"Desgaste rápido"
Expresso Actual de 20-12-2003
A segunda geração dos anos 90 reunida em Vigo
"Outras Alternativas. Novas Experiências Visuais em Portugal"
Marco, Museu de Arte Contemporânea de Vigo, até 25 de Janeiro
A exposição do novo museu de Vigo, o Marco, tem (por coincidência?) a ambição de se tornar um marco cronológico da arte portuguesa. O propósito de fazer história apoia-se num volumoso catálogo onde vários autores escrevem sobre décadas, gerações, rupturas e paradigmas, trocando a justeza dos conceitos pela gestão de nomenclaturas. O comissário é David Barro, crítico espanhol, professor da Escola de Artes da Universidade Católica, no Porto, director da revista «W Art» e autor de Imagens Pictures para uma Representação Contemporânea (ed. Mimesis).
Reúne a mostra os jovens artistas nomeados e premiados nos concursos EDP e União Latina ou expostos em colectivas («7 Artistas ao 10º Mês») que têm estabelecido, se não a consagração ou o reconhecimento público, pelo menos a entrada no «circuito institucional». Outros expuseram em museus e manifestações internacionais ou caseiras tidas como emblemáticas da década de 90, algumas apresentadas por alternativas oficializadas como a ZDB e o projecto Art Attack. No conjunto, fixa-se o alargamento do mapa das escolas de origem das faculdades tradicionais e Ar.Co à Maumaus e ESTGAD (Caldas da Rainha), para além das pós-graduações cosmopolitas em que se prolongam as carreiras escolares sob a tutela do polvo académico.
Mais que afirmar opções críticas pessoais, trata-se de cartografar a «chegada maciça a fundações e museus», com poucas <algumas> excepções por prováveis relações galerísticas. Este panorama da arte mais jovem é apresentado como uma nova promoção ou geração de criadores que se segue à que teria surgido na primeira metade dos anos 90. Sem se apresentar como um grupo, esta geração «dispersa ou disseminada» não surgiu em ruptura com aquela, mas através de «um paulatino corte estético», caracterizado pelo abandono do «marcado carácter político» anterior em favor da «nova investigação tecnológica». À «agressividade directa dos trabalhos» dos primeiros, que o «sistema artístico dominante» rejeitou, sucedeu a «conexão com a crítica» e o rápido acolhimento institucional. Fica a julgar-se que por arte política se entendeu a luta geracional pelo acesso ao museu.
Resistem as obras ao programa da exposição? A resposta é não, apesar das amplas e cuidadas condições de montagem. Trata-se em demasiados casos de «linguagens» presas a marcas de conjuntura que se vão congelando em variações forçadas. Baseados na surpresa de uma eventual (boa) ideia, ou anedota, as peças resistem mal à perda do efeito de surpresa em segundas exibições. Noutros casos, a dispersão das «pesquisas» impede a construção de uma autoria ou perfil criativo, através de mimetismos vários. Colhidos à saída das escolas, sacrificados a programas críticos e dependentes de «projectos» enquadrados por comissários-tutores, muitos artistas sujeitos a consagrações prematuras demonstram um evidente desgaste rápido.
Os vinte artistas expostos nasceram entre 1970 (Miguel Soares e Rui Toscano) e 1978 (João Vilhena), mas a cronologia da sua aparição e carreira é muito diversa e, de facto, arbitrária: alguns vêm dos finais dos anos 80 ou inícios de 90 (M. Soares, Alexandre Estrela), em cumplicidade com a tal «1ª geração dos 90»; outros surgiram já em 2000 (João Pedro Vale ou J. Vilhena), e seria mais oportuno tomá-los como pertencentes à actual década 00, embora a designação não os favoreça. A escolha tem por regra única, além da circulação institucional, não incluir nenhum dos nomes presentes na mostra «Imagens para os Anos 90»* (1993), que assim se consideraria o anterior marco histórico.
Agrupa-os a exclusão da pintura (excepto se simulada directamente na parede, no caso de Pedro Gomes), a opção pela fotografia neopicturalista (suporte de escrita ou citação de pintura antiga em Joana Pimentel e Rita Magalhães, que, aliás, introduzem alguma frescura e perturbação no conjunto), o entendimento «pós-media» da escultura (a instalação) e o uso do som e do vídeo, tidos como novas tecnologias (no catálogo, Miguel Wandschneider publica um texto muito lúcido a este propósito). Foram esses, de facto, os estreitos critérios oficiais de premiação de jovens artistas ao longo dos últimos anos e a exposição de Vigo confronta os júris e poderes estabelecidos que os cooptaram com uma imagem exacta, embora imprudente, do que foram as suas opções estéticas. Os artistas representados ainda não referidos são Joana Vasconcelos, Leonor Antunes, Vasco Araújo, Nuno Cera, Filipa César, Noé Sendas, João Onofre, Francisco Queiroz, Rui Calçada Bastos, André Guedes, Ricardo Jacinto e Sancho Silva.
É um conjunto que de modo algum representa o universo dos jovens artistas promissores surgidos na década de 90, na sua maioria pintores, com percursos solitários e independentes, enquanto outros, um pouco mais velhos, se foram impondo ao longo desses mesmos anos, marcando-os decisivamente. Não importa propor uma nomenclatura alternativa, mas só defender a diversidade dos caminhos possíveis, livremente trilhados pelos artistas, à margem ou contra os programas previamente fixados.
E também:
"Os Anos 90 não existiram" - Espacio/Espaço Escrito, Badajoz 1998, Nºs 15-16, pp. 106-116
Imqagens para os Anos 90 - Casa de Serralves, 1993 ("Não há novos") *
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