Quando se começou a publicar a revista Objectiva, em 1937, o mundo das associações fotográficas amadoras restringia-se ao Grémio Português de Fotografia (GPF) - que parece ter-se constituido informalmente em 1931 (A.S.) como secção da Sociedade de Propaganda de Portugal e que organizava desde 1932 salões na sua sede - e ao pequeno Cartaxo Photo Club, animado desde 1934 pelo dr. António de Mesquita e que nesse ano fazia a sua 3ª Exp. Nacional de Fotografia. A revista apresenta as duas entidades como suas colaboradoras, seguindo-se-lhes uma pequena lista de nomes individuais que são em geral os respectivos animadores.
Só muito mais tarde aparecem novas associações: o Grupo Câmara em 1949, em Coimbra; o Foto Clube 6 x 6 em 50, Lisboa; a Associação Fotográfica do Porto em 51. É, em 37, um universo rarefeito que deve decorrer em parte das restrições políticas às dinâmicas associativas e também de um pouco conhecido processo de oficialização corporativa, sob a égide da "política do espírito", de anteriores iniciativas da "sociedade civil".
Fotografia do Dr. Lacerda Nobre, nº5, pág. 76
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Não deve confundir-se a Sociedade (de) Propaganda de Portugal (SPP) com o Secretariado Nacional da Propaganda (o SPN, criado em Set. de 1933 e antecessor do SNI, de Fev. de 1944, por extenso o Secretariado Nacional de Informação e Cultura Popular, logo a seguir Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo). Mesmo se o regime foi oficializando e absorvendo os serviços daquela e integrando ou fazendo coincidir os seus quadros dirigentes. Nuns casos por via da efectiva identificação de grande parte das "elites" com o regime e noutros, com especial eficácia, por via do Código Administrativo de 1936 e da integração do sector do turismo no SPN.
A SPP foi criada em 1906 e começa por ser uma "emanação" apolítica das elites do país, visando «promover, pela sua acção própria, pela intervenção junto dos poderes públicos e administrações locais, pela colaboração com este e com todas as forças vivas da nação, e pelas relações internacionais que possa estabelecer, o desenvolvimento intelectual, moral e material do país e, principalmente, esforçar-se por que ele seja visitado e amado por nacionais e estrangeiros».
Ou "colocar o país no mapa do turismo do mundo e criar os meios de defender e propagandear o bom nome de Portugal, lá fora" (segundo a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira - cuja entrada parece ser a mais importante, ou quase única, informação sobre a SPP, que não figura no Diccionário de História do Estado Novo, ou na actualização do de História de Portugal).
Em 1906, Leonildo de Mendonça e Costa (tb fundador e director da Gazeta dos Caminhos de Ferro) terá reunido cem sócios fundadores, de que se podem destacar Magalhães Lima (1850-1928), grão mestre da Maçonaria em 1907, e o 1º Conde de Penha Garcia (1872-1940), ministro da monarquia e com longa carreira posterior, animador do Grémio Português de Fotografia (presidente em 1938, se não se tratar já do 2º Conde). Em 1925 os sócios seriam 16 mil mais os residentes fora do pais - a Enciclopédia fala de um grande movimento nacional e de 75 mil sócios, pouco depois (exagero?).
Em 1907 surgiu o 1º Cartaz Turístico promovido pela SPP: “Portugal the Shortest Way between América and Europe”; em 1911 promove o I Congresso Internacional do Turismo. Mas por aí passam tb as 1ªs Casas de Portugal em Paris e no Rio; a instituição da cadeira de estudos portugueses na U. de Rennes em 1921 (Encic.); a formação de comissões de turismo em cidades e vilas, só muito depois oficializadas; uma comissão de hotéis e a regulamentação da respectiva indústria; a secção Amigos de Lisboa, que depois se emancipou; o Clube Os 100 à Hora (desde 1934 associa-se à SPP o nome Touring Club Português). A iniciativa dos desportos de inverno na Estrela, uma pousada em Gouveia; o incentivo do xadrez, a promoção da fotografia e do cinema; o patrocínio da agência Lusitânia, fundada em 1944 sob a sua égide (Enc.); a secção Grupo de Estudo e Propaganda do Ultramar (GEPU), uma excursão cinegética a Angola em 51, etc.
