O elo que faltava (II): Otto Steinert
ou José-Augusto França e a "Fotografia Subjectiva"
Um artigo "recortado" ou outro caso de reconstrução tardia do surrealismo
Associa-se demasiado Fernando Lemos a Man Ray, o que resultaria num tardo-surrealismo dependente e limitado. Agora, com a descoberta dos primeiros caminhos de Victor Palla, graças ao leilão da P4, corre-se o risco de outra associação apressada e simplista: a eventual colagem de Palla a Lemos.
Ora o que acontece é que ambos têm a mesma informação experimentalista ou de vanguarda - não (só) os clássicos dos anos 20/30, Rodchenko, Man Ray e Moholy-Nagy, etc, que já faziam parte da informação geral acessível aos interessados, mas em especial a estrita actualidade internacional da época. A informação chegava cá e era uma marca muito portuguesa a constante atenção às novas correntes vindas de todo o "estrangeiro", ao contrário de (dos) outros países em que as tradições e autoridades nacionais têm, em geral, muito peso local e pouco se olha "lá para fora".
De facto, a Fotografia Subjectiva de Otto Steinert (o grupo Fotoform de 49, a aparição na 1ª Photokina de Colónia em 1950, a 1ª exp. de 51, etc) conheceu-se por cá rapidamente. José-Augusto França confirma-o num artigo publicado no início de 1953 e de novo republicado parcialmente em Abril último. Julgo que ninguém tinha dado por ele e as retrospectivas foram-se fazendo sem bibliografias seguras - pior: parte do artigo tinha sido reeditado sem título no catálogo da exposição de F. Lemos do CAM em 1994, mas aí não foi transcrita a passagem essencial onde se falava de Steinert.
10 de Março de 1953
Palla e Lemos tiveram exp. monográficas e retrospectivas no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian em 1992 e 94, mas ambas com extremas deficiências.
Começando pela 2ª nota-se a opção, apoiada pelo artista, de expor só reimpressões modernas feitas a partir dos negativos integrais (em vez de - tb. - repescar algumas provas vintages ou publicações tipográficas da época que mostravam as variações de formatos e reenquadramentos /- confirmar que não foram de facto expostos em vitrina, ver artigo meu de 94/). No catálogo falta uma bibliografia, mas há uma "Colectânea de textos sobre a obra de Fernando Lemos". É aí que encontramos sem título parte de um - aparentemente anódino - texto de J.-A. França publicado a 10 de Março de 1953 no Comércio do Porto. (O mesmo texto aparecera reeditado na revista Colóquio, depois da retrospectiva do CAM, e passou despercebido... - 27/02/2011)
A bibliografia da magna exp. surrealista de 2001 (Badajoz-Chiado) cita-o outra vez sem título, mas ele aparecia bem referenciado no catálogo da doação do prof. França ao centro de documentação do CAM, em 1992, transferido para a Biblioteca de Arte da Gulbenkian: 6.3 Séries / O Comércio do Porto / 1953 FC2.2 "Nota sobre 'Fotografia Subjectiva'".
Subjectiva e não surrealista, note-se, o que aponta para a estrita actualidade dos anos 50 e do já muito conhecido dr. Otto Steinert - não para o sr. Breton.
Em Janeiro de 1952, a exposição da Casa Jalco (Azevedo, Lemos, Vespeira) queria afastar vinculações directas ao surrealismo (e já não se referia então o antigo grupo surrealista - o tempo passava muito depressa**), e também aí se recusava a fórmula "abstraccionismo" (falava-se de arte "não figurativa", que seria outra coisa), como se pode observar na longa defesa-apresentação que França publicou então na «Seara Nova» (consultar JAF, "Da Pintura Portuguesa", ed Ática, 1960) - "Desviando-a de qualquer justificação surrealista para a apontar como abertura a novas orientações genericamente «não figurativas», que pouco depois terão sequência na sua (de JAF) defesa da abstracção geometrista, como um novo capítulo de informação parisiense", tinha eu escrito no Expresso em 2001: http://alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar/2007/12/surrealismos-de.html ). /**É a partir de 1982 e de "Anos 40" que se refaz a vinculação da exp. de 1952 ao surrealismo./
Naquele artigo de JAF (1953, Comércio do Porto) também se negava expressamente a actualidade da relação a Man Ray, cuja "última exp. ... não tinha qualquer interesse".
O artigo do jornal do Porto - escrito a propósito da exp. de Fernando Lemos em Janeiro de 53 na Gal. de Março - é ainda mais relevante quando se lê o parágrafo que foi omitido no catálogo de 1994, o qual, ainda antes da consulta da versão integral na Biblioteca da F.G., se pôde descobrir na publicação alusiva ao Prémio Banif Consagração 2008, SNBA/CNC, em Abril, embora ainda e sempre sem título e com outros cortes não assinalados (ou é falta de rigor ou vontade de baralhar):
...
Se tivessem mostrado este papel ao Regis Durand, convidado a prefaciar Lemos em 1992 (Paris) já ele não teria dito que "L'histoire de la photographie est de peu de secours quand on tente de comprendre une oeuvre comme celle de F. Lemos". Pelo contrário, como quase sempre sucede, a história da fotografia ajuda muito, mas é indispensável saber se ela era conhecida ou não, numa data e num lugar precisos. É preciso investigar as fontes da época e não só reler as sínteses tardias.
Lemos tinha feito em 1951 uma "viagem de estudo" a Espanha e a França (cat. 1994). É bem possível que tenha sido ele a trazer o Steinert ao prof. França, menos interessado em fotografias, mas isso não importa. R. Durand acrescenta ainda:
"Por volta de 1950, a história da fotografia escreve-se sobretudo na Alemanha (com a "fotografia subjectiva") ou nos EUA (com Minor White ou Harry Callaham, por exemplo), com a preocupação de se demarcar do picturialismo, pela afirmação muito modernista duma autonomia da forma fotográfica. É evidente que FL não partilha desta preocupação. (...)"
A interpelação do modernismo formalista à Greenberg está ali a mais, e é essa que não intererssa a Lemos; quanto ao resto a "história" tinha viajado até Lisboa - e às vezes antes mesmo de chegar a Paris.
Victor Palla, aliás, também viajava, e passou parte de 1952 em Londres, formando-se em actividades editoriais.
O parágrafo escondido do artigo de JAF (para repescar o "surrealismo"), agora tal e qual: (...)
(...)
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