1953 é um ano importante para a fotografia portuguesa.
Fernando Lemos vai para o Brasil, onde volta logo a expor (em dois museus nesse mm ano) e terá levado com ele as provas vintage que não conhecemos, impressas em pequeno formato (julgo eu) pelo sr. Camilo, ou com a ajuda e a colaboração do sr. Camilo - Mário de Almeida Camilo, da secção fotográfica dos Grandes Armazéns do Chiado, tb fotógrafo amador do Clube 6 x 6 e expositor nos salões internacionais do Grémio de Arte Fotográfica. Morreu Adelino Lyon de Castro, do mesmo Foto Clube 6 x 6 e expositor na 5ª EGAP de 1950 - figura a conhecer melhor, reconhecido no meio salonista e interessado no documentário social (dez fotos reproduzidas em As Mulheres do meu País, 1948-50). E publicou-se mais uma revista (efémera) de fotografia, que é conhecida por ter Ernesto de Sousa como chefe de redacção, autor de uma entrevista com Man Ray publicada no nº 4, e por aí se terem reproduzido obras de Fernando Lemos - apresentado como colaborador no nº 1, com uma foto sem título (vela? e caranguejos), e mais três no mesmo 4º e último nª. Vistas de perto, as coisas da revista são mais complexas.
PLANO FOCAL
"Revista técnica de fotografia, cinema, rádio, artes gráficas e propedêutica de publicidade"
editada em 1953, publicaram-se apenas quatro nºs:
Nº 1, Fevereiro; nº 2, Março; nº 3, Abril; nº 4, Maio-Junho.
Director: Jaime Bessa
Editor: A. Manuel de M. Peixoto
Chefe de redacção: José Ernesto de Sousa
Propriedade da Sociedade Rádio Cinematográfica Lda
Pr. do Areiro 9, 2º Dto, Lisboa.
Segundo a biografia publicada em 1998 (FCG), Ernesto de Sousa assinara no início de 1952 um contrato com aquela Sociedade - produtora de curtas-metragens - com vista à adaptação e realização de documentários. Vindo de Paris, 1949-52, era o cinema e a rádio que lhe interessavam (tb como sustento), e menos a fotografia. Depois, em Janeiro de 54, E.S. iria ser o redactor principal de "Imagem" (nova série, até 1961), enquanto em Fevereiro do mesmo ano se inicia a publicação da revista "Fotografia", dirigida e editada por António Peixoto, na mesma morada.
A revista "Plano Focal" procura manter até final uma improvável coexistência de informações mais experimentais e surrealistas ou "subjectivas" com o conservadorismo salonista nacional. "Fotografia", em 54-55, será mais conforme com o gosto enraizado nos grupos amadores, os quais, ao contrário do que sucede por todo o lado (Espanha e Itália, nomeadamente), não parecem dar sinais de qualquer renovação interna.
Nº 1: Colaboradores: José Rodrigues (Grupo Câmara, Coimbra), José da Costa Leite (Porto), Mário Novais, Fernando de Lemos, Esteves Pereira (rádio)
Em Editorial, diz-se "uma revista de ordem estritamente técnica", "apenas os aspectos técnicos de cada problema constituirão o nosso critério de selecção e estudo". (é a lógica do amadorismo fotográfico, uma perspectiva modernista, ou um seguro de vida face à censura?)
Pág. 10: "Os clubes amadores em Portugal". (artigo)
Publica fotografias de Erwin Blumenfeld, Papillon, Marcel Bovis, Hebert List, Edward Weston,
de FERNANDO LEMOS, Fotografia (caranguejos)
e tb de Mário Novais (tear), João Costa Leite (Neblina Matinal), José Rodrigues (O Arrais)
artigo "Perspectiva sonora" de J.E.S.
