Há oito dias o debate espanhol foi um bom programa - uns furos acima da retórica estereotipada e dos truques baixos que por cá se usam em política. A seguir, o debate nacional, com a presença da ministra da Educação, aguentou-se no confronto, graças à serena segurança de Maria de Lurdes Rodrigues.
O seu discurso (aliás, nunca se trata de um discursar à maneira dos políticos, mas de uma fala argumentada, de quem se propõe ao diálogo) tem ao mesmo tempo uma consistência técnica visivelmente sólida e uma densidade teórica original que constitui o fundo da sua reforma.
Trata-se de intervir num sistema em derrapagem permanente (e esta podia servir interesses e cumplicidades e desistências variadas) e de ter a coragem de procurar respostas para construir um futuro diferente - diferente do presente actual e do futuro que se idealizou em anteriores condições ideológicas e políticas. É uma luta inovadora e em várias direcções - o que justifica divisões inesperadas (os anteriores pedagogos? do PS) e algumas outras alianças.
O activismo de uma corporação animada pelas piores razões (a defesa do imobilismo, o manobrismo partidário, o rancor contra os que detêm um poder legítimo para impor mudanças) - e também, claro, por eternas queixas fundadas - pode incluir algumas energias e alguns dinamismos saudáveis ou bem intencionados mas já não são estes que se exprimem. Deixaram de ser credíveis na luta contra a "avaliação" e na defesa dos previlégios "públicos" próprios da herança funcionária.
Espero que os raciocínios de Vital Moreira se comprovem:
(i) Maria de Lurdes Rodrigues já deu sobejas provas de que não se deixa impressionar pela contestação; (ii) Sócrates nunca poderia ceder aos protestos de uma classe profissional, ainda por cima sem apoios na população em geral.
E espero que as sondagens provem que compensa fazer política com vontade de mudança (em vez de repetir os discursos vazios dirigidos àqueles que gostam de ser enganados) .
Hoje há mais política à espanhola.
Num país pouco dado a avaliações, sou por princípio defensor da avaliação de professores. Entendo essa avaliação, ou gostaria que assim fosse, como uma análise rigorosa, ou um balanço exigente, do que corre melhor e pior com cada professor e em cada escola e quais as medidas para melhorar as práticas pedagógicas. Infelizmente, a avaliação que o Ministério da Educação pretende impor é, principalmente, um sistema de classificação/hierarquização de funcionários. Não vejo em que é que isso possa melhorar a qualidade do ensino. Se a ideia é a de distinguir "o trigo do joio", premiar a qualidade, receio bem que no final do processo sejam os oportunistas e os medíocres, que os há com fartura nas Escolas (como em outros lugares), a saírem beneficiados deste sistema de avaliação.
Um outro problema, de que pouco se fala, é o não estar prevista qualquer redução da componente lectiva dos professores avaliadores. Sendo assim, os professores avaliadores acumulam ao horário normal um outro horário para as inúmeras tarefas suplementares relacionadas com a avaliação. Parece que ser professor titular, isto é, ver reconhecida a experiência, a competência e a responsabilidade, é motivo de castigo. Professores exaustos, são melhores professores?
Posted by: Roteia | 03/10/2008 at 05:46
Admitindo o interesse argumentativo das objecções apontadas, reconhecer-se-á também que não são elas que justificam os cem mi manifestantes, ou passeantes. Existem queixas e frustrações, quer no terreno sócio-político mais geral quer nos da prática profissional e da intimidade pessoal, que se federaram num "unitarismo" incompreensível do exterior, se não como inaceitáveis manifestações corporativas politicamente manipuladas. De fora, a resistência à mudança, o imobilismo sindical, a manipulação partidária, a irresponsabilidade política do "jornalismo (dito) independente" e de quem prefere a direita que espreita à esquerda que temos são as forças que mais pesam na balança. O comentário conciliador de Fernando Madrinha no Expresso de 1 de Março ("Avaliação da ministra"), a análise bem informada de Vital Moreira no Público de 4 de Março (alguém respondeu às razões expressas em "Os professores"?), a firme e paciente serenidade explicativa das intervenções de Maria de Lurdes Rodrigues no Prós e Contras e as suas sucessivas entrevistas, entre muitos outros factos, foram iluminando o caminho que vamos ter de seguir.
Posted by: ap | 03/10/2008 at 09:29
Sou completamente a favor das avaliacoes dos professores e acharia bem que houvesse uma extensao aos outros ministerios, ou sectores publicos.
Sou avaliado no trabalho que desempenho profissionalmente duas vezes por ano, alias, e julgo que e' a melhor altura para se fazer um ponto de situacao sobre o que faco, ou ate' fazer reparos 'a minha chefia, quando penso ser necessario.
Sem sistemas de avaliacao e' impossivel que existam sistemas de merito e isso so' da' continuidade 'a situacao que se vive muitas das vezes e que conduz, na minha opiniao, ao marasmo em que o Pais se encontra.
Claro, que a meu ver existirao sempre situacoes injustas, mas nenhum sistema e' perfeito. Em todo o caso, os "incompetentes" (ou acomodados) terao menos razoes para se sentirem seguros num sistema assim e serao, concerteza, obrigados a agir de acordo com os parametros requeridos.
