Antes da "Revolução Cinética", uma tb animada representação croata (antes jugoslava) em Cascais, em 2001, haja memória
"No centro da Europa"
Abertura à actualidade ocidental e continuidade da tradição construtivista na arte croata desde 1950
Expresso Actual de 9/6/2001
EXAT 51 (1951-1956) - NOVAS TENDÊNCIAS (1961-1973)
Centro Cultural de Cascais (Até 24 Jun.)
São múltiplas as razões de interesse desta exposição de artistas da Croácia, que traz a Cascais um panorama alargado dos anos 50 até ao presente. Entre elas, abrir um relacionamento ao centro e leste europeu, sempre tão pouco presentes, ao representar um dos velhos países emergentes nos Balcãs e a história de uma ex-Jugoslávia distanciada do bloco soviético na década de 50, através, nomeadamente, da acção pioneira dos grupos de Zagreb aqui mostrados.
Não é uma manifestação regionalista que se apresenta; pelo contrário, ela dá conta de uma dupla situação que foi de abertura à actualidade ocidental e às manifestações vanguardistas dos anos 60 e 70, bem como de continuidade da tradição construtivista, ligada já nas décadas que antecedem a II Guerra Mundial às vanguardas russas e ao ensino da Bauhaus.
Ao contrário de uma representação nacional generalista, a mostra concentra-se num restrito grupo de artistas que começou por ter uma intervenção pioneira na oposição ao realismo socialista, tornada possível após a ruptura de Tito com a tutela de Estaline. Reunidos primeiro no grupo EXAT 51 (contracção de Experimental Atelier), activo entre 1951 e 56, contando com uma intervenção determinante de arquitectos e designers interessados na ideia de síntese das artes plásticas, com extensão às artes aplicadas, os mesmos e outros artistas participaram entre 1961 e 73, também em Zagreb, numa sequência de exposições internacionais denominadas «Novas Tendências» onde convergiram diferentes orientações renovadoras, em especial as que prolongavam o abstraccionismo geométrico através da exploração de novos recursos técnicos e metodologias racionalistas.
No panorama croata, outras orientações paralelas decorreram do surrealismo ou do informalismo («tachisme») dos anos 50, para além de continuidades realistas locais e da valorização de artistas «naives» que continua no presente. À dispersão de direcções, a mostra preferiu um programa de grande coerência que constitui também uma informação qualificada sobre linhas que tiveram sempre reduzida penetração em Portugal.
Não são nomes conhecidos os dos nove artistas representados, mas a circulação internacional que vários deles alcançaram tem sido recuperada através de retrospectivas dedicadas aos contextos artísticos do centro e leste, que se têm sucedido à queda do Muro de Berlim e preparam agora a integração europeia. A sua manifestação mais ambiciosa foi a exposição «Aspect/Positions», em 1999-2000, organizada por Lórand Hegyi no Museum Moderner Kunst Stifung Ludwig, de Viena, que se apresentou também em Barcelona.
O grupo EXAT 51 esteve associado aos meios da abstracção geométrica parisiense (Salon des Réalités Nouvelles e Galeria Denise René); mais tarde, Ivan Picelj e Miroslav Sutej, dois dos artistas presentes, participaram na grande exposição «The Responsive Eye» organizada por William C. Seitz no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, que consagrou, em 1965, a arte «optical» ou Op.
Entretanto, desde a primeira exposição «Novas Tendências», levada a cabo pela Galeria de Arte Contemporânea de Zagreb (actual Museu de Arte Contemporânea, a quem pertence a quase totalidade das obras expostas), começara a estabelecer-se um eixo jugoslavo (croata) de cruzamento e síntese entre os inúmeros grupos organizados que em diversos países encabeçavam a reacção à abstracção informal e lírica da década de 50, primeiro interessando-se pela pintura tautológica e monocromática, depois no sentido da investigação sistemática da percepção visual baseada na teoria da Gestalt, das relações entre a cibernética e a arte, a teoria da informação e os computadores, etc.
Actuavam nesse contexto, paralelo às novas figurações e à pop, mas menos conhecido, o Grupo Zero, os Grupos Azimuth, T e N de Itália, o GRAV (Groupe de Recherche d'Art Visuel, de Le Parc, Morellet, etc., em Paris), sendo Vasarely e Schöffer, húngaros de origem, preponderantes na afirmação da arte cinética. Associados como teóricos às ideias de cientifização da arte encontravam-se Umberto Eco e G. C. Argan, Frank Popper e Abraham A. Moles, que igualmente circularam pelas exposições e simpósios de Zagreb, então um centro cosmopolita a que o activismo terceiro-mundista de Tito conferia grande capacidade de atracção política e cultural.
A importância do cinema de animação e da respectiva escola de Zagreb, do filme ou vídeo experimental e da Bienal de Música local participam do mesmo contexto e estão também documentados na exposição e no catálogo.
A mostra abre com as obras iniciais dos principais artistas do grupo EXAT 51, Ivan Picelj (1924, pintor e designer), Alexander Srnec (1924) e Bozidar Rasica (1921-85, arquitecto e cenógrafo), juntamente com uma tela única de Vladimir Kristl (1923, também autor de filmes de animação), cuja obra se verá no piso seguinte alargada ao período das «Novas Tendências», já interessada pela monocromia. Entretanto, aí se mostra também o escultor Vojin Bakic (1915-1992), com obras de 58 a 68, transitando dos vestígios de estilização do corpo para construções modulares que exploram valores de luz em formas circulares articuladas de metal cromado.
No piso superior são atribuídos espaços alargados a várias presenças individuais participantes das «Novas Tendências», a começar por Julije Knifer (1924), que foi fundador do grupo protoconceptual Gorgona, em 1959, e que este ano representa a Croácia na Bienal de Veneza. Reduzida à contraposição de formas a preto e branco estruturadas como positivo e negativo, a sua anti-pintura passou desde cedo a explorar o motivo único do «Meandro», onde a geometria se associa ao absurdo e a uma possível ironia metafísica.
A galeria maior é partilhada por Miroslav Sutej (1936), autor de relevos cinéticos e serigrafias com articulação de formas recortadas, e pelas novas experimentações de Ivan Picelj, programadas com elementos modulares simples. No último piso, está presente Juraj Dobrovic (1928), antecedido por obras já dos anos 90 de Picelj, Srnec e Vjenceslav Richter, que foi um destacado arquitecto e a cujos relevos sistémicos em metal é dedicada, noutro local, uma sala própria. O mesmo sucede para os objectos lumínicos e motorizados de A. Srnec.
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