Postal ilustrado por Raúl Lino (1879-1974), devotado elemento da Sociedade Propaganda de Portugal,
in PORTUGAL - O Turismo no Século XX, Paulo Pina
( http://oeiraslocal.blogspot.com/2008/04/portugal-o-turismo-no-sculo-xx.html )
Magalhães Lima foi o 1º pres. da Assembleia Geral; o lugar era de
Marcelo Caetano em 1954. Luís Lupi era director-secretário desde 1930 e
director secretário geral em 1954. (Encic.)
Se a colaboração estreita da SPP com os governos foi uma regra desde a monarquia à República e depois desta, é notório que muitas das iniciativas e organizações da sociedade civil vêm a ser controladas, amordaçadas e "nacionalizadas" pelo regime - numa dinâmica que nunca mais deixou de marcar o país e com paralelismos estatizantes à "esquerda" muito significativos. Talvez por isso a informação sobre a SPP é tão escassa.
Veja-se como excepção: http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-167.htm
"OS GUIAS DE TURISMO E A
EMERGÊNCIA DO TURISMO CONTEMPORÂNEO EM PORTUGAL (DOS FINAIS DE SÉCULO
XIX ÀS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX)", de
Ana Cardoso de Matos e Maria Luísa F.N. dos Santos, do Departamento de História da Universidade de Évora.
A. Sena refere na pág. 199 que a Sociedade Portuguesa de Photographia "aderente do projecto turístico e publicista da SPP" é fundada em 1907, por iniciativa dos editores do BOLETIM PHOTOGRAPHICO, Arnaldo Fonseca e Júlio Worm. Aponta-lhe as datas 1907-1914.
Mesmo depois de fundada a SPP, passam outras iniciativas pela Sociedade de Geografia e pela ILLUSTRAÇÃO PORTUGUEZA.
A revista ARTE PHOTOGRAPHICA é de 1915
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Em 1937, o Grémio Português de Fotografia, secção da SPP, tinha apenas cem sócios (pagavam 50$ anuais os de Lisboa e 30$ os da província, o que seria um preço elevado). Era um número muito baixo de sócios, como a revista Objectiva sublinha com insistência, interrogando-se sobre a possível "inacção" (nº 4) do Grémio e apelando para a mobilização em torno dele no momento em que se anuncia para Dezembro a internacionalização do seu V salão, que será o I Internacional.
Publicada em Julho de 37, no nº 2, uma entrevista com o vice-presidente do Grémio, o médico (João) Munhoz Braga, é significativa de uma posição muito crítica sobre "a prática, em geral, da fotografia no País". Falta "o culto pelo colectivismo", faltam mais associações, faltam sócios; "o nº de praticantes multiplica-se mas falta-lhe dar mais vida".
No nº 4, Setembro, o editorial do director Rodrigues da Fonseca compara "Fotografia nacional e fotografia estrangeira": "(...) há tb muitos bons artistas. O que falta será, talvez, o arrojo, digamos assim, e a diversidade de assuntos que o estrangeiro explora nas suas produções fotográficas, facilitadas grandemente pelo baixo preço por que adquirem os aparelhos (...)"
A seguir (nº 5, de Outubro) surge em "Arte e Artistas" uma inédita linha de discussão sobre o que seria em termos vagos uma "tão contrariada" "nova concepção fotográfica", que tem por fulcro a necessidade de estudar e a escolha dos assuntos: "As paisagens e os monumentos foram fotografados de todas as maneiras e feitios e tudo quanto rapidamente se tornava agradável à vista não escapou à objectiva". "Hoje tomou-se um novo rumo: reproduzir, com beleza, aquilo que à primeira vista pouca ou nenhuma nos apresenta". (p. 67).
Pelo banal contra o pitoresco, portanto; em especial, como se observa pelas fotos publicadas, pela observação do quotidiano popular - mais ou menos embelezado: virá depois a grande polémica sobre o "flagrante".
