"Memórias construídas"
Os silêncios e a presença pública dos novos fotógrafos portugueses dos anos 1950-60 numa colecção particular
Expresso Actual de 08-04-2006
O livro saiu pelo Natal («Actual», 20-01); agora, a exposição desdobra-o pelas paredes do Pavilhão Preto, com ligeiras variantes e catálogo próprio. É ainda, por estranho que pareça, um primeiro sumário retrospectivo de fotógrafos do segundo pós-guerra, depois de várias abordagens monográficas individuais e de um panorama cronológico mais extenso, mas com diferentes lacunas, que só se viu em Charleroi, na Europália-91.
Aliás, não se trata realmente daquele projecto retrospectivo, mas de uma mostra de fotógrafos que iniciaram a actividade, pública ou privada, entre os fins da década de 1940 (no caso singular de Fernando Lemos) e meados dos anos 60 (Jorge Guerra). Fotógrafos do pós-guerra foram também Mário e Horácio Novais, o pide Rosa Casaco (Salazar na Intimidade, 1954) e outros. A arrumação por décadas que os hábitos escolares praticam nas artes visuais atende só às emergências (às revelações, às rupturas, mesmo quando não rompem nada no seu tempo de aparição), e ignora as continuidades de trabalho e as produções dominantes. Como se Manoel de Oliveira fosse um cineasta dos anos 30, Cardoso Pires e Saramago escritores dos anos 40.
A história é uma construção, em que entram recuperações e esquecimentos. No caso «Em Foco» não se trata de pesquisa histórica, mas de uma colecção privada, a da Fundação PLMJ, do escritório de advogados do mesmo nome, e ela não decorre da sedimentação de um acervo de provas encontradas, escolhidas e compradas ao longo do tempo mas dum programa de aquisição de impressões recentes, asseguradas pelos autores ou já pelos seus representantes, estabelecido em função duma grelha de nomes reconhecidos.
Mostram-se alguns inéditos (em especial de Victor Palla) datados dos anos 50, o que levanta sempre dúvidas de tempo e autoria, e também há imagens recentes dos que continuaram ou retomaram a actividade (em especial Castello-Lopes), mas o facto principal é que se amplia a lista de autores para além dos que António Sena divulgou como os «olhares de transição» dos anos 50-60.
Por essa abertura passam Francisco Keil do Amaral (expositor de fotografia nas Gerais de Artes Plásticas de 1950 e 55, como Victor Palla, dinamizador e um dos autores da Arquitectura Popular em Portugal, de que aqui se mostram duas imagens), Augusto Cabrita (que expôs também em 55, fotógrafo de estúdio, de salões e de reportagem no «Século Ilustrado», com carreira no cinema e televisão), Eduardo Gageiro (foto-repórter profissional desde 57 e também salonista) e João Cutileiro (que em 1961 expôs fotografias juntamente com esculturas e desenhos). É um estímulo para outras aproximações ao passado fotográfico nacional, levantando barreiras de gosto, de meio social e círculos políticos.
Gérard Castello-Lopes, Carlos Calvet, Carlos Afonso Dias e António Sena da Silva fotografaram nos anos 50, com uma imensa vontade de mudança, mas, fora uma ou outra excepção mais do que discreta, só foram expostos e publicados nos anos 80 (é nessa década que se fez o «corpus» das suas obras e que foram influentes), tal como Jorge Guerra, que começou em 67 e fez carreira no Canadá.
Fernando Lemos é um caso singular, que parte das artes gráficas para a descoberta da pintura e da fotografia, numa apreensão fulgurante da cultura surrealista, prolongando-a por um excepcional sentido do retrato. A exposição de 52 na Casa Jalco, só conhecida no meio das artes plásticas, ficou sem eco ou continuidade, e ele seguiu para o Brasil, abandonando a fotografia. Victor Palla e Costa Martins expuseram e publicaram Lisboa, Cidade Triste e Alegre em 58-59, que agora se reconhece como um marco internacional, mas tudo ficou esquecido até surgir na década de 80 uma nova geração de fotógrafos, críticos e divulgadores.
No entanto, Portugal não era, por essa altura, um deserto fotográfico, pelo contrário. O outro lado do silêncio público dos novos fotógrafos de 50, entre o neo-realismo e as novas subjectividades, era a sobre-ocupação do terreno por um regime que soube usar muito bem a fotografia funcionalmente moderna, desde o álbum Portugal 1934, do SPN; depois na Exposição de Paris, em 1937 (Alvão e M. Novais); na de 1940, em Belém, com o talento mediático de Leitão de Barros; na revista «Panorama», com direcção gráfica de Bernardo Marques; na Feira de Lausanne, em 56; nos álbuns turísticos e na imprensa ilustrada. E que também patrocinou a fotografia artística das associações (Grupo Câmara, de Coimbra, fundado em 49; Foto-Clube 6 x 6, em 50, etc.) e dos concursos e Salões. Cabrita e Gageiro, os únicos profissionais da exposição, vêm desse meio.
Em Espanha, face a um tardo-pictorialismo mais persistente, por vezes notável, partiu do interior das associações uma simultânea renovação fotográfica, que se propôs «esquecer a palavra ‘arte’ por um tempo» e se dedicou igualmente ao documentário social, com Joan Colom, Ricard Terré, Maspons, Masats e Miserach, em Barcelona, num processo logo polarizado pela revista «Afal» (1956-63), de Almería, num sul longínquo, que se internacionalizou em edições bilingues e expôs em várias cidades europeias. Não houve contactos portugueses com esse circuito da nova fotografia, nem paralelismo das duas evoluções, de divergente sentido. Uma recente exposição da Biblioteca Nacional de Madrid, «El Papel de la Fotografía», sobre as três revistas que mudaram o panorama espanhol («Afal», «Nueva Lente» e «PhotoVisión»), é, em negativo, uma achega para se entender o que por cá (não) acontecia.
Em Foco
Fotógrafos Portugueses do Pós-Guerra. Obras da Colecção da Fundação PLMJ
Museu da Cidade, até 28 de Maio
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