Noticiário, publicações.
fotocópia (a partir de uma)
Nº 2: Colaboradores: Varela Pecurto (grupo Câmara, Coimbra, direcção; dirige a secção fotográfica da Liv. Atlântica) - uma foto; Adelino Platão Mendes (fotojornalista no 1º de Janeiro, Porto, autor do livro Não fotografe ao acaso, 1951), José Moreira (químico), Mário Zuzarte (radiófilo)
Pág. 13: "Um clube de amadores em 1900", a Sociedade Portuguesa de Photographia
Pág. 13: Foto-clube 6 x 6 (artigo), fundado em 1950
Fotografias de Laure Albin Guillot, Brassai (2)
António Rosa Casaco (Canal de lodo) e José Braga de O. Pinto (grupo Câmara)
adiante de Ernest Zsoldos (Manhã de Inverno)
e Dr. Steinert, Estudo (retrato/figura)
Nota sobre a exp. "20 Hommes d'Images", Paris (E.S., não ass., ) refere em especial Otto Steinert e Daniel Masclet, além de Brassai (um paisagista no mais digno sentido do termo), Man Ray (e as suas 'trucagens' com a realidade), Cartier Bresson (definitamente consagrado como o 'glob-trotter' da fotiografia), etc
Steinert (fotocópia)
Nº 3: Colaboradores: Manuel Abranches, Fernando Vicente (Foto Clube 6 x 6, dir.)
Pag. 13: Academia Portuguesa de Amadores Photográficos, 1886, "O 1º clube de amadores?"
Entrevista com Júlio Worm, sobre "Boletim Photographico" e a Sociedade Portuguesa de Photographia
Pág. 16.(artigo de apresentação de) Daniel MASCLET, por Ernesto de Sousa.
Pág. de Crítica fotográfica, secção orientada por Mário Novais (tb. no Nº 4)
Nº 4:
Pág. 13: "Actividades dos clubes de amadores - O 1º passeio fotográfico do Foto Clube 6 x 6"
Fotografias de Man Ray (2) e Fernando Lemos (3), e Moholy Nagy ("Abstracção")
Manuel Abranches (De regresso)
Pág. 16 (entrevista) Man Ray, por Ernesto de Sousa www.ernestodesousa.com
Pag. 24: XVI Salão Internacional de Fotografia, M.A.
(Existem na biblioteca do Museu do Neo-Realismo, VFX - o nº 4 fotocopiado, cortesia Centro de Estudos Multidisciplinares Ernesto de Sousa - CEMES/Isabel Alves)
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1 / Fev. de 53:
- "Pintor. Pratica fotografia desde 1950. Nunca concorreu a salões colectivos de fotografia." - na apresentação do colaborador Fernando de Lemos. A diferença com a tradição salonista, com a regra de afirmação e circulação da "arte fotográfica" fica marcada. (Mas convém não esquecer que "será preciso esperar pelos anos 70 para que um artista fotógrafo possa começar, com um pouco de sorte, a viver < nos EUA > dos rendimentos provenientes da venda de provas positivas" - Peter Galassi, MoMA, 1995. Com excepção dos retratistas, artistas ou não artistas.)
- É notório o propósito de ensaiar uma história dos agrupamentos de amadores fotográficos em Portugal, com os quais se identificou a defesa da artisticidade da fotografia e de um sistema correspondente de visibilidade e consagração (clubes, salões e envios colectivos às exposições internacionais), não de comercialização, que neste campo não existe. Os artigos técnicos (muitos deles sobre cinema, som, ) não têm nada a ver com os habituais maneirismos ou preciosismos investidos em efeitos de composição ou iluminação. Noções de sensitometria (nº 1), Processos fotomecânicos (1 e 2)
"Os clubes amadores em Portugal" (pág. 13)
Toma-se uma posição divergente ao considerar-se "o que é, o que pode ser o 'amadorismo' ": "Para nós um amador não se distingue essencialmente dum profissional". E é aos profissionais que a revista se quer tb. dirigir, ou apontar como exemplo: "Quanto aquilo que deve distinguir um bom profissional, conhecimento dos seus limites, humildade dos fins em face dos meios, uma certa reserva na assinatura e denominação de obras (...) - certamente que estas qualidades podem ser tb uma regra para os amadores.