Nº 7, "Gigas (Costa da Caparica)", de Álvaro Colaço
No nº 6, de 15 de Novembro, ao mesmo tempo que se anuncia muito discretamente o júri eleito do I Salão Internacional de Dezembro, surge o anúncio das iniciativas do Estúdio Português de Cinema de Amadores e do Laboratório Fotográfico de Estudo e Prática, com que a revista tenta lançar uma outra dinâmica entre os amadores. Desenha-se então uma combatividade, um cunho polémico reconhecível em vários artigos que vai durar muito poucos meses - e a revista torna-se em 38 o orgão de um salonismo pacificado e medíocre.
Afirma-se então no artigo de abertura que anuncia as iniciativas da revista: "todos apontam o atraso da nossa fotografia e cinematografia de amadores, desdenhando-a em tudo, mas ninguém tenta dar-lhe remédio. Não há dúvida de que existe um grande atraso em relação aquilo que se faz no estrangeiro, mas não há dúvida tb que existem muitos amadores de grande valor (...) o suficiente para se ter já dado o incremento à arte do claro-escuro, animada e inanimada".
"Para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da arte fotográfica de amadores torna-se necessária a montagem de um Laboratório (...) para que os seus assinantes possam ali aperfeiçoar-se tendo sempre ao dispor os materiais e ensinamentos para os estudos e ensaios de tudo quanto se prender com a fotografia".
No mesmo nº (onde se continua a dar largo espaço a um artigo sobre a técnica do bromóleo), o Dr. Munhoz Braga - que no fim do ano irá passar de vice-presidente a último membro de um conselho técnico do GPF encabeçado pelo velho Comandante António José Martins - faz uma preocupada análise d' "O movimento fotográfico em Portugal": a crítica aí formulada parece ultrapassar o âmbito da especialidade e adquirir uma tonalidade política nesses anos de grande dureza repressiva:
"Mas é triste dizê-lo, no nosso país, todas as associações, quer profissionais quer com qq outra finalidade, vivem precariamente por falta de associados e pela insuficiente vida associativa. A culpa é somente do meio e da falta de compreensão na utilidade e fins das associações de qq género. E assim existe um círculo vicioso, pois as sessões não têm interesse por falta de sócios, e estes não têm interesse por insuficiência das sessões".
O artigo começara por referir que "em toda a parte os progressos da fotografia são apresentados, discutidos, experimentados e observados nas reuniões das sociedade e dos clubes... Como é natural, na vida moderna civilizada tudo tem de possuir uma organização, uma ordem e uma direcção. À frente, portanto, do momento fotográfico encontram-se as sociedade de fotografia que, em certos países, se contam às dezenas." (em França perto de 150, das quais 20 só em Paris). Em Portugal... "estamos muito atrasados em relação a outros povos."
"Pescador da Nazaré" do Dr. Álvaro Colaço, I Salão Internacional, pág. 103
No nº seguinte, o 7 de 15 de Dezembro, virá a saber-se por um artigo do director dedicado ao I Salão Internacional que o júri fora forçado a fazer uma segunda escolha, depois de ter aprovado apenas 25 % dos envios, o que "levantou celeuma" e "tanto barulho produziu". Na 3ª pág. (pp. 99 e até 101), o Dr. Álvaro Colaço, que assume grande protagonismo nesse período, muito breve, publica o artigo "Exposições d'Arte Fotográfica - Como se devem organizar os Júris". Exclui "os pseudo-artistas que são os chamados críticos de arte" e propõe uma fórmula temporária com três fotógrafos (dos quais um profissional) e três pintores, reunindo estes só numa 2ª fase já sobre a escolha dos primeiros.
Nudez, dr. A Lacerda Nobre, nº 12, Maio 1938, pág.190
(publica capas dos nºs 1 e 3, mais pp. 1, 13, 29, 76. 77 e 190)
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Dr. Álvaro Colaço: capa nº 7 e pp 103 e 120 - "Anita desgrenhada", I Salão
Na sua crítica do 1º Salão, San-Payo refere entre os destaques que faz "os tipos de Álvaro Colaço". A. Lacerda Nobre não é referido e não terá concorrido. Vai ser este o grande premiado do I Concurso levado a cabo pela "Objectiva" na SNBA em Julho de 1938. A revista publica no nº 14 "Repouso na doca" e no nº 17 "Tarde no Mondego" que não se destinguem especialm. do salonismo dominante. Faz tb uma desinteressante capa para o nº 13 de Junho 38 (retrato de criança)
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