"Prioridade à divulgação"
A estratégia e a programação da nova direcção do Instituto de Arte Contemporânea: José Manuel Fernandes e Nuno Faria
Expresso Cartaz de 19/1/2002
O Instituto de Arte Contemporânea pretende co-produzir um programa semanal sobre arte e arquitectura a exibir pela RTP2*, para o que já estabeleceu um acordo com a produtora Contracosta. O projecto é candidato aos apoios do ICAM e terá a forma de programas temáticos ou monográficos de divulgação, de 50 minutos, acompanhando a actualidade embora sem o formato de magazine informativo. A equipa de autores é constituída pelos críticos Delfim Sardo e João Pinharanda e os arquitectos João Santa-Rita e Diogo Seixas Lopes, sendo Paula Moura Pinheiro a apresentadora prevista.
Este é um dos projectos anunciados ao Expresso pela actual direcção do IAC, constituída por José Manuel Fernandes e Nuno Faria, no quadro de um plano de actuação para os próximos três anos que, sem esquecer as responsabilidades de «apoio à criação», se orienta especialmente para acções de divulgação e formação, tendo em conta «a distância do grosso da população em relação à arte contemporânea».
Sustentada num «diagnóstico» da acção deste organismo e das carências ao nível da informação sobre a contemporaneidade, a programação do IAC molda-se ao actual «quadro de realismo orçamental» e aponta para parcerias com outras entidades, públicas e privadas, e para a candidatura aos apoios comunitários do POC (Programa Operacional da Cultura).
Mais do que ser «um instituto programador**, o IAC deve fazer face às lacunas que subsistem no país e agenciar o diálogo e a colaboração com outras entidades», defendendo José Manuel Fernandes «uma maior afinação entre as várias instituições que são financiadas por dinheiros públicos». Entre propósitos de continuidade e «reforma» da acção e também da imagem do Instituto, os seus responsáveis entendem que o actual contexto político não inviabiliza o enunciado da sua estratégia e o anúncio da programação.
Para além das responsabilidades com as representações nas bienais internacionais e da continuidade de diversos apoios a artistas e agentes do sector, o IAC pretende desenvolver um programa de difusão de um modelo de Centro de Arte Contemporânea junto das autarquias.
Alguns contactos já estabelecidos, em Castelo Branco e Tavira, visam sensibilizar os poderes locais para a constituição de infra-estruturas em regiões onde o contacto com a arte contemporânea é diminuto, intervindo num panorama em que se multiplicam os projectos de novos museus ou de galerias municipais criadas sem condições adequadas. O modelo proposto assenta em espaços sem colecção própria, com orçamento reduzido e pequenas equipas de pessoal qualificado, em especial na área dos programas educativos, prevendo para os programas de exposições o aproveitamento dos circuitos de financiamento já estabelecidos.
Paralelamente, o IAC tem em curso o estabelecimento de protocolos de financiamento à programação com a duração de três anos com «instituições que desempenham um papel estratégico no domínio de uma real descentralização da arte contemporânea». Para além de ter sido prorrogado o apoio ao Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, foram firmados novos protocolos com a Porta 33, no Funchal, que passa a designar-se como Centro de Arte Contemporânea, e também com o Instituto Açoriano de Cultura.
Entretanto, a política de estabelecimento de parcerias inclui projectos como o apoio do IAC a um Curso de Curadoria promovido pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa e pelo Centro de Arte Moderna, o apoio da Fundação Ilídio de Pinho à actualização do CD-Rom sobre arte portuguesa editado pelo IAC em 1998 ou a colaboração com as Faculdades de Arquitectura de Lisboa e Porto para a conservar e tratar espólios arquitectónicos.
Internamente, com vista à «consolidação e ordenamento da actividade financiadora do IAC», Nuno Faria sublinha que foram elaborados «regulamentos de apoio à produção e à edição que estabelecem padrões de maior igualdade e exigência na apreciação das candidaturas», aguardando-se a aprovação pela tutela.