Se houver criterios rigorosos de avaliacao e quantificacao do trabalho profissional (que e' sempre dificil e nem sempre cientifico - e ainda assim a Ciencia nem sempre e' exacta...) penso que sera' um passo importante na melhoria do amanha.
Na realidade a qualidade profissional do trabalho desempenhado deveria ser intrinsica ao individuo que o desempenha e estas medidas acabam por ser um "castigo" para todos, de forma a que existam criterios globais que tratem toda a gente de igual forma (ou sera' essa a intencao).
Por outro lado, abre-se um precedente e que e' importante salientar - talvez seja um problema inerente a gestao de "recursos humanos" (e que Sun-Tzu ja' dizia que era uma das qualidades de um lider) - para se poder punir, tambem necessitarao de existir sistemas que contrabalancem e que premeiem. Nao podera' haver aqui um desiquilibrio nesta questao.
O premio nao podera' ser "continuar a ter emprego", pois isso e' um facto e nao e' com "politicas de medo", que se consegue desenvolver um ambiente prospero e focado no essencial (ensinar e aprender).
E' bom que se mostrem alternativas neste sentido e que nao se crie uma metodolodia do amedrontamento. Isso nao e' saudavel de forma alguma.
Neste momento, as demonstracoes dos professores, as palavras recicladas pela comunicacao social e a postura do Ministerio conduzem os pontos de vista da opiniao publica para os pontos negativos da mudanca e assim sera' complicado criar-se uma situacao de dialogo, com vista 'a resolucao do problema.
Enfim, parece-me uma decisao nada facil, mas que concerteza tera' os seus frutos daqui a alguns anos. Nada acontece de repente e muito mais quando existe uma inercia natural em se adquirir novos valores. Era bom que no meio desta e outras discussoes fundamentais na nossa sociedade, que houvesse Esperanca.
Posted by: Pedro dos Reis | 03/11/2008 at 00:23
Voltando ao assunto, caro Alexandre, é de facto muito difícil discutir o problema na generalidade e visto de fora. Sabemos bem que as deficiências da Escola pública portuguesa são elas próprias reflexo da sociedade portuguesa, mas se a Escola poderia ou deveria ser uma espécie de ilha de excelência, então nas últimas décadas os responsáveis ministeriais tinham que ter apostado num sistema selectivo de admissão de professores. Quando se abriu as portas ao ensino obrigatório, na época em que acabaram os liceus de elite, o ME precisou de contratar mão-de-obra barata, integrou gente sem qualidade nem qualificações, era o que havia, alguns ainda continuam por cá.
A qualidade e a competência não se fazem por decreto, todos o sabemos, mas não podem deixar de ser objectivos essenciais da avaliação. Humilhar todos os professores indiscriminadamente, não ter em conta a experiência pedagógica dos professores nos processos de gestão, dizer-lhes que a classe é responsável pela deficiente formação das gerações actuais, atraso económico e outros males do país, etc, sem contextualizar as questões sociais e culturais, é como colocar o pescoço debaixo da areia. Hábito aliás frequente na Ministra, que dias antes da manifestação garantia num telejornal, a propósito do processo de avaliação, que estava tudo a correr normalmente nas escolas, quando todos os professores sabiam que isso era mentira. Não foi a manipulação partidária ou sindical que levou os professores à manifestação, foi mesmo o imperativo de dizer "já basta". E se a ministra ultimamente moderou o seu discurso agressivo foi apenas por necessidade transitória, por ter auto-armadilhado o processo de avaliação: fez sair um decreto para cumprimento imediato sem dialogar, sem esclarecer, sem ter em conta as condições de cumprimento "no terreno". Também não sei onde é que o Prós e Contras conseguiu desencantar aqueles professores com falta de argumentação e alguns até com falta de educação. De facto, naquele contexto, bastou à Ministra manter a calma e passar a mensagem da determinação. Suspender, rever erros, simplificar e calendarizar adequadamente teria sido sábio. Agora talvez seja tarde demais, de recuo em recuo a avaliação vem perdendo seriedade.
Um protesto de 100.000 professores indignados é apenas isso. Significativo é que seja uma classe individualista e desunida a fazê-lo. Nem todos por boas razões, sem dúvida, mas a maioria por questões de dignidade, estou convencido disso.
Sobre o actual estado de empobrecimento do ensino, um exemplo, entre tantos outros, partindo da minha experiência pessoal: durante cerca de 15 anos desenvolvi na minha escola programas regulares de visitas a museus de arte com todas as turmas, várias vezes por ano. A maioria dos meus alunos entrou em museus pela primeira vez através desse programa, já que os hábitos culturais da maior parte das famílias são o que se sabe. Desde que se tornou obrigatório permanecer na Escola em horário não lectivo vi-me impedido de continuar esse trabalho. E já lá vão 3 anos, ou seja, 3 anos de adolescentes da minha escola que deixaram de ter contactos "ao vivo" com obras de arte. Isto é apenas um exemplo contrário ao da propaganda que diz que as coisas têm melhorado. Como evitar o empobrecimento cultural da Escola sem avaliar os projectos bem sucedidos? Nivelar por baixo (pelas estatísticas), é boa política?
Posted by: Roteia | 03/12/2008 at 02:21