Há dois anos foi "O Olhar Fauve" que a Caja Duero trouxe ao Museu do Chiado, com um título sensacionalista mas mostrando o que por cá não existe, pintura internacional (no caso, francesa) das primeiras décadas do séc. XX: não exactamente as feras anunciadas mas os tranquilos Albert Marquet e Louis Valtat, mais algumas obras esparsas de nomes mais famosos, vindos do Museu de Belas Artes de Bordeús. Interrompia-se a rotina e voltava a haver um tranquilo e discreto museu no Chiado. Era a penúria que permitia agradecer a oferta espanhola*.
Agora a mesma Caja Duero traz não exactamente uma "Revolução Cinética" mas a diversão óptico-cinética, a utopia cinética, a aproximação a um episódio artístico que nos anos 60 atravessou o mundo com grande entusiasmo, com a rapidez de uma moda que competia com a moda distante da Pop americana e popularizava o construtivismo aplicado ou o abstraccionismo geométrico em versão de grande consumo e de optimismo lúdico-urbano. Vasarely era o grande nome, também em Portugal, mas foi depois muito recalcado por uma chamada à ordem que voltava a separar a Grande Arte erudita e chata do austero estilo minimalista (esse sim!) e estes outros jogos formais acessíveis e experimentais, com destino público na decoração, no vestuário, no design, etc.
Centrada na colecção da galerista Denise René, de Paris, e completada por obras de colecções portuguesas (e espanholas), a exp. tem alguns precedentes que valeria a pena citar no catálogo, não fosse o provincianismo do Chiado (um museu sem memória?):
Por cá já se vira, pelo menos, a retrospectiva de Soto, o venezuelano de Paris Jesus Rafael Soto, que Fernando Pernes apresentou na antiga Fundação de Serrralves em 1993,
e uma muitíssimo interessante exp. no Centro Cultural de Cascais em 2001: Exat 51 - 1951-1956 / Novas Tendências 1961-1997, vinda da República da Croácia e do Museu de Zagrebe, onde estas coisas tiveram muito uso titista.
E muito antes, em 1980, uma grande exp. Vasarely na Gulbenkian. que alguém me lembra agora (08/04) - e faz-se aqui o link para a sua notícia funerária em 1997.
Para além da produção nacional do género que teve muitos cultores directos e indirectos, à data e depois.
E há um ano vi no Reina Sofia (apesar da crise, antes do Borja-Villel) uma grande e muito boa exposição sobre "Lo(s) cinetico(s)", sem Revolução mas completíssima: era a concorrência, o Bencaja. Ver fotos e visita virtual anunciada (ainda activa?):www.museoreinasofia.es/cineticos
e www.logopress.es/cineticos
O Chiado não tem site!
É de Soto o "penetrável" (bbl nº 0/8) colocado no espaço exterior do Museu do Chiado, com muito sucesso fotográfico, tal como os espaços de luz criados em 1965(2005) por Carlos Cruz-Diez, outro venezuelano de Paris. O carácter periférico do movimento é um dos tópicos curiosos: Julio Le Parc vem da Argentina; Vasarely e Schoffer, os dois pioneiros, foram da Hungria para Paris (Moholy Nagy também de lá veio, via Bauhaus e com destino a Chicago).
O museu agora está habitado: http://www.aervilha
Mas, como antes se disse, o melhor de tudo é o filme de Brian de Palma sobre a exp. de 1965 "O olho sensível/The Responsive Eye", em exibição permante. (Não é um "curto documentário", no catálogo - com 22 minutos, tem a duração de um documentário - por cá é que se fazem filmes demasiado longos)
A propósito de fauves no Chiado e de Frida Kahlo no CCB escreveu-se à época.
"Chegaram as Caixas"
Expresso Actual de 20-01-2006
"Se não houvesse falta de dinheiro não veríamos em Lisboa a simpática exposição vinda de Bordéus e Salamanca (obrigado Caja Duero) que o Museu do Chiado prolongou com uma proveitosa desocultação das suas reservas. Não teríamos também, em Fevereiro, a mostra de Frida Kahlo programada por Fraústo da Silva para o CCB (obrigado Caixa Galicia). Parece paradoxal para quem não conhece os meandros dos nossos poderes culturais, mas não é.
Estas iniciativas de escala modesta, com notória qualidade histórica e capazes de atrair grandes públicos, não interessariam aos gostos críticos de directores mais interessados em passear as suas supostas carreiras pelas grandes capitais. Só surgem em Lisboa porque se interromperam os créditos para um jogo fátuo que tem tido menos a ver com programas públicos de cultura do que com planos privados de comissários, artistas, galerias e coleccionadores-investidores, com que aquelas se foram confundido por falta de escrutínio político.
As pequenas mostras vindas das periferias espanholas e francesa, ou a procurar noutros circuitos também facilmente acessíveis, têm o mérito de estabelecer um contexto cultural mais participado e integrado, que não viva apenas das franjas do «star-system» artístico - um contexto menos provinciano, portanto. Sobre ele será possível construir outros projectos de maior ambição."
Comments
You can follow this conversation by subscribing to the comment feed for this post.