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William Eggleston em Serralves
(Depois de Stromholm + Slavin + Nozolino em 1990, era o 2º e último Fotoporto !!; além de Nozolino outra vez em 2005, Far Cry, e de Irving Penn em 2002, a relação de Serralves com a fotografia foi sempre sectária ou alérgica, por vezes doentia, por exemplo com um tal Christopher Williams e com uma publicação chamada Fotografia na arte com que se ressuscitavam velhos fantasmas. Eggleston foi outra das excepções, antes de Goldblatt e Guy Tillim, com que descobrem tradições e renovações da fotografia documental - trata-se agora de emendar a mão face a uma realidade a que se tinha voltado as costas.)
EXPRESSO 26-07-2003
« A beleza do banal »
Depois de mostrado Joel Sternfeld no mês da fotografia de Lisboa, outro grande fotógrafo norte-americano é apresentado pelo Museu de Serralves. Ambos tiveram um importante papel na renovação da fotografia a cores a partir do início dos anos 70 e exerceram uma influência decisiva nas décadas seguintes. Cinco anos mais velho (nasceu em 1939, em Memphis, Mississipi), William Eggleston é habitualmente referido como «o pai» da fotografia a cores, mas essa é uma fórmula simplista que começa por ignorar, além dos daguerreótipos manualmente coloridos, a invenção dos autocromos pelos irmãos Lumière, comercializados em 1907 e largamente utilizados pelos pictorialistas.
De Sternfeld viu-se uma breve e admirável antologia de trabalhos que vinham até aos dias de hoje, enquanto de Eggleston se expõem obras do início da carreira, escolhidas e editadas 30 anos depois.
«Los Alamos» é uma exposição de 82 imagens datadas de 1965 a 1974, acompanhada por um magnífico álbum editado pela Scalo em grande formato (73 €), onde, aliás, as fotografias surgem sem data nem lugar, numa sequênciação que parece negar a individualidade das estampas.
Inaugurada em Março no Museu Ludwig de Colónia, a mostra tem a sua primeira escala no Porto e fará uma larga itinerância. O título refere-se ao laboratório secreto onde a bomba atómica foi desenvolvida por Oppenheimer, a partir de 1943, mas nenhuma das imagens é da pequena cidade próxima de Santa Fé, entre os «canyons» do Novo México, nem a questão do nuclear é minimamente abordada. Eggleston usou-o para qualificar o seu próprio trabalho como um laboratorio secreto, quando, no início dos anos 70, concebeu o projecto de editar uma vasta compilação de 2000 fotografias em 20 portfolios que constituiriam uma visão enciclopédica da paisagem e da vida quotidiana de todo o sul norte-americano, do delta do Mississipi até à costa do Pacífico.
As mais antigas fotografias provêm de Memphis e das primeiras viagens pela região, interrompidas em 1968 com a partida para Nova Iorque, onde conheceu Diane Arbus, Lee Friedlander e Garry Winogrand, três dos fotógrafos da «paisagem social» com que então se renovava a tradição documental americana. Eggleston começara por essa altura a trabalhar com diapositivos a cores de 35 mm e encontrou um acolhimento entusiástico por parte de John Szarkovski, o director do departamento de fotografia do MoMA.
A exposição que aí apresentou em 1976, acompanhada por um magistral ensaio de Szarkovski a prefaciar o álbum William Eggleston’s Guide (fielmente reimpresso em 2002 pelo MoMA), assegurou-lhe uma projecção definitiva e ficou, graças ao choque que provocou junto da crítica, como data de referência da legitimação institucional da fotografia a cores enquanto médium artístico. Entretanto, Eggleston já regressara a Memphis e dedicou-se entre 1972 e 74 ao projecto «Los Alamos», que ficou inédito até agora (um fragmento de oito imagens foi publicado em 1990). O velho processo «dye transfer», que assegurava uma especial saturação e profundadidade da cor e a longevidade das provas, voltou a ser utilizado, e o Museu Ludwig comprou por 400 mil dólares uma edição do portfolio completo.
Quando as fotografias de Eggleston foram mostradas, muitos as consideraram vulgares e esteticamente pobres, próximas dos instantâneos familiares, dos postais ilustrados e da imprensa popular. Szarkowski qualificava-as como «perfeitas», mas o crítico de arte do «New York Times», Hilton Kramer, fulminou-as: «Perfeitamente banais, talvez. Perfeitamente aborrecidas, seguramente. » A novidade não estava no uso da cor: Edward Steichen já tinha exposto Ernst Haas no MoMA, em 1962, e Stephen Shore fizera (a cores) a primeira mostra individual de um fotógrafo vivo no Metropolitan em 1971.
Era o modo como a «vulgaridade» dos temas e das cores se fundia num mesmo e indissociável choque visual, sem que forma e conteúdo pudesem ser separados, que constituia a surpresa do trabalho de Egglestom. As estradas e os automóveis, os cartazes, letreiros e sinais de trânsito, as lojas e casas, os objectos de consumo ou decoração doméstica mais banais ou desprezíveis, vistos nos seus enquadramentos próximos e fragmentados, apareciam, como escreveu Walter Hops, como «temas que parecem não-temas, coisas que ninguém mais se lembraria de fotografar». Eggleston falou, a propósito do seu trabalho, de uma «maneira democrática de olhar à volta, com a noção de que nada é mais, ou menos, importante».
A América vulgar, vernácula ou popular já fora fotografada por Walker Evans (American Photographs, 1938), identificando no banal quotidiano os símbolos da nova civilização americana, e o universo consumista vulgarizara-se com a estética Pop. O olhar (o estilo) de Eggleston não era o de um fotógrafo documental e é escassa a informação que fornece sobre os seus temas, vistos sob o impacto conjugado das cores exacerbadas pela sobre-exposição e da composição construída por efeitos acentuados de escala e perspectivas angulares que o próprio comparou às diagonais da bandeira sulista da Confederação americana. Eggleston afastava-se da pureza distanciada da visão frontal de Walker Evans olhando os seus assuntos através dos ângulos de Cartier-Bresson, aos quais associava, aliás, os enquadramentos fotográficos das pinturas de Degas e Toulouse-Lautrec. Em vez de resultar num culto do banal, a cultura visual de Eggleston criava com a insuspeita riqueza visual da banalidade quotidiana uma obra fotográfica visionária de uma perturbadora beleza.
William Eggleston
Los Alamos
Museu de Serralves
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