanguardas do início do Século XX, entretanto, interrompida, pelo postulado Modernista de autonomização da Arte. Mas, se o construtivismo russo ambicionava a participação activa na construção de uma sociedade igualitária já é “(...) com enunciados de negatividade face à arquitectura que os artistas dos anos 1960 e 1970 resistem à pressão de desistir dos desafios lançados pelas vanguardas históricas, sem contudo cair na ilusão das possibilidades revolucionárias”(2), exemplificados nos trabalhos de Robert Smithson, ou Gordon Matta-Clark. Obras como “Partially Buried Woodshed”, de Smithson, ou “Splitting”, de Matta-Clark, exprimem a impossibilidade da realização arquitectónica através do ataque à arquitectura."
Por que é que se escrevem coisas destas a propósito de uma instalação de Joana Vasconcelos que antes se descreve - certamente bem - como uma "invasão do espaço arquitectónico, do Octógono da Pinacoteca de São Paulo, por um corpo têxtil, colorido, disforme e tentacular"?
O que é que o "postulado Modernista da autonomização" interrompeu? -- O muralismo mexicano? Um postulado interrompe alguma coisa? Ou foi a Guerra Fria (e o estalinismo) que veio legitimar o discurso da autonomia depois de todas as alianças interventivas que vinham da Frente Popular de 36 e da Guerra de Espanha em 37?
Não foi a construção real da "sociedade igualitária" que silenciou os ideólogos fanáticos do igualitarismo construtivista, depois deste ter começado por "igualizar" uma série de artistas que não eram nem queriam ser iguais?
Como separar os "desafios lançados pelas vanguardas históricas" das "ilusões das possibilidades revolucionárias"? - a fórmula traduz na perfeição o papel gestionário ou regulador assegurado pelas instituições de "ponta" (para isso congregam muitos mecenas e patronos): passar das vanguardas sem revolução aos desafios sem ilusões (sem convicções também).
O que quer dizer "a incursão da Arte no domínio da Arquitectura" (com ou sem maiúsculas)? É que ela não data das vanguardas do início do séc. XX e deve ser mesmo das incursões mais antigas, desde que há abrigos... Sem esquecer as arquitecturas efémeras, que tanto podem acolher a festa libertadora como a afirmação de dependência.
E que resultou dos "enunciados de negatividade face à arquitectura", da "impossibilidade da realização arquitectónica", senão a prepotência do estrelato arquitectural face à arte, quando se trata de museus?
Por que é que este presente, hoje, precisa de se caucionar com a invocação pateta das neo-vanguardas e das 1ªs vanguardas, que lhe são manifestamente opostas, e que significam apenas, quase sempre, que estamos perante o uso de uma síntese ignorante mas pretensiosa do séc. XX?
Que raio de legitimação pretensamente teórica - pós-néo-vanguardista? - vem parasitar o trabalho inventivo e incómodo, divertido e crítico, da Joana Vasconcelos?
É este o tipo de discurso académico balofo que prolifera no meio burocrático da arte e que arrasta a sua justa desconsideração. Às vezes nota-se mais o disparate, quando é aplicado a objectos que suscitam interesse, e, por exemplo, quando adiante se escreve, certamente bem:
"O efeito orgiástico, gerado pela explosão de formas, texturas e cores, patente no trabalho de Joana Vasconcelos, como que reencarna os valores dionisíacos, em claro contraste com a dimensão apolínea da organização racional e disciplinada do espaço arquitectónico." - Ora já passamos sem dar conta das vanguardas à eternidade dos clássicos.
Não sei quem é (não interessa) que assim repete a vulgata escolar responsável por um estado de degradação intelectual que me continua a surpreender. Mas o autor citado em nota tinha obrigação de pensar ou explicar-se melhor:
(2) Ulrich Loock, “Transição para a arquitectura”, anArquitectura, de Andre a Zittel, Fundação de Serralves, Público, s.l., 2005, p. 11.
Vista do Octógono da Pinacoteca, durante a produção da instalação "Contaminação"
Fotografia: Clóvis França
Cortesia: Pinacoteca do Estado
CONTAMINAÇÃO | JOANA VASCONCELOS
Projecto Octógono de Arte Contemporânea
Curadoria de Ivo Mesquita
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23Fev.
