Barr 2
Peter Blume (1906-1992), A cidade eterna, 1934-37, 86,4 x 121,6 cm (a cores em Modern Art despite Modernisme, MoMA, 2000)
Barr dedica-lhe duas páginas e coloca-a em paralelo com Guernica na secção "Alegoria e profecia: o artista e o estado do mundo", que deverá ter concluído o livrinho / the booklet durante a II Guerra, e antes de lhe acrescentar o capítulo que vai de Matisse 1950 a Gottlieb 1957.
"Como tantas outras originais e desafiadoras pinturas dos últimos 100 anos, The Eternal City foi atacada de todos os lados..."
"Por volta de 1935, entre as pessoas interessadas em arte, as ideias de simplicidade, espontaneidade e pureza artística já não eram revolucionárias <"os simples e largos planos de cor de Whistler, Gauguin, Matisse e Picasso">. De facto tinham-se tornado tão ortodoxos e académicos que até já influenciavam o ensino escolar médio.
Portanto, quando Blume pintou um quadro que não só tinha um tema, como era um tema de grande e controversa importância..., não espanta que os devotos da anterior revolução "forma e cor" se perturbassem e voltassem a resmungar as palavras "reaccionário" ou "não é arte" (como tinham feito com o realismo surrealista de Dali, o realismo satírico de Grant Wood dos anos 30 ou o realismo clássico de Picasso de 1920)"
Para Barr,então, "The Eternal City é um importante incidente num dos revolucionários regressos aos interesses temáticos que começam na pintura um pouco antes da 1ª Guerra Mundial com artistas como De Chirico, Picasso e Chagall e que ganham grande relevo por volta de 1920". É uma curiosa e inesperada pista alternativa à visão corrente de um tempo e de uma viragem pós-ou-anti-vanguardista que são habitualmente associados à, ou ocultados pela, ideia de "regresso à ordem", com a vantagem de ser uma formulação muito próxima dos acontecimentos e implicada neles.
Depois de ter percorrido os caminhos do impressionismo (2 pp.) e do expressionismo (6 pp. - "o mundo transformado", "o espírito religioso" e "a pintura é como a música"), depois do que chama "Os construtores" ("os pintores olham para a geometria", "para além do cubismo" e "a tradição cubista", 6 pp.), o futurismo ("motion and commotion", 2 pp., incluindo Nude descending a staircase e três Estados de alma de Boccioni) e ainda "Mistério e Magia" (de Rousseau a Miró, 4 pp.), Barr acrescenta à ideia da diversidade moderna dos caminhos, que parece traduzir o espaço aberto e plural de chegada, um princípio de ritmo vitalista, cíclico, entre revolução e conservantismo, que contradiz aquela interpretação pluralista da actualidade:
"A arte está sempre num estado de revolução, às vezes gradual, outras vezes súbita. E, como na política, as ideias revolucionárias em arte, depois de serem genericamente aceites, tornam-se parte da opinião conservadora que por sua vez tenta defender-se conta uma nova revolução.
"Whistler em 1875 era revolucionário ao pedir ao público para olhar as suas figuras como "composições" sem prestar atenção ao tema. Kandinsky levou ideias semelhante ao climax cerca de 1912 abandonando totalmente o tema e dizendo-nos para olhar as pinturas puramente como combinações de formas e cores".
O ciclo que se inicia um pouco antes da 1ª Guerra e vai até ao fim da 2ª (já se lhe chamou a segunda guerra dos 30 anos) parece ter uma natureza diferente do que é ritmo da obsolescência das revoluções admitido por Barr, mas o texto de Barr, cujas reedições atravessam as mudanças políticas de duas décadas 40/50, não resolve essa possível contradição entre um princípio genérico (o estado de revolução) e o real peso dos acontecimentos. Refere, antes de Blume e Picasso, em 1937, os muralistas mexicanos e a sua influência em "numerosos americanos que deram nova vida à alegoria construída com temas históricos, sociais e políticos", refere tb as terríveis profecias de Orozco e Beckmann, mas diz que depois da guerra "os pintores em geral viraram as costas (turned away from) à destruição e ao horror".