O programa de exposições de produção própria (objecto de candidaturas ao POC) assenta na continuação das mostras anuais dedicadas ao desenho e no início de dois novos ciclos igualmente destinados a itinerância. Prevê-se que seja inaugurada no Museu Soares dos Reis no Dia Mundial dos Museus a exposição «Desenho Projecto de Desenho», que incide na importância do desenho em arquitectura, comissariada por Alberto Carneiro e Joaquim Moreno, e para 2003 anuncia-se «Desenho/Escrita», a cargo de Bernardo Pinto de Almeida.
«Movimentos Artísticos do Séc. XX», um ciclo a iniciar em 2003, conta com a utilização de obras das colecções Berardo e de Serralves, conjugando-se com a publicação de uma colecção de catálogos que possam servir de manuais escolares. Já em 2002, pretende-se pôr em circulação «pequenos núcleos monográficos de trabalhos facilmente transportáveis (…) de um significativo número de artistas cujo percurso seja determinante para a leitura da contemporaneidade da arte portuguesa». Outra iniciativa, de «tipo colóquio», incidirá sobre obras da colecção do IAC.
Quanto à ampliação desta colecção, J.M. Fernandes avisa que, por agora, esse «não é um dos pontos fortes da actuação» do Instituto, embora enuncie a perspectiva de se virem a adoptar «critérios mais abertos e mais diversificados». Os dois responsáveis sublinham que «novas linguagens não são só as novas tecnologias, o vídeo e as instalações», considerando que «há também criações inovadoras no âmbito da pintura e do desenho».
A colecção foi iniciada em 97 e apresentou um primeiro triénio de aquisições na exposição «Initiare», no CCB. Em 2000, as compras foram já decididas por Margarida Veiga, directora do respectivo Centro de Exposições, admitindo-se que aí viessem a ser instalados em permanência núcleos da colecção do IAC, em articulação com fundos da Colecção Berardo depositados em Belém.
Em 2001, as verbas previstas para a colecção do IAC, cerca de 30 mil contos anuais, reduziram-se a um nível «quase simbólico», mas admite-se para o ano em curso a hipótese do orçamento ser quadruplicado com o apoio do POC. Entretanto, registou-se uma reorientação estratégica por parte do CCB, que recusa acolher novos núcleos museológicos, assumindo o Ministério da Cultura a intenção de prolongar a colecção do Museu do Chiado até à actualidade, na previsão da ampliação das respectivas instalações dentro de alguns anos.
Neste contexto, prevê-se estabelecer uma maior concertação entre o IAC e os Museus de Serralves e do Chiado, onde poderão vir a ser expostos núcleos da colecção, e equaciona-se a reorganização da comissão de compras com vista a uma actuação conjunta na selecção de obras, ao contrário da anterior delegação de competências num comissário único e da personalização dos critérios de escolha.
* Chegou a concretizar-se? Lembro-me dos programas alternados de Artes Plásticas e Arquitectura, com Alexandre Melo e Manuel Graça Dias, mas tratava-se desta produção ou foi antes?
**Por esta ocasião, passa a haver vontade ou obrigação de publicitar a acção do IAC, afirmando um programa ainda muito (demasiado) voluntarista, enquanto antes se prezava mais o silêncio e o que sob a sua capa se podia fazer com mais arbitrariedade.
O "programa de difusão de um modelo de Centro de Arte Contemporânea junto das autarquias" é uma linha de actuação que, apesar de interrompida, ainda terá efeitos no presente.
O ciclo «Movimentos Artísticos do Séc. XX», abandonado, é um exemplo gritante de equívoco administrativo, centralista e irrealista face à nova era Taschen.
As referências à antiga colecção do IAC encobrem convulsões internas, mas dão o sinal de uma alteração de propósitos do Ministério da Cultura quanto à intenção de prolongar a colecção do Museu do Chiado até à actualidade; a seguir viria a recuperação absurda do antigo nome de MNAC e a recente tentativa de reabsorver obras protocolarmente partilhadas com Serralves.
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