Para além do acesso de irritação com uma apresentação que, entre passagens acertadas, escorregou num parágrafo de prosa académica, importa citar o bom acolhimento publicado no Estado de São Paulo:
"Ao jogar-se nesse barroquismo, nesse excesso destemido e ousado, ela não apenas se impõe ao espaço duro e marcante, como enfrenta conceitos arraigados na produção contemporânea, buscando novos e mais democráticos caminhos de criação artística. Dentre os tabus enfrentados nesse processo estão a rejeição do fazer manual ou sua restrição à pequena escala. Há também uma evidente provocação na adoção do excesso cromático e decorativo, que acaba por gerar um grau de abstração inédito, para dar conta de um amplo espaço arquitetônico. É por meio do pequeno e da soma de singularidades que o desafio é vencido, transformando a secura neoclássica em cenário sedutor."
www.estadao.com.br/estadaodehoje
Maria Hirszman
"Contaminação, excesso destemido e ousado"
Instalação de Joana Vasconcelos é gigantesco conjunto capaz de absorver os elementos mais diversos, uma provocação com sua exuberância cromática
Apos ter lido o primeiro excerto que o Alexandre refere foi-me realmente dificil conseguir relacionar essa "introducao" com o trabalho da Joana Vasconcelos.
Julgo que este tipo de textos faz parte de uma "tradicao", em que o autor procura mostrar um pouco os seus proprios conhecimentos ou preocupacoes e so' entao passar a falar do trabalho do artista.
Para o leitor/espectador sao lidas mais algumas referencias, que podem ou nao estar relacionadas com o trabalho que podera' encontrar.
Parece-me que advem da necessidade de justificar (ou mesmo legitimar) o "novo" pelo "antigo" (o que ja' existe).
Nao e' realmente uma introducao feliz, dado o trabalho que procura justificar.
Neste caso, a introducao nao me parece estar dirigida ao trabalho da artista, mas sim ao proprio espaco onde se realiza (a Pinacoteca do Estado de Sao Paulo) - uma especie de justificacao do espaco; nao me parecendo correcto que qualquer intervencao artistica num espaco tenha de ter (sempre ou quase sempre) como referencias trabalhos de Robert Smithson ou de Gordon Matta-Clark.
Por outro lado, as referencias "soltas" a estes artistas tem o "valor" de posicionar o texto do proprio autor dentro de um "discurso contemporaneo", ou seja, sao uma tentativa de legitimacao do autor, enquanto produtor de informacao.
Este parece-me um ponto importante para se perceber que o que permite a maior divulgacao da Arte (nomeadamente a Internet), atenta contra ela e contra o proprio autor de informacao, pois ele age sob pressoes do consumo da informacao que produz.
A velocidade e a duracao dos eventos, por outro lado, fazem com que as suas palavras possam aparecer e desaparecer, sem que se de grande importancia e assim o valor destas referencias soltas acaba por nao ter tanto impacto, quanto o desejavel - no contexto do qual se compromete (neste caso a exposicao de uma artista).
Nao sei se e' consciente, para este autor, que existe este ritmo acelerado de consumo e que as suas palavras desaparecerao 'a mesma velocidade com que foram criadas.
O que penso que sera' necessario e' que exista uma percepcao de que existem diferentes ritmos de informacao - se por um lado existe a necessidade (que e' quase funcional) de divulgar uma informacao que ocorrera' no curto ou medio tempo e que tem de ser o mais fiel a essa informacao (se possivel com uma reflexao); por outro, e' importante que se contextualize essa informacao - mas buscando referencias correctas sobre esse mesmo trabalho - ou no caso de nao existirem entao nao as introduzir no texto, com o risco de se tornarem superfluas (como aqui e' demonstrado).
Penso que este tipo de discursos tem ate' um efeito contrario ao intencionado. Numa altura em que se fala constantemente na "criacao de novos publicos", por exemplo, sera' importante que os criticos ou os autores de textos de arte consigam aproximar e elevar o discurso artistico, com um papel reflectivo, mas ao mesmo tempo educativo. Se as Ciencias Exactas, tem elas proprias valores aproximados, nao se pode querer entrar em discursos dogmaticos na Arte, que por si so' e' subjectiva.
Posted by: Pedro dos Reis | 02/22/2008 at 12:53