Na realidade, os amadores têm tendência a exceder os limites impostos pelos processos, pela sua cultura e preparação pessoal (exemplo: os títulos de muitas fotografias enviadas aos Salões, com frequência enfáticos e pretensiosamente expressivos); (...)"
"À cabeça das nossas associações", o Grémio Português de Fotografia (G.P.F.), com actividade praticamente reduzida ao seu Salão anual, "cujo catálogo é considerado como um dos melhores, no género". Sugere-se a sua transformação "numa espécie de Secretariado de todos os Clubes".
Associação Fotográfica do Porto
Grupo Câmara, Coimbra
"Clube dos 6 x 6 de Lisboa"
e Clube dos Amadores de Fotografia de Santarém.
Elogiam-se as Exposições do Grupo Câmara e as sessões de trabalho da A.F. do Porto - exemplo de Outubro de 52: "Dia 7 . Ensaio de Composição com objectos brancos (gama alta). Dia 14 - Demonstração prática de retoque. (...)"
2 / Março
- "Com o entusiasmo de um verdadeiro amador" ...
- Sobre o 1º nº (editorial) esgotado em poucos dias / chuva de assinantes: 380 numa tiragem de 1500 ex.
- Foto-Clube 6 x 6 (pag. 13) "club de amadores fotográficos" fundado em 16 de Junho de 1950 por iniciativa de Amadeu Ferrari - realizaram-se em seguida exposições de propaganda em quase todas as casas de artigos fotográficos da capital. Comissão Organizadora: Dr Manuel Jaime de Sousa Marques, Fernando Vicente e . Ferrari. I Exp. Inter-Sócios em 1951 com 36. as "remessas colectivas"
Rosa Casaco, João Osório de Castro, Mário A. Camilo, Eduardo Harrington Sena, João Martins...
3 / Abril
- a rotina dos salões. Da apresentação de Fernando Vicente: "...cifrando-se assim a sua actividade: Em 1950, 14 salões, cinco diplomas e uma taça; em 1951, 31 salões, dois diplomas e uma medalha; em 1952, 31 salões, quatro diplomas e duas medalhas."
- DANIEL MASCLET. 1902-1969. hoje esquecido, foi um dos nomes mais conhecidos nos anos 50 (Grupo do Rectângulo, dp Les XV, presidente do 30x40, editado em Subjecktive Fotografie, 1952).
Para E.S., está no polo oposto a Moholy-Nagy ou Man Ray, é, "num certo sentido, um exemplo de fotógrafo-tipo, isto é, que à objectiva e aos restantes meios específicos da fotografia recorre exclusivam." Profissional com estúdio em Paris dd 1927. Uma carreira eclética que passa pela moda, o nu, o retrato. Tb animador, autor de artigos e org. de exposições. Victor Palla cita-o em 1953 em O olho quadrado como um gd fot. ao lado de Weston e Cartier-Bresson.
ES: "É com objectos (no seu sentido mais geral: de realidade objectiva) surpreendidos na sua forma e disposição naturais, mas bem identificados - que Masclet faz fotografia. Nem por isso esta fotografia se reduz a uma função puramente descritiva. Aí está, talvez, o segredo do verdadeiro artista fotográfico: saber surpreender a vida numa Hora e com uma disposição tais que ela se torna lírica, evocativa, enfim, significativa."
(não exactam. simbólica, como se apreciava nos salões)
(note-se a vida numa Hora, em vez do instante, decisivo - está ES a pensar no cinema?)
"A fotografia é uma arte?" - assim começa o artigo. (fazer arte com a realidade objectiva, mais que ou ao lado da função descritiva: lírica, evocativa, significativa). E assim termina, último parágrafo: "Finalmente, encontra na reportagem uma das razões de ser da fotografia".
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