E entra aí a dominação da pintura abstracta, característica do meio-século - retomando-se as coisas como estavam com Kandinsky e Mondrian e "enriquecendo-as com uma ainda maior variedade de estilos e novos talentos". Mas Barr ainda prevê, em 1959, que as coisas vão mudar - sob a influência preponderante de De Kooning: "Os anos 60 irão assistir a uma reemergência da figura humana em novas e por vezes inquietantes formas". De faqcto, em Setembro de 1959 o MoMA inaugurava New Image of Man, dirigida por Peter Selz que "regressava" à imagem do homem em tom existencialista e juntava americanos e europeus quando estava no auge a firmação da supremacia de Nova Iorque. Em tempos de pureza auto-referencial, era uma "feira de monstros". findarticles.com
As últimas três páginas, sem imagens, são um panfleto em defesa da liberdade americana, citando Roosevelt e Eisenhower; um panfleto próprio dos anos da Guerra Fria e idêntico aos de muitos admiráveis filmes, mas de facto profundamente implicado na guerra interna em defesa arte moderna norte-americana face às acusações que a associavam ao comunismo, em tudo simétricas às que no leste consideravam que a obra de Picasso era a "apologia estética do capitalismo". A pergunta "porque é que os ditadores totalitários odeiam a arte moderna?" é neste caso dirigida também aos conservadores norte-americanos, ao congressista George D. Dondero, depois do senador McCarthy, só desautorizado em 1954, que condenavam todo o apoio oficial aos artistas modernos - a uns por terem pertencido a listas negras e a outros apenas por serem artistas "abstractos".
Logo em 1946 uma campanha dos jornais da cadeia Hearst leva ao cancelamento da exp. Advancing American Art e ao seu regresso de Praga, por acaso mesmo nas vésperas da incursão sovética. Em 1948 os 79 óleos e as 38 aguarelas da exp. foram leiloados como excedentes de guerra. Os artigos de Barr "É comunista a arte moderna?" (NY Times Magazine, 1952) e "Liberdade artística" (College Art Journal, 1956 - republicados em Alfred H. Barr - Defining modern art, 1986 / La definición del arte moderno, Alianza Editorial, 1989, uma antologia apresentada por Irving Sandler, são documentos impressionantes de uma conjuntura complexa, e estabelecem uma cronologia bem diferente das convicções correntes (Serge Guibaut faz uma leitura precipitada do roubo da arte moderna: How New York Stole the Idea of Modern Art: Abstract Expressionism, Freedom and the Cold War, Chicago, 1985).
De facto, só em 1958, com a itinerância europeia da exp. do MoMA A nova pintura norte-americana, a Agência de Informação dos Estados Unidos, USIA, aceitou patrocinar a projecção exterior da nova arte norte-americana. Vários dos então "action painters" eram vistos na Europa pela primeira vez, embora Barr já tivesse levado Gorky, De Kooning e Pollock à Bienal de Veneza de 1950 - mas esta referência, se não aprofundada, presta-se a erros: os três apresentados por Barr foram numa representação que contava com uma retrospectiva do histórico John Marin e mais três outros jovens artistas ditos "expressionistas" e hoje menos lembrados (Hyman Bloom, Lee Gatch e Rico Lebrun).
A crítica da Time (não assinada) chamava-se "What's in fashion": "Old John Marin, who sniffs (torce o nariz) at both abstractionism and expressionism, was the one painter in the U.S. pavilion whose reputation would clearly survive fashion."
Foi em 1949 que a Life lançou Pollock como vedeta mediática, fotografado por Arnold Newman, mas a consagração efectiva seria muito mais demorada. Para a Time, em 1950, o pavilhão de Veneza mostrava "one great painter and six more-or-less indecipherable ones".
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Por esta altura, Greenberg já tinha escrito "Vanguarda e kitsch" (1939, Partisan Review; em livro só em 1961).
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