Alguma coisa podia mudar, ou problematizar-se, com a viragem de 2001, trocando-se Carrilho por Sasportes
"O estado da arte do Estado"
Expresso Cartaz 24/2/2001
Instituto de Arte Contemporânea tem novo director - José Manuel Fernandes* - e abre-se à arquitectura
Tomou posse esta semana como director do Instituto de Arte Contemporânea o arquitecto, professor e historiador de Arquitectura José Manuel Fernandes, também comissário de uma retrospectiva de Cristino da Silva e de outras exposições («Anos 60», Trienal de Milão, etc.), além de colaborador permanente do EXPRESSO.
A nomeação sucede à reforma do anterior director, pintor Fernando Calhau, por razões de saúde. Mantém-se como subdirectora Isabel Carlos**, cujo segundo mandato se prolonga até 2002, embora já tenha manifestado a intenção de vir a proporcionar a sua substituição, depois de acompanhar a presença portuguesa na próxima Bienal de Veneza.
Nas breves declarações proferidas na cerimónia, segunda-feira, J. M. Fernandes prometeu uma orientação de «continuidade transformadora», prestando homenagem ao seu antecessor. Idêntica referência foi feita pelo ministro José Sasportes, falando de «continuidade e transformação». Entretanto, o empossado especificou as direcções em que intervirá como «recriador das intenções» do IAC:
presença da arquitectura entre as artes que merecerão apoios;
interligação entre instituições e, em especial, entre Estado central e poder local;
atenção à chamada arte pública, na relação entre arquitectura e artes plásticas;
integração nas iniciativas públicas e actos de representação do país.
A substituição no IAC <de Fernando Calhau> pode ser um momento de viragem após uma longevidade gestionária com mais de 20 anos, que atravessou sucessivos governos a partir da Divisão de Artes Plásticas da Direcção-Geral de Acção Cultural da antiga SEC.
Um itinerário que passou pela «Alternativa Zero», em 1977; pelas Bienais Internacionais de Desenho de 79 e 81; «Depois do Modernismo», em 83, e os primeiros anos da galeria Cómicos, continuando com opções de subsidiação, aquisição e selecção coordenadas ao longo dos anos.
Toda uma história de animação e gestão pública centralizada, que se identificou com orientações estéticas de qualidade e também com cumplicidades pessoais e geracionais, graças à coesão inicial de uma equipa que contou com Julião Sarmento, Margarida Veiga, Cerveira Pinto e outros.
As intervenções de F. Calhau nas comissões de compras de obras para a SEC, para Serralves, depois também para a CGD, bem como a concertação de acções com outras entidades públicas, mantiveram uma condução crescentemente unificada das políticas do sector, já ao longo dos anos 90.
Tal continuidade traduziu-se em notórios êxitos de promoção de artistas no país e no estrangeiro, mercê da concentração de investimentos em calculadas estratégias de longo prazo. Mas é provável que lhes tenham sido subordinados o crescimento e a abertura pluralista do campo da arte, bem como a consolidação de uma retaguarda histórica e esteticamente informada, prejudicando-se a transparência dos critérios de selecção em favor de segmentos oficializados da arte nacional, que se apoiaram em anos mais recentes em chocantes situações de promiscuidade entre artistas, críticos, funcionários e directores, exercendo papéis rotativos. A concentração dos meios teve êxitos, mas instalou um clima de suspeição face aos poderes oficiais, estreitando a capacidade de diálogo com outros agentes.
A proliferação de institutos de diferentes dimensões e competências próximas debilita a eficácia administrativa do Estado, sem que tal signifique a transferência de responsabilidades para órgãos autónomos e representativos (mas não corporativos). Existem incertas partilhas de zonas de intervenção do IAC com as tutelas dos museus e da fotografia, com a área das relações internacionais e com o CCB, Serralves e outras entidades específicas. Princípios de duvidosa racionalidade, inscritos no estatuto do IAC, permitem orientar em termos estéticos o que deve ser a criação inovadora ou «representativa das linguagens actuais», justificando a criação de uma colecção pública com critérios de activismo crítico. O conselho consultivo do IAC e a comissão de aquisições, tal como são definidos na lei, são exemplos de um hipócrita fechamento das decisões.
Recuperar a credibilidade passará pela possibilidade de diálogo e concorrência entre as diferentes entidades com intervenção no sector, públicas e privadas, centrais e regionais, de índole museológica ou associativas e de proximidade, pondo fim a uma unicidade impeditiva de uma mais saudável confrontação de tensões e razões. É urgente suscitar o debate, proporcionar mais informação e sustentar as escolhas com argumentos.
*Sasportes conhecia do/no ministério a extensão GRI, Gabinete de Relações Internacioniais, cuja equipa o MMC não conseguira desalojar, e que obtivera nos Estados Unidos alguns êxitos na representação cultural portuguesa. JMF era um outsider que chegava por essa via
**Isabel Carlos, no IAC, terá tentado fazer ligações exteriores ao núcleo de sempre, distanciando-se de Calhau e não se identificando com a "ingenuidade" do seguinte JMF. Teve a coragem de sair em vez de se sentar na função pública
Nesta ocasião tentei transmitir alguma perspectiva crítica sobre a longa continuidade DGAC-IAC, mas defendendo sempre que essa estratégia (essas manigâncias) eram uma política com êxito - com um certo êxito.
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